quinta-feira, 31 de março de 2016

Parem de ser tão medrosos

Não há nada assustador nas florestas. Desculpa, gente. Ou melhor, talvez eu devesse dizer "Desculpa, crianças". Eu entendo. Vocês viram A Bruxa de Blair ou leram alguma "creepypasta" de merda em algum site e, de repente, alguns dos lugares mais lindos do planeta viraram o paraíso de demônios, zumbis ou qualquer outra porcaria que os escritores estejam inventando hoje em dia. Mas, adivinhe só: é tudo coisa da sua imaginação. Olha, lembro como era ser criança. Eu tinha uma mente muito criativa: fantasmas, gnomos, duendes, aliens, blá, blá, blá... Mas sabe o que aconteceu? Eu fiz 13 anos. E vi o mundo real.


Aqui está o motivo para que esse papo furado de "uuuh tenho muito medo de ir em uma floresta" me irrita tanto. Moro perto de um parque estadual. Há várias empresas locais que conseguem prosperar com os grandes números de alpinistas, piqueniques, e os excursionistas que costumam vir na primavera, verão e outono. Mas nos últimos anos, coincidindo perfeitamente com essas crianças e adolescentes chorões que ficam falando uns pros outros quão amedrontados estão, os negócios diminuíram e perdemos muito dinheiro. Sim, sou dono de uma dessas empresas. Uma barraquinha de sorvete.


Eu podia ver a modinha que se formava. Pré-adolescentes pálidos e vestidos de preto que viajavam com seus pais ficavam resmungando que estavam com medo de fazer uma caminhada de um quilometro em uma trilha imaculada porquê teriam árvores assustadoras no caminho. Falavam isso enquanto comiam seus sorvetes. Fiquei pensando o que meu pai fariam se eu tivesse reclamado por ter medo de caminhar ao ar livre por uma tarde. O único sorvete que eu teria ganhado seria para por no meu olho roxo.


E eu perdi grana por causa dessa merda. Meus colegas também perderam dinheiro. Casais se separaram, adolescentes perderam a chance de irem para as faculdades que queriam, e a economia local, sem contar com a renda que conseguiam com os esquiadores no inverno, foi por água abaixo. E tudo isso por causa desses pequenos idiotas que acham que choramingar e se acovardas é mais lindo e desejável do que ser forte e resiliente. Eu choro é pelo meu futuro.


Minha barraca de sorvete deveria ser reaberta no 1º de Abril. Daqui a poucos dias. Mas já estou vendo que vai ser uma temporada brutal. A difusão desses contos online sobre "coisas assustadoras na floresta" e "você não vai acreditar o que descobri nesse diário que encontrei enquanto fazia uma caminhada nas montanhas" só tem crescido. Quando vejo os comentários nesses sites ridículos que estão impregnadas com essas histórias, eu vejo adultos, ADULTOS, falando o quão aterrorizados estão para ir até em seus jardins, pois estão com medo de encontrar um cara magrelo em um terno ou um monstro que irá possuí-los ou algo do tipo.

Garanto que os autores desses lixos não pensaram nem uma vez como sua imprudência destruiria pequenos negócios. Antes de minha esposa morrer, eu olhava pela varanda dos fundos e via famílias fazendo caminhadas nos bosques, crianças pulando de pedra em pedra nos riachos, e pais ensinando seus filhos e filhas como fazer uma fogueira segura usando pedras e gravetos. Agora só vejo bosques parados no tempo e uma economia devastada. Esses bebês chorões conseguiram com sucesso assustar a si mesmos para longe da natureza e ferrar com a subsistência de pessoas reais no processo.

Felizmente, de vez em quanto, vejo famílias passando pela minha casa e fazendo as coisas que todo mundo fazia antes que essa palhaçada de "estou com medo" começasse. Outro dia, pela primeira em três anos, um jovem casal enfrentou a neve derretendo misturada a lama e montou uma barraca nos arredores da minha propriedade. Você sabe o quão feliz fique de finalmente ver pessoas que não estavam com medo de fantasmas ou de florestas assombradas?

Eu devo ter ficado na barraca até o sol sair, aproveitando aquela carne quente e jovem. A mulher morreu instantaneamente, mas o marido ou namorado, sei lá, ficou vivo por horas. O único beneficio de ter poucos turistas ultimamente é que nenhuma alma viva ouviu ele gritando enquanto me assistia comendo os pedaços mais suculentos de sua parceira antes que eu acabasse meu apetite com ele. Outro bônus: Eles estavam em uma barraca! Só precisei enrolá-los e arrastá-los para dentro de casa. Sem barulho, sem confusão.


Depois de toda minha reclamação, tenho que admitir que, encontrar duas pessoas que eram corajosas o suficiente para ir em uma floresta, me faz me sentir melhor. Mostrou que eles não seguiam modinhas e faziam suas próprias coisas, assim como nos velhos tempos. Não compensa os salários perdidos e a economia devastada, mas já me sinto melhor. Pelo menos agora terei carne o suficiente para toda primavera, o que me ajudará aquecer esse meu coração cínico.


FONTE

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