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Caso Psicótico - Distúrbio mental violento - Nº: 318
Registrado Na 16ª D.P de SP, São Paulo, Vila Clementino para transferência do detento de solitária para sanatório mais próximo e mais rápido o possível. Detento com tendências suicidas. Segue anexado em documento informações e registros.
Nome: Aldo Pereira Coutinho
Idade: 18
Nível do Distúrbio: Grave
Registro digitado a partir do relato gravado em áudio da parte do paciente, para futuros estudos:
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"Meu nome é Aldo. 18 anos. Não sei se devia ou não estar aqui, não faço idéia mesmo. Sei que me deixaram com essa merda de gravador ligado e me disseram pra contar o que aconteceu. Não sei de mais nada, sinceramente, se mereço ou se quer estar vivo, mas por falta do que fazer, ou falta de opção, vou contar o que me lembro dessa merda toda.
Começou do jeito mais comum o possível, algo que me parecia idiota a princípio provou ser bem mais sério do que eu imaginava. Voltava do jogo de futebol com o pessoal, e quando passamos perto dos arbustos do caminho, ouvi muitos sons de grilos, besouros, insetos em geral. E vi vários, também. Haviam muitos para ser normal. Tomei um puta de um susto e pulei para trás, mas ainda assim um veio voando na minha direção, um besouro verde escuro, do tamanho de uma bola de gude.
Me debati e esperniei, acertei quase todo mundo com socos e pontapés pra me livrar do besouro, mas ainda assim o filho da puta sumiu da minha visão sem ser morto. Ainda ouvia o barulho dele, mesmo com todos gritando e perguntando se tinha enlouquecido. Me acalmei aos poucos e fui me levantando, me apoiando no chão, quando olhei para minha mão no asfalto e vi um relevo, do tamanho de uma bola de gude, por debaixo da minha pele.
Gritei, sacudi a mão e tampei o relevo. Ofeguei e relutei até tirar a mão de cima, mas quando o fiz, estava tudo bem. Nenhum sinal de caroço absurdo sob a pele. Só uma sensação incômoda de algo estar errado. Todo mundo me encarando estranho e rindo de mim. No caminho de volta até minha casa, vim conversando e citei o arbusto cheio de insetos. Ninguém mais tinha visto nem ouvido inseto algum. Ri. Não sei de que, mas ri. Resolvi só esquecer.
Fui tomar meu banho, bem mais tranquilo, quando notei que meu nariz sangrava. Fiquei muito assustado e sem entender direito a situação. Num instinto, fiquei olhando para o sangue, sem saber o que fazer. Então começou o inferno. Um zumbido, bem baixo, daqueles que moscas, mosquitos ou pernilongos fazem quando passam perto do seu ouvido. Agoniante. Esbofetiei meus ouvidos para afastar seja lá o que fosse, mas não sumia. O som começou a aumentar.
Cai no chão do banheiro e comecei a chorar feito uma moça... Não sabia o que fazer, só doia em meus ouvidos e ficava cada vez mais alto. Comecei a gritar e me debater. Então vi mais uma vez. Na minha barriga, o relevo, o caroço, o maldito inseto por debaixo da minha pele. Em segundos me levantei, me debati e quebrei a porta de vidro do box, cortando meus dedos no processo, tentando me livrar do inseto que corria por debaixo da minha pele por todo meu corpo. Todo. Meu. Corpo. Quando comecei a vomitar por não aguentar mais ver aquilo, meu Pai já havia entrado no banheiro acompanhado de minha Mãe. Ela já chorava mesmo sem saber o que acontecia, por ter visto minhas mãos cheias de sangue e o box destruído... Meu Pai me conteve e me sentou na privada. Me perguntou que porra estava acontecendo. Chorei, chorei, engasguei e desmaiei.
Acordei em meu quarto, com curativos nas mãos e um médico saindo, apertando a mão do meu Pai e dizendo que ficaria tudo bem. Que havia sido apenas um ataque, talvez hormonal ou emocional. Relativamente comum entre jovens sob tanta pressão como eu provavelmente era...
Quando meu pai voltou para meu quarto e ouvi o barulho da ambulância indo embora, fingi dormir e esperei ele fechar a porta. Assim que ele saiu eu me levantei e procurei no meu corpo pelo maldito. Não achei em lugar algum, e também não ouvia o zumbido. Deveria estar tranquilo, mas o silêncio mortal daquela parte do bairro e o tic-tac do relógio só me agoniavam de modo estranho.
Deitei. Divaguei. Conversei comigo mesmo sobre minha situação. Não fazia o menor sentido. Andei pelo meu quarto e mexi nas minhas coisas. Relaxei, me senti melhor. Minhas mãos nem doíam tanto, só quando dobrava os nós dos dedos ou cerrava os punhos...
Me sentei na cama, bem mais relaxado depois de um dia tão estranho. Domingo. Ainda eram duas da tarde. Meu Pai entrou no quarto e eu logo disse que queria falar sobre o que aconteceu mais tarde, mas que estava tudo bem. Ele entendeu e me ofereceu um lanche. Aceitei, e em minutos ele voltou com uma bandeja, com pão, manteiga, queijo e suco. Agradeci e bebi o suco. Ele saiu do quarto. Olhei para a bandeja, respirei fundo e senti uma pontada no peito.
Me joguei para trás e vi o besouro debaixo da minha pele de novo. Agora não tinha mais medo dele. Tinha raiva. Ia matar ele. Vi ele descendo até perto da minha cintura, me joguei e peguei a faca de serra que veio com o pão e depois de pensar duas, três, quinze vezes, enfiei a faca no começo da minha virilha, bem rente ao maldito, que não se mexeu. Quando comecei a cortar a pele ao redor para tirar ele de mim, meu pai abriu a porta de novo.
'Puta que pariu, moleque!'. No susto, olhei para ele, e quando olhei de volta, o besouro havia sumido. Só havia um semi círculo na minha virilha e bastante sangue. 'Caralho, moleque, caralho!', gritou meu Pai. Olhei para ele com medo, não dele, e sim do que vi no rosto dele. Bem do lado do seu olho, o besouro. Entrou pela fresta do globo ocular e se fixou acima. Um calombo acima do olho do meu Pai. E ele não reagiu, parecia não sentir nada, sequer notar algo invadindo seu rosto. Não pensei duas vezes.
Voei com a faca no rosto do meu Pai, que esquivou, cortei um pouco de sua testa. Me desarmou com um soco, que logo devolvi, bem no meio do rosto, em cima do besouro. 'Agora você tá fudido, moleque'. E eu levei a maior surra da minha vida. Não conseguia encarar meu Pai enquanto apanhava. O besouro havia mudado ele, mudado seu rosto. Era como uma máscara vermelha com expressões exageradas... terrívelmente doentio.
Lembro de minha Mãe tentando conter ele e de desmaiar de novo.
Acordei preso com algemas e dentro de um cubículo preto. Com novos curativos. É... era uma solitária. Ouvi mais uma vez uma conversa, dessa vez, de um homem com minha Mãe. 'Precisamos manter ele aqui, senhora, enquanto a ambulância do sanatório não chega. É pela segurança de todos, principalmente, a dele mesmo'. Ouvi minha mãe chorar e seu choro se afastar nos corredores.
A mais ou menos uma hora atrás vieram me amarrar com cordas para evitar qualquer movimento. É... eu estive me jogando contra as paredes desde que ele voltou a aparecer sob minha pele. Podia escutar ele andar pelos meus músculos, tendões, juntas. Indiscritivelmente nojento.
Me amarram. Só posso observar e sentir enquanto eles rastejam sob minha pele. Sim, não é só mais um. Ele colocou... Colocou ovos debaixo da minha pele, e alguns já se abriram. Vários circulam pelo meu corpo e mais estão por vir, das dezenas de ovos que ele pôs...
...Acho que quero morrer...
...Por favor...
...Me matem..."
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Observações médicas adicionais: Série de hemorragias internas de caráter e origem desconhecidos. Paciente contorce o corpo em movimentos involuntários enquanto chora. Não dorme, não come, não urina ou defeca normalmente.
São Paulo, SP, 11/03/2011.
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Caso Psicótico - Distúrbio mental violento - Nº: 319
Registrado Na 16ª D.P de SP, São Paulo, Vila Clementino para transferência do detento de solitária para sanatório mais próximo e mais rápido o possível. Detento com tendências suicidas. Segue anexado em documento informações e registros.
Nome: Fernando Rael Nunes
Idade: 23
Nível do Distúrbio: Grave
Registro digitado a partir do relato gravado em áudio da parte do paciente, para...
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