Lembro-me bem quando descobri o medo.
Quando tinha dez anos, minha tarefa doméstica era cuidar da minha avó enferma, Martha Scoville. Nos últimos anos de sua vida, ela não podia andar, então era eu quem levava sua comida, ervas e remédios. Embora eu amasse a minha avó, eu odiava cuidar dela.
Eu odiava por uma razão: todos os seus remédios e ervas ficavam no porão. Minha avó, que não podia andar, sempre me mandava ao porão buscar alguma coisa que aliviasse a sua dor – um pouco de vinho, um cataplasma para sua dor de cabeça.
Coagido pelas suas ordens, eu abria a porta do porão e olhava para a escuridão abaixo. Não importava a hora do dia, não importava quão brilhante estivesse o sol, o porão era sempre o lugar mais escuro do mundo. Um sólido paredão de noite vinha me cumprimentar e as escadas precárias daquele lugar me levavam para as profundezas da terra. Para o nada.
Na tela negra, minha mente pintava as mais horríveis imagens; coisas que observavam debaixo das escadas, esperando para agarrar os meus tornozelos; criaturas que arrastavam-se pelo teto; terrores que respiravam, provocando a mais leve brisa na minha nuca.
É claro que eu disse tudo isso a minha avó. Ela sorriu daquele jeito que só os avós fazem. Ela se aproximava de mim, na cama, e dizia “Me dê um beijo querido. Me dê um beijo”, como se aquele ato transiente e frágil pudesse curar os meus medos mais profundos.
Então, um dia minha avó morreu. Ela foi enterrada no jazigo da família, vestida em uma mortalha. Eu vi seu caixão descer. Eu chorei, porque mesmo odiando cuidar dela, eu a amava verdadeiramente.
Naquele dia eu abri a porta do porão pela última vez – para dizer adeus a escuridão, ao puro medo que embrulhava o meu estômago toda vez que eu abria aquela porta amaldiçoada.
Naquela vez eu não vi uma parede de escuridão. Eu não vi uma escuridão profunda. Eu vi uma mulher velha na base das escadas. Seus braços estavam abaixados. Ela olhava diretamente para mim, sem piscar. Ela ergueu os braços em minha direção e sua boca transformou-se num sorriso vazio. Quando ela falou, cascalho e areia caíram de sua boca.
“Me dê um beijo querido. Me dê um beijo.”
Era a minha avó. Minha avó estava andando. Ela estava andando lá em baixo, na escuridão.
Eu então senti o medo verdadeiro. O medo verdadeiro não é uma criatura imaginária observando de algum lugar na escuridão. O medo verdadeiro era aqui e agora. O medo verdadeiro está exatamente na sua frente.
FONTE:RPG & Fantasia