tag:blogger.com,1999:blog-8921226199127124862024-03-14T09:53:13.086-03:00Creepypasta DarkLunahttp://www.blogger.com/profile/06173314473291568116noreply@blogger.comBlogger1016125tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-23590447302450402292022-01-07T01:52:00.001-03:002022-01-07T01:52:18.070-03:00Quem Está Aí?<p><span style="font-family: courier;"> The occult arises from the Depths...</span></p>Rafael Winchesterhttp://www.blogger.com/profile/01706389301898118285noreply@blogger.com11tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-86304765924177389732017-05-03T09:04:00.003-03:002017-05-03T09:04:51.563-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Tradutor</span></h2>
<div class="post-header" style="line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-3464597938608998134" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Quando a proprietária do apartamento me disse, muito a contragosto, que o inquilino anterior havia morrido ali, na hora me ocorreu "O Inquilino", meu filme preferido do Polanski, apesar de não ter sido o caso. O inquilino anterior não tentara o suicídio. Foi encontrado morto depois de um mês quando o mau cheiro começou a impregnar o andar. Causa da morte: infarto fulminante. Segundo consta era solitário e anti-social. Como eu. Ela havia ocultado o fato dos pretendentes anteriores, mas não contara com a tagarelice dos vizinhos, o que resultou em sérias dores de cabeça. Desde então resolveu abrir o jogo logo de cara, rezando intimamente para encontrar um inquilino não supersticioso. Demorou, mas apareci.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Sou tradutor. Porque gosto e, principalmente, porque preciso. Nunca soube lidar com as pessoas e, para falar a verdade, nunca gostei. Durante a infância achavam que eu fosse autista. Houve uma época em que eu também achei. Parece desnecessário dizer como foram a adolescência e a vida universitária de alguém assim. Minha primeira opção de vida profissional foi processamento de dados. Era o início dos anos noventa e o tempo todo se falava na era da informática. Parecia interessante e eu não tinha nada contra os computadores. Mas aí descobri que também não sabia(e nem gostava) de lidar com máquinas. Mas gostava de livros. Adorava, desde criança. Então, rumei para a faculdade de Letras. Posso dizer que me dei bem. Nunca ganhei uma fábula de dinheiro mas, para alguém com minha personalidade e meu estilo de vida, até que tem dado para o gasto. Atualmente trabalho para três editoras.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Quando minha mãe morreu decidi vender o apartamento que ela comprou com tanto sacrifício e alugar outro bem longe dali. Quando chegamos àquele apartamento parecia o início de uma nova vida, mas um ano depois eu já queria me mudar. Resolvi alugar porque não teria para quem deixar após minha morte. Queria algo pequeno(nunca gostei de grandes ambientes). Então, encontrei este apartamento de cinqüenta metros quadrados, dois dormitórios e um passado sombrio. A proprietária tentou relatar o ocorrido apenas como uma fatalidade, algo natural que pode acontecer em qualquer lugar e, ainda mais, com um senhor com mais de cinqüenta anos. Mas era perceptível o temor de que o histórico de seu tão bem cuidado imóvel afastasse mais um interessado. Quase me beijou quando disse que alugaria.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Adoro cinema. Em especial o cinema de terror. Gosto de todos os gêneros, mas tenho uma ligação especial com o cinema do medo. As melhores lembranças que tenho de minha infância e minha adolescência são de estar em frente à tv à noite, geralmente sozinho, morrendo de medo, assistindo àqueles maravilhosos filmes de terror produzidos nos anos 60 e 70. "O Túmulo do Vampiro", "A Invasão das Rãs", "A Volta do Lobisomem", "O Monstro sem Alma", "A Casa Mal Assombrada", "O Expresso do Horror", "A Casa dos Sete Mortos", "O Fogo Diabólico", "A Casa da Noite Eterna", entre outras preciosidades. É doloroso pensar que a tv aberta, um dia, já foi de qualidade. Lembro, com intensa saudade, de estar encolhido no sofá, com a luz acesa, sobressaltando com qualquer ruído e de, após o filme, todo encolhido na cama, cabeça coberta, luz acesa, rezar para cair no sono ou para que amanhecesse logo. Conforme fui crescendo, este medo foi sendo substituído pelo medo de coisas reais, concretas, em parte devido ao meu jeito de ser. Nunca mais havia sentido medo de ruídos, sombras, escuro, de estar sozinho. Até ir morar naquele apartamento.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Começou com meu rádio gravador. Desde o final dos anos 80 tenho o hábito de ouvir rádio de madrugada. Geralmente da meia-noite às três da manhã. Flashbacks. Musicalmente parei nos anos 80. Tenho várias fitas cassetes com músicas que vão até aquele período. Certa madrugada ele simplesmente parou de funcionar. Achei que fosse falta de energia. Não era. Não estranhei, uma vez que ele era bem antigo. Levei para consertar. Lá, na frente do técnico, funcionou perfeitamente bem. Voltamos para casa. Não funcionava. Levei novamente ao técnico. Funcionou divinamente. Pedi a ele para dar uma olhada.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Em seguida foi o vídeo-cassete. Caramba, logo o vídeo. O aparelho de dvd eu nem me importaria. Ele recusou-se a reproduzir uma de minhas fitas e também a devolvê-la. Àquela altura ninguém mais consertava vídeos-cassetes. Tive de sacrificá-lo para recuperar a fita. Ele tinha doze anos. Meu último vídeo-cassete.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Aí então, foi a televisão. Eu havia encontrado um dvd duplo de "Era Uma Vez no Oeste". A televisão não quis nem saber. Recusou-se a funcionar. Ela também era bem antiga e achei que talvez não valesse a pena consertá-la. Deixei-a perto da lixeira do condomínio. Um funcionário me perguntou se podia levá-la. Eu disse que não estava funcionando, que ela já tinha uma certa idade, mas ele a quis mesmo assim. Dias depois eu voltava com meu rádio gravador(O técnico não havia encontrado defeito algum) e encontrei o funcionário que disse que a televisão estava ótima, que não houve necessidade de conserto. O rádio gravador permaneceu em seu silêncio. Seria algum problema de fiação? Informei o caso à proprietária, que enviou um eletricista. Não havia problemas com a fiação. Como eu estava com um certo acúmulo de trabalho(bons tempos) decidi dedicar-me totalmente a ele e deixar para resolver minha carência nostálgica depois.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Como já disse, o apartamento possuía dois dormitórios. Transformei um deles em meu ambiente de trabalho. Possuo dois pen drives(que saudade dos disquetes e saudade maior ainda de quando não havia nada disso). Em um, guardo cópias de meus trabalhos, em outro, lembranças(fotos, pôsteres, artigos que encontro na internet). Os dois ficavam em um compartimento da estante no quarto de trabalho. Certo dia, chegando do supermercado, indo em direção à cozinha, olhei de relance para o meu quarto e algo no chão, no meio do dormitório, chamou a minha atenção. Eram os pen drives, um sobre o outro. Fiquei em pé no meio do quarto segurando os dois e tentando imaginar como eles foram parar ali. Eu havia feito uma faxina no apartamento três dias antes, lembrava-me de tirar o pó da estante, de pegar os pen drives. Talvez os tivesse deixado cair sem perceber e...não, não fazia sentido. Um em cima do outro? Como vieram parar no meu quarto? E como só fui percebê-los ali três dias depois? Nem eu era tão distraído assim. Levei-os até a estante, torcendo para que os meu pen drives estivessem ali e que aqueles em minha mão fossem outros que eu tivesse esquecido que possuía(muito forçado, eu sei). Como eu temia, só havia dois pen drives naquele apartamento. Ao longo de minha existência houve momentos em que duvidei de minha sanidade(deve ser comum em pessoas como eu), mas aquele era o primeiro em que não havia a mais remota possibilidade de uma explicação racional.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Então, vieram as sombras. Pareciam ratos correndo pelo apartamento. Tenho pavor de ratos. Sempre tive, desde a infância. No dia em que me mudei para o meu(da minha mãe, na verdade) primeiro apartamento deixei este medo para trás. Há alguns anos assisti a uma reportagem sobre ratos de telhado. Monstros enormes. Não me assustei muito, já que eles eram comuns em casas e sobrados. Eu então morava no vigésimo andar. A rapidez com que as sombras se moviam fizeram-me cogitar a hipótese de ataques a edifícios também. Eu os localizava com o canto do olho e quando, assustado, voltava-me para sua direção, disparavam em fuga. Em minhas traumáticas experiências com ratos eles nunca fugiram de mim. A muito custo, abordei o zelador e perguntei se havia problemas com ratos no condomínio. Não havia. Até que uma noite avistei uma delas no teto da cozinha(?). Era uma sombra, e correu assim que olhei para ela. No entanto deu para ver que era uma sombra. Naquele instante lembrei-me(muito oportunamente) que há anos eu não voltava ao oculista.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Os barulhos noturnos. Sempre no meu quarto. Primeiro parecia que alguma coisa(um rato?) andava pelo quarto. Não foram poucas as vezes em que me levantei assustado, acendi as luzes e olhei pelos quatro cantos do cômodo procurando(e temendo encontrar) algo que justificasse aquilo. Depois veio o leve ruído de algo se rachando. Eu levantava e olhava todo o piso. Nada. Acontecia apenas no escuro. Então, passei a trabalhar até bem tarde e só parava quando estava caindo(literalmente) de sono. Passei também a dormir no sofá da sala. Estava ficando muito difícil morar naquele apartamento.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Enquanto morava com minha mãe eu passava boa parte do tempo trancado no quarto, fosse trabalhando ou qualquer outra coisa. Mesmo morando sozinho preservei o hábito. Certo dia eu estava trabalhando quando ouvi nitidamente a porta da sala se abrindo e alguém entrando no apartamento. Gelei. Era um roubo. Ouvi claramente esta pessoa andando pela sala. Passei os olhos pelo cômodo procurando algo que pudesse servir como arma e constatei que só poderia ameaçá-la com dicionários. Tomei coragem(o fato de ainda ser dia contribuiu muito para isso) e saí do quarto. Ninguém na sala e nem em outro cômodo. A porta da sala estava fechada. Estava trancada e a chave na mesinha de centro.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">As lembranças. Não consigo lembrar com exatidão quando começaram. De repente, os momentos mais dolorosos da minha vida(erros graves, humilhações, pessoas que eu machuquei e não mereciam, momentos de covardia) começaram a dominar minha mente. Começavam quando eu acordava(às vezes antes, durante os sonhos) e me acompanhavam o dia todo. Eu não conseguia pensar em mais nada, não conseguia trabalhar. Só melhorava quando eu saía. Passei a freqüentar lugares movimentados e a passar horas lá. Eu, que passara a vida fugindo das pessoas, então procurava o seu convívio. Ficava horas fora. Tinha medo de voltar para o apartamento. Cheguei a tentar trabalhar em lan houses. Tentei me adaptar aos pensamentos(em especial às minhas culpas) e seguir adiante.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Aí então, o golpe de misericórdia. Ela. Passar grande parte de minha existência fugindo do convívio social não impediu que eu me apaixonasse. Amei, sim. Ainda amo. É claro que não houve nada, apenas na minha cabeça. Não por culpa dela, quero deixar bem claro. Ela nunca soube. Apesar de sua lembrança me machucar há anos, ela também é a mais doce e terna que possuo. Mas não foi este lado meigo que passou a me acompanhar todas as horas do dia. A saudade que há anos eu sentia fora ampliada de forma devastadora. Chegava a doer. Junto à saudade vinham lembretes de porque não havia dado certo e porque jamais poderia ser. Passei a chorar o tempo todo. Mesmo fora do apartamento eu sentia uma pontada de dor. Aí, ficar perto das pessoas voltava a me fazer sofrer. Ver casais, pessoas felizes, aumentava ainda mais meu sofrimento e então eu voltava para o apartamento, onde eu podia pelo menos chorar à vontade. Certa noite, encolhido na cama(só horas mais tarde percebi que havia voltado para o quarto), enrolado no cobertor, eu chorava a cântaros, como se eu nunca tivesse chorado em toda a minha vida. Chorava de saudade, por ser daquele jeito, por ter nascido. Estava tão absorto em meu sofrimento que custei a perceber que alguém segurava minha mão e levei um pouco mais de tempo para me lembrar de que aquilo era impossível. Petrifiquei. Eu sentia aquela mão forte segurando a minha direita. Não tive coragem de abrir os olhos. Levantei de um salto e fui tateando até a sala. Abri os olhos rapidamente para pegar a chave na mesinha, abri a porta e saí desesperado. Não parei para chamar o elevador e disparei pelas escadas. Saí correndo do edifício até uma pracinha que ficava em frente. Olhei para as janelas dos quartos do apartamento no vigésimo andar. Nada. O que realmente eu esperava ver, não sei. Sentei em um banco. Estava frio e eu vestia um shorts e uma camiseta. Não havia mais ninguém ali. Aquela região estava ficando conhecida por sua alta incidência de assaltos e estupros. Passei a noite ali, sem sair do lugar. Sem tirar os olhos das janelas do apartamento.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Passei o dia seguinte à procura de um novo lugar para morar. Encontrei uma kitchnette a um preço abusivo, mas eu não tinha escolha. Não passaria nem mais uma noite naquele apartamento. A rescisão de contrato de aluguel foi uma facada e tanto. Apesar dos atrasos em meus trabalhos, não cheguei a ter nenhum grande problema, uma vez que eu não traduzia Best Sellers. Meu rádio gravador voltou a funcionar e comprei uma tv LCD, já que as tvs com as quais eu sempre convivi praticamente não existem mais. Mas, a solidão hoje já não é mais a mesma. Não me sinto mais tão a vontade e seguro como durante toda a minha vida. À noite a luz fica acesa o tempo todo, mesmo quando assisto à televisão. Não vejo mais filmes de terror. Qualquer ruído me deixa em estado de alerta. Voltei a dormir com a luz acesa, todo encolhido, com a cabeça coberta, rezando para cair no sono ou para que amanheça logo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fonte: </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/10/o-tradutor.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-14889825921159743082017-04-23T11:24:00.002-03:002017-04-23T11:24:44.794-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">Os Vivos e os Mortos</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-205657906956913625" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Estava atrasado!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Quando cheguei ao velório, o primeiro fato que me chamou a atenção dizia respeito a presença de Helena, sentada e prostrada ao abandono no canto mais discreto da capela. Levei algum tempo até perceber que ela encontrava-se alheia ao que ocorria ao seu redor. A falta de percepção para aceitar o óbvio se constituía em uma das duas perspectivas sempre presentes naquelas ocasiões especialmente fúnebres: havia os que encontravam-se mortos, e sabiam disso, mas recusavam a partida derradeira por pendências pessoais mal resolvidas. Havia os que estando mortos, não se davam conta desta condição.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Helena, infelizmente, encontrava-se na segunda perspectiva: ela não sabia que estava morta!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /><span style="font-family: "arial" , "tahoma" , "helvetica" , "freesans" , sans-serif;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></span></span>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">No velório havia dois caixões: o dela e do marido. O acidente de carro que vitimara os dois acontecera bem próximo da casa deles naquela noite chuvosa. Ninguém soube exatamente como aconteceu a tragédia, mas por conta de um celular ligado dentro do veículo dizia-se, a boca pequena, que Vanderlei, o marido, estava transtornado com ela. Descobrira que Helena o estava traindo há bastante tempo. O casal discutiu muito. Trocaram xingamentos e acusações, que resvalaram inevitavelmente para a agressão física. Ele perdeu o volante na tentativa de aplicar uns bons sopapos nela. E deu no que deu: o carro saiu da estrada e acabou se chocando com um enorme muro de pedras maciças que ficava a um quarteirão dali.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">De minha parte, acreditava piamente na hipótese da discussão no carro porque Vanderlei, o marido de Helena, era meu primo. Já o conhecia há muito para saber que ele tinha um temperamento instável. Tratava-se de uma pessoa violenta e arredia. Não entendia como Helena, uma mulher tão distinta, tão educada, fora contrair matrimônio com um troglodita daqueles. Custava-me crer que fosse apenas o dinheiro.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Minha família encontrava-se naquele pequeno santuário para o último adeus ao casal. Minhas tias, primos, sobrinhos, meus pais e todos os amigos de Vanderlei rodeavam os caixões. E Helena, a pobrezinha, sentada no canto da capela ainda não havia se dado conta por que ninguém, até então, viera-lhe oferecer as condolências. Talvez achasse que apenas Vanderlei tivesse morrido, ela não.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">O dom de ver e falar com os mortos já se manifestava em mim desde pequeno. No início foi muito difícil lidar com a situação. Passei por dificuldades psicológicas extremamente estressantes que, creiam-me, quase me levaram à loucura. Não tive uma infância decente. Nem eu mesmo, às vezes, consigo acreditar como superei tudo sozinho. Mal saído da adolescência já havia perdido as contas do número de defuntos encontrados vagando nas ruas sem saber que tinham morrido. Adquiri o hábito de ajudá-los a realizar, como gostava de dizer, o “passamento derradeiro”. Confortava-me saber que, ao menos, esta qualidade inata tinha lá a sua serventia.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">E, naquele momento, precisava ajudar Helena, a mulher com quem vivi uma relação amorosa intensa. Um relacionamento secreto que, descoberto, causara-lhe o infortúnio de morrer tão jovem. Um desperdício.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Apesar de morta, e não sabê-lo, a criatura continuava linda. Fui até ela decidido a não deixá-la mais acorrentada ao limbo incerto dos que ficam entre os vivos. Cheguei de manso e de fala baixa.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Helena, minha querida.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Oh, Alberto – disse ela levantando-se da cadeira assustada – o que está acontecendo? Ninguém quer falar comigo. Eles estão me ignorando. Não respeitam a minha dor! O que está acontecendo?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Você já foi ver o Vanderlei?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Claro que não! Eu... bem... não tenho coragem de olhar. Alberto, ele descobriu tudo sobre nós. Tudo! – Ela disse baixinho, como se alguém na igrejinha lhe pudesse ouvir.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Helena, minha querida. – Disse-lhe sem me aproximar apontando o queixo para os caixões. - Você precisa ser forte e ir até lá.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Oh, Alberto, eu não tenho coragem de olhar.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Amor – falei no tom mais suave que me foi possível – você ainda não percebeu que há dois caixões sendo velados aqui na capela?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ela olhou na direção do amontoado de pessoas em torno dos caixões, levantou as sobrancelhas levemente em tom de curiosidade, e voltou-se novamente para mim.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Pode ser qualquer um – deu de ombros – afinal esta capela é para isso mesmo: velar os mortos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ia ser mais difícil do que eu pensei. Pobre Helena.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Querida, observe que todos os membros da nossa família estão ao redor dos “dois” caixões! – Disse enfaticamente.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ela se voltou, novamente, na direção do amontoado de parentes aflitos. Os olhos se inflaram de surpresa. As linhas da testa se contraíram rapidamente. O interesse tornou-se evidente. Deus três passos à frente ficando ao meu lado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Alberto, quem morreu, além do Vanderlei? – ela perguntou sem rodeios.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Helena, meu amor.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Quem?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Não tive outra opção.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Você.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ela se virou e me encarou buscando a verdade nos meus olhos. Não os desviei um centímetro sequer para não lhe oferecer falsas esperanças. No fundo, no fundo, talvez já soubesse. Sei lá. Não tive coragem de dizer mais nada. A conversa foi rápida. A conversa foi seca. Não esperava que fosse assim. Ela tomou a decisão. Passou por mim, na verdade, sua áurea perfeita me transpassou e seguiu na direção dos caixões. A única coisa que pude dizer enquanto ela ia para o seu destino foi “adeus”. Eu sabia o que ia acontecer. Já presenciara o fenômeno centenas de vezes. Quando Helena visse o seu próprio corpo dentro do esquife envernizado, aí sim, o “passamento derradeiro” fecharia o ciclo de vez e a sua presença seria levada à eternidade.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Helena, ao chegar diante de seu próprio caixão, levou as duas mãos à boca. Não gritou. Não fez escândalo. Virou-se, de súbito, para mim. Pude ver, pela última vez, o seu rosto assustado, irradiando aquele brilho intenso que, eu sabia, iria tomar-lhe o corpo todo. Ela flutuou por alguns centímetros. Foi a cena mais bela que já vi. Parecia um anjo sem asas! Como era de costume, aos que iniciam a passagem final, olhou para as próprias mãos. Eu nunca soube bem a razão, mas era a partir das mãos que o processo começava. E foi a partir das mãos de Helena que o brilho lhe tomou conta, ofuscando tudo ao seu redor, como uma janela em quarto escuro que se abre para os raios do sol a pino. Não se podia mais divisar o seu belo corpo. A luz se intensificou no seu máximo e sumiu abruptamente levando-a para sempre. Simples assim.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Adeus, meu amor – disse não conseguindo deter uma lágrima que me escorreu pelo rosto.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Estava exausto. Então, sentei-me na cadeira.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Deixe-me ficar, naquele assento duro, a ruminar pensamentos de quando nos amávamos intensamente. Um riso fraco me escapou dos lábios ao lembrar-me dela. As raras oportunidades que tínhamos, investíamos sempre em um amor urgente. Um querer apressado. Tínhamos fome um do outro. Nunca a esquecerei. Helena. Nunca! Você sempre será...</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Alberto, seu desgraçado, traidor. Vou matá-lo com as minhas próprias mãos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Pulei da cadeira feito uma mola. Havia esquecido completamente do Vanderlei! De fato, não o vira perambulando por ali. Outra pobre criatura que, decerto, desconhecia sua condição de falecimento. Não sei qual a razão, mas algo me dizia que Vanderlei sabia, sim, que estava morto, porém recusava-se a ir embora. Tinha uma pendência ainda por resolver e tal pendência era comigo! Os mortos que exigem vingança são os mais complicados de realizar a passagem derradeira. Podem ficar anos vagando dentro das casas, fazendo barulho, arrastando objetos, atrasando as vidas dos que considera culpados de sua desgraça. São muito mais difíceis de convencer a seguir o seu destino.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Fiquei de pé num piscar de olhos, resignado, em enfrentar a vergonha de ser escorraçado por um defunto, porque fisicamente, ele nada podia fazer contra mim.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Tudo aconteceu muito rápido. Vanderlei entrara atabalhoadamente dentro da capela. Ele estava com o braço esquerdo inteiramente enfaixado com gases. O rosto, bem machucado, trazia os minúsculos cortes dos vidros estilhaçados do para-brisa e mancava exageradamente em uma das pernas. Preparei-me para o confronto.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">No entanto, ele não veio em minha direção!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Vanderlei partiu como uma fera acuada direto para os caixões, empurrando as pessoas que lhe queriam confortar a dor de sua perda e, usando o ombro ileso, num ímpeto de fúria, empurrou os dois ataúdes fúnebres com toda a força que lhe permitia o seu estado debilitado. Os dois esquifes caíram de lado e espatifaram-se no piso de mármore. Deu-se um barulho estrondoso de madeira rachando que vibrou até os candelabros de velas dependurados no teto da capela. Meus tios horrorizados caíram-lhe em cima para dominá-lo. Minhas tias gritavam e choravam histericamente. Mamãe, coitada, desmaiou caindo por cima de toda aquela bagunça. Um verdadeiro escândalo. Num dos caixões notei o cabelo de Helena aparecer na sua lateral, no outro, o impacto da queda havia expelido o seu conteúdo para fora: Aí, eu vi o outro morto estatelado no chão!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Pasmem, era eu.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Sim, era eu mesmo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Morto! Eu estava morto!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">A imagem do meu corpo me atingiu em cheio. Estremeci dos pés à cabeça. Pisquei diversas vezes, não porque quisesse enxergar melhor, mas porque fora acometido, de súbito, por um fluxo intenso de lembranças. Flashes de imagens entrecortavam-se me trazendo à memória as últimas oito horas de esquecimento. Algo como um filme passou em frente de mim em rotação acelerada. Helena chorando ao telefone. Helena me dizendo que Vanderlei descobrira toda a verdade. Helena dizendo que ele ia matá-la. Eu saindo de casa, bem apavorado, armado de revólver, em meio à noite chuvosa. Eu correndo pela rua em direção à casa deles. O carro deles aparecendo na curva em desabalada carreira. O carro deles vindo em minha direção. O rosto de Vanderlei retorcido de ódio atrás do para-brisa. Helena tentando tomar o volante do lunático. Levantei a arma e atirei. Acertei na cabeça dela, sem querer! Os faróis do carro me engolindo foi a última coisa que vi no mundo terreno.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">O fim!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Os desgraçados eram amantes! Eles eram amantes! Eles eram...</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">Os gritos de Vanderlei, aos poucos, iam ficando cada vez mais distantes. Estranhamente a paz me invadiu. Senti uma leveza em mim que nunca havia sentido antes. Olhei para as minhas mãos porque eram através delas que se iniciava o “passamento derradeiro”.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;">E elas começaram a brilhar!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Fonte:</span><span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/10/os-vivos-e-os-mortos.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-28146746587492393672017-04-19T18:36:00.003-03:002017-04-19T18:36:53.152-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">Prerrogativas</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-1549926585461128279" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ela jogou os cabelos para trás uma, duas, três vezes, no ritmo dos próprios gemidos. Atrás, o homem bufava, ia e vinha, eufórico. Ela fazia o que ele queria. Fazia tudo o que eles queriam. De frente, de lado, de costas, sobre o chão de folhas secas, acuada contra as árvores ou imersa no lamaçal. Em silêncio ou aos berros. Era sua prerrogativa.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Abordava-os no meio da estrada que atravessava o bosque. Nua, a pele de cera reluzindo ao luar, os cabelos de fogo fazendo espirais sobre seus seios, derramando-se em cascata nos quadris, lambendo-lhe mesmo os calcanhares. Uma visão. Uma Vênus. Braços estendidos. Venha. Faça de mim o que quiser.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Preferia os solitários, a quem a privacidade da mata roubava qualquer pudor. Os casados vacilavam, pensando na confiança das esposas. Aqueles que vinham em grupos eram ora tímidos, ora vorazes – isso dependia do que pretendiam provar uns aos outros. Mas todos, sem exceção, atiravam-se ao seu regaço. Por que fariam outra coisa? Experimentavam seus orifícios, faziam-se homens, copulavam por horas. Ela gostava sobretudo dos que pediam. Tinham mentes e línguas sujas. Tornavam seu labor mais fácil, ágil, prazeroso.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O homem dessa noite era vigoroso e indecente: ideal. Nada demorou, jogou-a na relva e possuiu-a ferozmente. As unhas muito longas da mulher rasgavam suas costas dos ombros aos quadris, deixando as marcas rubras do pecado. Mas ele terminou rápido demais e enterrou o rosto em seus seios, ofegante. Ergueu-se, refeito.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ela sorriu. Palavras não eram necessárias. Estendeu uma vez mais os braços para ele, não para recebê-lo, mas para alcançar-lhe o pescoço, no qual fechou as mãos em garra. Apertou-o com uma força nunca vista em outras mulheres. Era sua prerrogativa também. Sua paga. Seu prazer após o prazer. Perfurou a carne com as unhas; sufocou-o e fê-lo sangrar. O corpo do homem estremeceu. Por fim, parou de mover-se para sempre.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Duas mãos apertaram o ventre do defunto, fazendo nele um rasgo, com num trapo que se parte em dois. Dedos habilidosos tatearam as entranhas ainda quentes, cavoucando. Retiraram de lá um órgão ovalado, do tamanho de um punho, e o embrulharam depressa na camisa do homem. As mãos penetraram mais fundo na carne morta, rasgando o caminho e fazendo espirrar o sangue, até alcançar um órgão maior, macio, que foi juntar-se ao outro na trouxa sangrenta. Então, o último, que encontrou bem protegido sob as costelas. Era maior do que esperava.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Um coração premiado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Saciou-se rápido no que restava do sangue do homem. Tinha pressa e nada podia ser desperdiçado. Correu pelo bosque aos saltos, como a fera que já conhece todos os caminhos, atalhos, armadilhas. Logo chegou à caverna.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Três pares de olhos brilharam lá no fundo. Três rostos se adiantaram ao ver a mulher chegar. Rostos ainda infantis, pálidos como o dela, como se filhos da Lua. Lábios miúdos se arreganharam em sorrisos felizes, exibindo fileiras de dentes pontiagudos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A mulher acariciou a cabeça do seu primogênito enquanto ele avançava para o banquete sanguinolento. Escolheu o fígado. Estava ficando forte; em poucos anos, seria um varão e ajudaria a mãe a caçar para os dois irmãos menores, que grunhiam de prazer, mordiscando e lambendo um baço e um coração. Também caçaria para a pequena fera que nesse instante se formava no ventre da mãe, filha do pai que, sem saber, os alimentava agora.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">As bocas dos meninos estavam vermelhas; sua sede e sua fome, saciadas. Essa era sua prerrogativa.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fonte: </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/12/prerrogativas.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-84074247416291256102017-04-13T15:36:00.000-03:002017-04-13T15:36:01.719-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">Quando Os Anjos Não Querem Voar</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-354916815521207098" itemprop="description articleBody" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando desliguei o telefone, a minha vontade era apenas de chorar. Chorar como se minhas lágrimas pudessem lavar minha alma, meus pecados, minha tristeza. Chorar como se o próprio Deus tivesse me pedido para afogar de novo o mundo sob um dilúvio, desta vez proveniente de minhas lágrimas.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quem estava do outro lado da linha era meu pai. Ele é zelador em um colégio de ricaços aqui em São Paulo. Graças a isso, eu e meu irmão tivemos educação de primeira classe quase que a custo zero. Ele havia ligado porque haviam problemas na escola, onde continuava trabalhando, mesmo depois de aposentado.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O problema todo tinha a ver com pessoas que eu conhecia. Dona Lucinda havia sido minha professora de educação artística. Foi uma das professoras que mais me influenciou pela vida toda, um ser humano fantástico. Só tinha um probleminha: fumava feito uma chaminé. Fora isso, e muito mais importante que isso, era um ser humano maravilhoso.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Fiz aula junto com a filha dela, Luísa. No segundo grau, ela foi uma das grandes paixões não correspondidas da minha vida. Vinda de uma classe muito mais abastada que a minha, acabei caindo no papel de pobrezinho bom para amigo, mas jamais bom o suficiente para namorado. Papel que, aliás, eu vivia interpretando enquanto estudei naquela escola. Fazer o quê? Felizmente, é um tempo que ficou para trás. Luísa, por sua vez, formou-se em Letras e foi dar aulas de Português e Inglês na escola onde sua mãe havia trabalhado e nós havíamos estudado juntos.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Lembro perfeitamente de quando Dona Lucinda morreu. Câncer de pulmão. Óbvio como dois mais dois serem quatro. Lutou muito, lutou até o último minuto. Mas há uma hora em que todos temos de ir.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Numa determinada hora do velório, lembro de ter saído para tomar um ar fresco e visto Luísa caminhando entre os túmulos, absorta em seus pensamentos, com um cigarro na mão. Apesar de odiar cigarro, normalmente não fico enchendo o saco de fumante, a menos que a fumaça esteja me incomodando. Mas, naquele dia, naquela situação, eu não consegui me conter:</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Já não é suficiente esta porcaria ter levado uma pessoa da sua família?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ela me respondeu apenas:</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Fácil criticar. O vício não é seu...</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Pouco tempo depois, Luísa morreu num incêndio, adivinhem só, provocado pelo cigarro que estava em sua mão quando ela adormeceu, bêbada. O divórcio com seu príncipe encantado acabara com os nervos dela. E a única coisa boa que resultou deste casamento foi uma menina linda chamada Maria Helena, para quem nunca consegui olhar sem pensar que ela deveria ter sido minha filha.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">E era este mesmo o motivo da minha enorme vontade de chorar. Meu pai havia dito apenas uma frase ao telefone:</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Euller, a Maria Helena está com problemas. Ela precisa de você.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span><div style="text-align: center;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">xxxx</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Foi fácil encontrá-la. Terminei de subir a escada e virei à direita, na direção das salas de aula. Ela estava no ateliê das aulas de educação artística. Sentada no chão, entre papéis e giz de cera, desenhando. Eu procurei me aproximar com cuidado, não queria que ela se assustasse. Ao meu lado, o professor de educação artística, Professor Mazuka – do qual todos davam risada por ser talvez o único japonês no mundo a se chamar Sebastião. Sebastião Mazuka.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Eu estava apreensivo. Já é complicado quando se trata de adultos, fica pior ainda quando envolve crianças. Especialmente crianças que conhecemos e amamos. Mazuka, por sua vez, não conseguia disfarçar seu nervosismo. Eu entendia perfeitamente. Naquele momento ele era alguém que estava se sentindo fora de seu território, inseguro e se sentindo desafiado. E não podia fazer o que fazia habitualmente, se refugiar na sua autoridade de professor.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Chamei por ela com a maior suavidade que pude colocar em minha voz.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Maria Helena?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ela não virou o rosto em minha direção. Estava ocupada, desenhando. Apenas sorriu. E sorriso de criança é assim: um mais lindo que o outro. Aquilo doeu em meu coração.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - Oi, Euller!</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Eu não sabia o que dizer. Felizmente, ela mesma acabou quebrando o silêncio.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Euller, por que o professor Mazuka nunca deu dez em desenho pra ninguém da minha classe?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Desta vez, eu sorri. Eu sabia a resposta para aquela pergunta. Mas achei que Mazuka precisava participar da conversa também.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Então, professor Mazuka, por que você nunca deu dez para ninguém da sala da Maria Helena?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mazuka estava realmente incomodado. E quase se precipitou.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Ela...</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Fui rápido em interrompê-lo.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Professor Mazuka, não seja indelicado. Apenas responda a pergunta, sim?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Não me preocupei em ser gentil com ele porque já havíamos conversado antes. E ele quase estragara o que havíamos combinado.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Sim, c,c, claro - gaguejou Mazuka - Desculpe... ahn, é que eu percebi que, quando eu dava dez nos desenhos, as crianças acabavam se acomodando depois. E não criavam mais como poderiam criar, entende?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Sorri de novo para ela.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Está explicado?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ela fez que sim, balançando a cabeça. Seus longos cabelos castanhos balançaram de maneira desajeitada.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Euller, você quer desenhar comigo?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Claro, Maria Helena! - Eu não queria que a situação se prolongasse, mas contrariá-la não ia ajudar em nada - O que eu devo desenhar?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- O que você quiser.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Apanhei papel e giz de cera. Mazuka fez menção de falar, mas fiz sinal para que silenciasse. Ele se calou a contragosto. Eu entendia o seu incômodo. Mas eu falaria com ele depois. Havia questões muito mais importantes em jogo no momento.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Sentei-me em uma das carteiras e comecei a desenhar, sem tirar os olhos dela. Mas também procurei caprichar no desenho. Nada ali poderia dar errado.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Maria Helena, o que você acha do meu desenho? - coloquei o papel no chão, ao lado do desenho dela.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ela olhou com um ar bastante crítico. Eu não pude deixar de sorrir, eu conhecia aquele ar de superioridade, como se o desenhista fosse um espécime inferior e que estivesse prestes a ser guardado num frasco ou jogado no lixo. Mazuka fazia isso com todos os alunos. Era muito ruim. Não era à toa que ela tinha tantas divergências com ele. Ele não era mau. Mas era uma pessoa difícil de se lidar, especialmente para uma criança vinda de um lar onde o conto de fadas acabara de falir.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Eu achei seu desenho muito bom, Euller. Eu acho que você merece dez. O professor Mazuka concorda?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Professor Mazuca, Helena acha que meu desenho merece um dez. O que você acha?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ele fez o que sempre fazia. Levantou os óculos, fez aquela expressão desagradável e deu seu veredicto:</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Eu concordo com ela. Você se saiu muito bem. E ela fez uma excelente avaliação.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Cortei Mazuca antes que ele estragasse tudo, pecando agora pelo exagero.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Obrigado, Professor Mazuka. Foi muito gentil de sua parte.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">E, voltando-me mais uma vez para Maria Helena:</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Você não está cansada, querida? Não quer ir descansar?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ela acenou que sim, com a cabeça.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Mas antes quero terminar uma coisa.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Estendendo-se até onde estava meu desenho, ela escreveu algo nele com seu giz de cera. Depois levantou-se e, batendo a poeira do uniforme, ela finalmente virou-se de frente para mim. Pude então ver o outro lado de sua face, destruído pelo fogo.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Foi uma das poucas vezes que fiquei feliz por ter a experiência que tenho nestes assuntos. Apesar da visão da face desfigurada ter mexido comigo, pude disfarçar meu incômodo. Ela não precisava tomar consciência daquilo. Tampouco iria contar aquele detalhe para Mazuka. A cabeça dele já estava a mil com toda aquela situação.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Bom, então eu vou indo, Euller. Estou tão cansada...</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Sim, querida, vá tranquila. Está tudo bem. Pode ir descansar agora. - Queria abraçá-la, beijá-la, dizer que eu queria muito ter sido pai dela e que eu ia sentir muitas, mas muitas saudades mesmo. Mas me limitei a sorrir. Eu não queria que nada lhe prendesse aqui, neste mundo, agora que ela já não pertencia mais a ele.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ela fez um tchauzinho para mim, virou-se e seguiu andando em direção ao fundo da sala. Antes de chegar à parede, ela desapareceu.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span><div style="text-align: center;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">xxxx</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A copa estava vazia, afinal todos os professores tinham iniciado suas aulas naquele momento. Então eu e Mazuka podíamos conversar à vontade, sem precisar nos preocupar com ninguém, pelo menos pelos próximos quarenta e cinco minutos.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Euller, você pode me explicar o que é toda esta confusão onde acabei me metendo?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Embora pareça absurdo, é relativamente simples. - Minha vontade era aproveitar o momento para dar um sermão em Mazuka, porque eu também nunca havia gostado da pose que ele fazia e do modo pedante como tratava os alunos. Mas sabia que ele fazia tudo isso porque era tímido e inseguro. Tratar-lhe com dureza não o ajudaria a aprender nada com aquela situação.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ajeitando meus óculos, continuei minha explicação:</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Maria Helena admirava muito você. Ela sempre foi uma excelente desenhista, você sabe disso. E admirava você, não apenas por sua habilidade em desenho, mas também por ser capaz de ensinar as pessoas a desenhar.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Nunca percebi isso...</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Acabei sentindo pena do pobre coitado. Tinha um talento enorme para desenho, pintura e design, mas era um zero à esquerda quando se tratava de pessoas.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Mas é verdade. Ela me disse isso várias vezes, quando ainda era viva. Então, quando cheguei aqui e meu pai disse que algumas das suas alunas começaram a gritar no meio de sua aula que estavam vendo o fantasma dela, eu logo entendi o que estava acontecendo. Ela queria resolver suas diferenças com você antes de partir. Morrer pode ser uma coisa confusa, ainda mais quando se é criança e se parte de uma forma tão violenta assim, como no incêndio que vitimou Maria Helena</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- O que foi que você viu lá em cima? Ela estava realmente lá?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Percebi onde ele estava querendo chegar:</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Você realmente não está acreditando em nada disso, não é?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ele respirou fundo. E foi sincero:</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Não. Aceitei você aqui porque seu pai, a quem todo mundo admira nesta escola, me disse que você podia ajudar estas pobres meninas histéricas. Mas não achei que você ia acabar me fazendo passar por essa encenação, de ficar falando com o ar, como se fôssemos duas crianças brincando de faz de conta.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Eu entendo. Mas há algo que você deveria ver, antes de chegar a qualquer conclusão.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">E entreguei para ele o desenho que eu havia feito lá no ateliê de artes, quando conversamos com Maria Helena.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando ele olhou para o desenho, pude observar a surpresa em seu rosto. Ele estava estupefato. Afinal, escrito com giz de cera no canto inferior direito da página, estava escrito "Dez! Meus parabéns!" E ele conhecia bem aquela letra, sabia que pertencia a Maria Helena.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Meu Deus, esse seu dom deve ser horrível, né? Ficar falando com os mortos....</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Existem raras vezes em que vale a pena. Esta foi uma delas. Bom, até logo, professor.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Até logo e obrigado, Euller.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Deixei Mazuka na copa e fui até um banheiro que ficava nos fundos da oficina de manutenção, o pequeno império de meu pai dentro daquela escola. Fui lá porque sabia que ali eu não seria incomodado. Tranquei a porta e finalmente me permiti chorar.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Chorei como se minhas lágrimas pudessem lavar minha alma, meus pecados, minha tristeza. Chorei como se o próprio Deus tivesse me pedido para afogar de novo o mundo sob um dilúvio, desta vez proveniente de minhas lágrimas.</span></span></div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-354916815521207098" itemprop="description articleBody" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-354916815521207098" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fonte: </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/09/quando-os-anjos-nao-querem-voar.html</span></span></div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-4210032593177340162017-04-10T20:09:00.003-03:002017-04-10T20:09:19.784-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">Rosa aos Mortos</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-856455650633294385" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<br /></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Nos Longínquos anos de 18..., quando o mundo ainda era um lugar assaz aprazível de se viver, eu, em meus dezenove anos, travava conversa com Mr. Oliver, já em seus avançados noventa. Naquela época, viver tanto assim era uma dádiva, mas não para Mr. Oliver. Seus ataques epilépticos aconteciam com uma frequência cada vez maior: Os espasmos e acessos de tosse eram praticamente intermináveis. Eu, vendo-o definhar e sofrer, nada podia fazer senão visitá-lo sempre que possível, contando notícias sobre o mundo. Ele, com seus olhos fechados, ouvidos apurados, escutava a tudo, concordava vez ou outra e, raras vezes, adicionava algum comentário a nossa conversação. Então, quando, em certa ocasião de longo silêncio meditativo, ele falou-me em tom emocionado e voz límpida, não pude deixar de me surpreender.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Tu és um bom amigo, um ótimo amigo... – falava com ponderação, como se tivesse ensaiando as palavras em sua mente. – Sempre vens aqui quando podes, fala-me do mundo, areja-me o ambiente e até mesmo me acode quando meus ataques se tornam evidentes.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Eu estava já a ponto de falar que aquilo eram besteiras, que qualquer bom amigo faria o mesmo, mas ele cortou-me antes que tivesse a oportunidade.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Ouça-me, depois fales o que quiseres. – Seu tom autoritário me surpreendeu, mas calei-me sumariamente. – Meu tempo neste mundo já não tardará a expirar, isso é claro e evidente a qualquer tapado que tenha dois olhos enfiados na cara. É por isso, meu amigo, que tenho um pedido a lhe fazer, talvez o meu último e mais importante.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Ora, homem, não gaste tuas energias em preâmbulos! – Eu disse logo, ao ver que ele se calara, de olhos fechados. Parecia descansar de tanto falar.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Quero que compres um buquê de rosas brancas, meu amigo, e me leves, da forma como achar melhor, até o túmulo de minha Isabelle.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Das poucas vezes em que Mr. Oliver travou conversa comigo, muito falava sobre Isabelle. Eu sabia que ela era apenas uma menina quando veio a falecer – tinha pouco mais de dezessete ou dezoito anos, não me recordo bem. A tuberculose dera a ela três meses de sofrimento e agonia antes de elevá-la aos céus, e, durante todo o tempo, Mr. Oliver ficou ao lado dela, sendo uma bênção divina não ter contraído a doença infernalmente contagiosa.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Era estranho Mr. Oliver falar sobre Isabelle agora. Das vezes em que falava sobre ela, geralmente, lembrava-se de seus momentos áureos: falava de seu sorriso, de seus olhos claros, de seu cheiro doce e seu bom humor contagiante. Não guardava tempo para falar de seus defeitos ou da causa de sua morte (o que acabo de relatar acima chegou ao meu conhecimento através de muita conversa com vizinhos e conhecidos de Mr. Oliver).</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Para quando queres as flores? – Perguntei, resolvendo de imediato que atenderia ao pedido de meu amigo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Para o quanto antes. – ele disse. – Assim que arranjares o dinheiro e comprá-las, venha até aqui. Ajude-me a tomar um bom banho. Preciso vestir uma roupa limpa e engomada. Não posso visitar minha querida do jeito que estou.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Parecia mais animado! Por um momento, parecia que a velhice existia apenas estampada em suas rugas, não em seu interior. Não sei o motivo, mas se senti momentaneamente mal. Na época, não entendi porque aquilo aconteceu – julguei até mesmo que estivesse sendo mesquinho ao vê-lo tão alegre –, mas o tempo deixou tudo claro como água. Foi uma sensação que durou pouco. Logo, senti-me novamente bem e ele voltou a parecer cansado como sempre fora.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Providenciarei as flores o quanto antes. – eu disse, avançando até ele e segurando-lhe a mão esquerda. – Até lá, continue firme, meu amigo. Tu terás a oportunidade de visitar a senhorita Isabelle por uma última vez.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Obrigado, meu amigo. Obrigado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Logo no dia seguinte, contraí empréstimo de meu irmão – coisa boba e irrelevante, mas que não dispunha no momento – e parti para a floricultura mais próxima. Comprei o buquê mais lindo de rosas brancas que já vi em minha vida e, munido dele, fui até a casa de Mr. Oliver.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Então tu realmente vieste! – ele comemorou, sorrindo com seus dentes amarelados.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Nunca deixaria de cumprir minha palavra a um amigo. – disse. – Gostaste do buquê?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Mais lindo impossível. – ele comentou, arrastando-se na cama e sentando-se. – Vamos, ajude-me a tomar um banho e a trocar estas roupas de doente.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Assim fizemos. Demorei muito tempo dando-lhe um bom banho, esfregando-lhe a pele flácida, tirando-lhe toda a sujeira acumulada durante os dias de cama. Lavei-lhe os cabelos ralos, acinzentados, o rosto cheio de rugas e tudo o mais.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Já de banho tomado, troquei-lhe as roupas. Ele, falando pouco, tinha olhos brilhantes e um sorriso maroto no rosto. Era como se fosse de novo um adolescente, preparando-se para o primeiro encontro com seu futuro grande amor.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Lá estava ele: Mr. Oliver, com sua cartola na cabeça, barba feita, cabelos penteados, roupa limpa e engomada. Parecia um barão pronto a entrar em uma festa de alta sociedade.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Tome. – disse, estendendo-lhe o buquê. Ele o pegou como se fosse um filho. – Agora vamos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Deslizei a cadeira de rodas por toda a cidade – com certa dificuldade, devo admitir, pois o homem, por muito tempo sem praticar nenhum tipo de exercício físico, havia engordado excessivamente –, falando-lhe sobre a cidade e sobre suas mudanças desde a última vez em que ele saíra de casa. Mr. Oliver parecia animado, olhando de um lugar para o outro, reservando sua fala apenas para os comentários mais entusiasmados.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Por fim, chegamos até o cemitério. O grande portão de ferro estava aberto, convidando-nos a entrar naquele clima ao mesmo tempo mórbido e lindo. A grama dali era a mais verde que já vira em minha vida, e o silêncio me dava uma paz que não sabia explicar. Mas, em conflito com essa sensação boa, recorria-me o pensamento de que ali estavam enterradas pessoas, corpos putrefatos que serviam de combustível para aquela grama permanecer daquela cor. Sentia arrepios ao pensar naquilo – imagine só a confusão de sensações, paz e arrepios ao mesmo tempo. Minha nuca se eriçava quando pensava nos mortos. Lembrava-me das histórias de Allan Poe, onde eles apareciam com frequência, suas órbitas sem olhos, seu cheiro nauseabundo, seu hálito quente e sua pele esverdeada.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Onde fica? – perguntei, referindo-me ao jazigo da família da jovem Isabelle.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Por ali. – ele apontou. Mr. Oliver esquecia-se com facilidade das coisas, mas parecia haver guardado lugar especial em sua memória para aquela ocasião. – Um pouco mais a frente. Isso, vire na próxima direita.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Segui suas instruções. Não tardou para que chegássemos ao jazigo. Silenciei naquele momento, dando ao vivo e a morta a intimidade que um casal merece. Ele ficou muito tempo ali, contemplando as palavras de pedra do epitáfio, com lágrimas escorrendo-lhe pelo rosto. </span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Ajude-me a levantar, amigo. – ele disse, estendendo a mão e segurando a minha. – Quero fazer as honras de pé.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Mesmo sabendo que não o aguentaria por muito tempo, concordei. Peguei-o pelo braço e ele, fazendo-me de suporte, apoiou-se em mim. Revelou-se assombrosamente leve, como se estivesse apenas segurando a minha mão.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Logo me senti fraco, da mesma forma que me senti da vez em que o vi sorrindo em seu quarto, mas dessa vez em maior intensidade. Olhei para Mr. Oliver, tentando me desvencilhar de suas mãos, mas elas revelaram-se como garras e não me soltavam de forma alguma. Senti ainda mais fraqueza, e, ao fitá-lo, ele tinha os olhos mais vivos que já vi em minha vida. Suas rugas não existiam mais: a flacidez de sua pele desaparecera.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Sugou minha vida até a última centelha, e depois caí, mortificado, sentindo a grama em meu rosto.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Pude ver que ele se abraçava ao túmulo de Ms. Isabelle, como se estivesse abraçando a própria mulher. Vi – não, meus olhos não poderiam me enganar naquele momento – como se um fio de vida saísse do coração de Mr. Oliver e entrasse no túmulo, atravessando a pedra e a madeira. Logo depois, percebi que ele empurrava a pedra do jazigo dela com aparente facilidade.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Eu disse que conseguiria, meu amor. – ele disse, puxando a mão de Ms. Isabelle do caixão. Apesar de suas roupas surradas e carcomidas pelo tempo, ela tinha a mesma beleza dos seus dezoito anos novamente.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Como você...? – ela perguntou, mas não terminou sua sentença. Viu meu corpo estendido ali, com os olhos abertos e fixos na cena, a pele esverdeada grudada aos ossos, as bochechas encovadas e expressão de puro terror. – A que preço, meu amor! A que preço!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Não te preocupes. – ele disse, pegando-lhe a mão. – Aprimorarei minhas técnicas, minha querida. Ele é um grande amigo, muito maior do que pensas. Voltarei assim que aprender tudo quanto for necessário.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Partilhando de minha vitalidade com Ms. Isabelle, Mr. Oliver parecia ter cerca de quarenta anos. Eu não passava de uma massa centenária de ossos e pele apodrecida. Não foi com dificuldade que ele conseguiu me erguer e colocar-me no caixão. Antes de repor a pedra ao seu lugar, aproximou-se de meu rosto e sussurrou.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> — Não se preocupe, meu amigo. Você será recompensado. Desculpe por não tê-lo explicitado minhas intenções. Senti uma lágrima dele cair em meu rosto antes que o túmulo fosse fechado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Não lhe guardo rancor. Sei que a paixão é muito maior do que o amor fraternal que um amigo nutre pelo outro. De início senti-me traído, mas, como dizem os sábios, o tempo é o senhor da razão. Refleti muito sobre todo o ocorrido e percebi que talvez a minha danação fosse a felicidade de duas grandes pessoas.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Ainda o espero aqui, com meu corpo trancado a esse jazigo, enquanto minha alma vagueia pelo lugar, vendo as mudanças que se operam no mundo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Sei que um dia ele virá! Ele sabe que eu o espero; sei ainda que ele não tem noites tranquilas sem que eu lhe povoe os pesadelos, e esse é o meu conforto. Cedo ou tarde, mesmo que apenas para apaziguar sua consciência, ele virá e me tirará daqui.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Fonte: </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/10/rosa-aos-mortos.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-51545317503321399272017-04-07T08:29:00.003-03:002017-04-07T08:29:42.898-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">Sexo Casual</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-1574501220415588069" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Como de costume, Sandro chegou ao seu local de trabalho no exato momento em que a noite terminava de asfixiar os últimos raios de sol – as luzes artificiais dos postes na rua em frente ao seu prédio substituíam a acolhedora claridade natural que ele tanto adorava.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Lá dentro, o ambiente estava cheio de pessoas silenciosas, cada uma no seu canto, sem a menor preocupação com a vida alheia. Sandro gostava de privacidade no trabalho, por isso considerava uma verdadeira dádiva poder passar a maior parte do seu expediente noturno em uma sala reservada que ficava bem longe da área comum, em que a maioria das pessoas ficava.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O grande salão central nunca ficava vazio, mas mesmo assim Sandro sentia calafrios toda vez que passava por ele, ele não sabia explicar, mas tinha algo a ver com o formato arquitetônico daquela ala do prédio. Tinha um teto muito alto, ou melhor, absurdamente alto. Isso lhe causava uma sensação esquisita de encolhimento, sentia-se pequeno, desprotegido e a mercê daquele prédio.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Aquele local trazia para Sandro sentimentos antagônicos, pois ao mesmo tempo em que o fazia sentir calafrios, também lhe trazia ótimas lembranças. Foi ali que conheceu várias garotas ao longo dos anos, cada uma teve algo especial para lembrar, algumas não passaram de simples flertes, um olhar mais ousado, mas que acabou não dando em nada. Mas outras... Com outras a história tinha sido muito diferente, houve química, houve pele, desejo, tesão, loucura e sexo... Muito sexo...</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"> Nada como o sinal dos tempos - pensava Sandro - se não vivesse numa grande metrópole, com uma quantidade cada vez maior de garotas dispostas a tudo: bebidas, drogas, festas e principalmente sexo sem compromisso; ele tinha certeza que nunca teria a oportunidade de ter se transformado em um verdadeiro Dom Juan. Ainda mais do jeito que era tímido no começo. Era muito travado, não tinha iniciativa. Mas hoje era um novo homem, experiente na arte da sedução. Um notável mestre da arte do sexo casual. Já tinha perdido as contas, mas tranquilamente já tinha transado com mais de cem mulheres somente no seu local de trabalho.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Contudo, havia uma coisa que incomodava Sandro cada vez mais: ele estava cansado de sexo casual. Queria algo mais, queria sentimento, queria carinho, queria se apaixonar...</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Outro problema para Sandro conseguir realmente conhecer alguém, era o pouco tempo de convivência que tinha quando conhecia alguém, via muitas mulheres novas por semana, mas elas iam ao seu setor somente de passagem e continuavam seu caminho e nunca mais cruzavam com ele.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Os dias passaram... Somente na última semana ele havia transado três vezes na calada da noite com garotas que nunca tinha visto, sendo que com uma delas quase foi pego no flagra por um superior intrometido que apareceu na sua sala de supetão. Mas foi só o susto.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Isto só fez Sandro ficar ainda mais angustiado em busca do seu amor, pois imaginava que se fosse pego teria sido demitido, e onde mais teria tantas oportunidades de conhecer pessoas novas com aquela freqüência? Fez uma promessa para si mesmo, o dia que se apaixonasse não deixaria a chance escapar por entre seus dedos: ele iria fugir com a garota, até mesmo seqüestrá-la se fosse necessário.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Foi no meio de uma noite de primavera que ele viu Ana pela primeira vez. E foi como ele sempre sonhou. Fizeram sexo na mesma noite, no ambiente de trabalho, em cima de uma mesa. Mas desta vez foi diferente, pois ele conheceu a sublime sensação do sexo com amor. Ainda no calor da paixão, ele lhe propôs que fosse embora com ele. Ela não respondeu, mas Sandro entendeu que ela havia ficado tão feliz que sequer conseguiu emitir uma palavra. Ele a levou para o conforto do seu lar e tiveram um relacionamento extremamente curto, mas muito feliz, até que ela acabou em um cemitério e ele em um sanatório.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Foram um dos casais mais famosos da época e só se separaram pelo preconceito da sociedade, que nunca aceitou quando a mídia divulgou exaustivamente o caso do jovem médico legista, que após ter transado com mais de cem cadáveres de mulheres no necrotério municipal durante suas autópsias, acabou sequestrando e se apaixonando por uma bela jovem de família tradicional que havia morrido de overdose.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fonte:</span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/08/sexo-casual.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-38267396677030979302017-04-02T10:23:00.002-03:002017-04-02T10:23:24.050-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">Silêncio - Edgar Allan Poe</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-5310170843134328615" itemprop="description articleBody" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<span style="background-color: black; color: #999999;">Escuta - disse o demônio, pousando a mão sobre a minha cabeça. - O país de que te falo é um país lúgubre, na Líbia, às margens do rio Zaire. E ali não há repouso nem silêncio. As águas do rio, amarelas e insalubres, não correm para o mar, mas palpitam sempre sob o olhar ardente do Sol, com um movimento convulsivo. De cada lado do rio, sobre as margens lodosas, estende-se ao longe um deserto sombrio de gigantescos nenúfares, que suspiram na solidão,erguendo para o céu os longos pescoços espectrais e meneando tristemente as cabeças sempiternas. E do meio deles sai um sussurro confuso, semelhante ao murmúrio de uma torrente subterrânea. E os nenúfares, voltados uns para os outros, suspiram na solidão. E o seu império tem por limite uma floresta alta, cerrada, medonha!<br /><br />Lá, -como as vagas em torno das Híbridas, pequenos arbustos agitam-se sem repouso, contudo não há vento no céu! - e as grandes árvores primitiva oscilam continuamente, com um estrépito enorme. E dos seus cumes elevados filtra, gota a gota, um orvalho eterno. A seus pés contorcem-se num sono agitado, flores desconhecidas - venenosas. E por cima das suas cabeças, comum ruge-ruge retumbante, precipitam-se as nuvens negras a caminho do ocidente, até rolarem as cataratas para trás da muralha abrasada do horizonte. E nas margens do rio Zaire há repouso nem silêncio.Era noite e a chuva caía enquanto caía, era água mas quando chegava ao chão era sangue! E eu estava na planície lodosa, por entre os nenúfares, vendo a chuva que caía sobre mim. E os nenúfares voltados uns para os outros suspira na solenidade da sua desolação.<br /><br /><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><br /><br />De repente apareceu a lua através do nevoeiro fúnebre vinha toda carmesim! e o meu olhar caiu sobre um rochedo enorme, sombrio, que se erguia a borda do Zaire, refletindo a claridade da lua; era um rochedo sombrio sinistro de uma altura descomunal! Sobre o seu cume estavam gravadas algumas letras. Caminhei através dos pântanos de nenúfares, até a margem para ler as letras gravadas na pedra; mas não pude decifrá-las. Ia voltar quando a lua brilhou mais viva e mais vermelha; olhando outra vez para o rochedo distingui só caracteres. E esses<br />caracteres diziam: desolação.<br /><br />Levantei os olhos; na crista do rochedo estava um homem de figura majestosa. Pendia-lhe dos ombros a antiga toga romana, cobrindo-se até aos pés. Os contornos da sua pessoa não se distinguiam, mas as feições eram as da divindade porque brilhavam através da escuridão da noite a do nevoeiro. Tinha a fronte alta e pensativa, os olhos profundos e melancólicos Nas rugas do semblante, liam-se as legendas da desgraça e da fadiga o aborrecimento da humanidade e o amor da solidão Escondi-me no meio dos nenúfares para ver o que aquele homem fazia ali. E o homem assentou-se no rochedo, deixou pender a cabeça sobre a mão e espraiou a vista pela soledade, contemplou os arbustos buliçosos e as grandes<br />árvores primitivas; depois, ergueu os olhos para a céu a para a lua carmesim. Eu observava as ações do homem escondido no meio dos nenúfares e o homem tremia na solidão.<br /><br />Todavia a noite avançava e ele continuava assentado sobre o rochedo. Então o homem desviou os olhos do céu para o rio lúgubre para as águas amarelas do Zaire, e para as legiões sinistras dos nenúfares; escutou-lhes os suspiros melancólicos e as oscilações murmurantes E eu o espreitava sempre, do meu esconderijo e o homem tremia na solidão. Todavia a noite avançava e ele continuava assentado sobre o rochedo. Embrenhei-me na profundezas longínquas do pântano, caminhei sobre e as flores dos nenúfares e chamei os hipopótamos que habitavam a espessura do bosque E os hipopótamos ouviram o meu chamado e vieram os Behemothes até o pé do rochedo e soltaram um rugido medonho E eu, escondido por entre os nenúfares, espreitava os movimentos do homem e o homem tremia na solidão.<br /><br />Todavia a noite avançava e ele continuava assentado sobre o rochedo. Então invoquei os elementos e uma tempestade horrorosa rosa sobreveio. E o céu tornou-se lívido pela violência da tempestade e a chuva caía em torrente sobre a cabeça do homem e as ondas do rio transbordavam e o rio espumava enfurecido e os nenúfares suspiravam com mais força, e a floresta debatia-se com o vento, e o trovão ribombava e os raios flamejavam, e o rochedo estremecia. Irritei-me e amaldiçoei a tempestade, o rio e os nenúfares, o vento e as floresta, o céu e o trovão E na minha maldição os elementos emudeceram e a lua parou na sua carreira, e o trovão expirou e o raio deixou de faiscar, e asnuvens ficaram imóveis e as águas tornaram n repousar no seu imenso leito, e as árvores cessaram de se agitar, e os nenúfares não suspiraram mais e na floresta não se tornou a ouvir o mínimo murmúrio, nem a sombra de um som no vasto deserto sem limites.<br /><br />Olhei para os caracteres escritos no rochedo e os caracteres diziam agora: Silêncio. Volvi outra vez os olhos para o homem, e o seu rosto estava pálido de terror. De repente, levantou a cabeça, ergueu-se sobre o rochedo e pôs o ouvido à escuta. Mas não se ouviu nem uma voz no deserto ilimitado E os caracteres gravados no rochedo diziam sempre: Silêncio. E o homem estremeceu e fugiu e para tão longe fugiu que jamais o tornei a ver. Ora, os livros dos magos, os melancólicos livros dos magos encerram belos contos, esplêndidas histórias do céu, da terra e do mar poderosos; dos gênios que têm reinado sobre a terra, sobre o mar e sobre o céu sublime. Há muita ciência na palavra das Sibilas. E das florestas sombrias de Dodona saíam outrora oráculos profundos.<br /><br />Mas jamais se ouviu uma história tão espantosa como esta! Foi o demônio que ma contou, assentado ao um lado, na solidão do túmulo. Quando acabou de falar, desatou a rir e como não pudesse rir com ele, amaldiçoou-me. Então o lince, que vive eternamente no túmulo, saiu do seu esconderijo e veio deitar-se<br />aos pés do demônio, olhando-o fixamente nas pupilas.</span></div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-63528897601749764652017-03-28T11:32:00.001-03:002017-03-28T11:32:16.727-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">Você já quis matar alguém?</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-1655332700638457245" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Quem nunca tirou uma vida não pode entender as razões de quem já o fez. Por isso, não tente aplicar a mim as suas noções de justiça, necessidade ou prazer. Vou contar a minha história não para que você me julgue, mas para que a experimente, se for capaz.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Meu pai sempre teve armas em casa. Era colecionador. Eu nunca pusera um dedo em nenhuma, pois sabia que o velho me arrancaria o couro, talvez literalmente. Quando íamos para o sítio da família no interior, ele sempre levava pelo menos uma espingarda de chumbinho. Eu o observava acertar alvos parados, depois móveis, e aquilo podia proporcionar horas de agonia para minha mãe, que ficava mais pálida a cada tiro ouvido a distância. Não é um esporte para pessoas frágeis.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Nosso caseiro era um homem de uns 50 anos, com cara de mais de 60, sem esposa, filhos ou dinheiro, que meu pai empregara por piedade. Mas em pouco tempo os vizinhos do interior começaram a nos telefonar em São Paulo queixando-se de que o homem aprontava nos botecos da cidadezinha, completamente bêbado, arranjando encrenca com os peões. Quando contratamos o pobre viúvo, não sabíamos que era um alcoólatra.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Nas férias de verão, fomos para lá e assim que chegamos demos com a horta nos fundos da casa, de onde mamãe tirava seus temperos e saladas, mastigada por pássaros e insetos. O gramado, amarelo e sem viço, e o pomar, forrado de frutas podres que ninguém havia colhido.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O homem foi despedido. Lembro-me dele naquela manhã, sóbrio, protestando. Papai não cedeu. Era um homem firme. Vi o velho ir embora cabisbaixo e senti uma ponta de estranha satisfação.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Na noite seguinte, minha mãe recolhia roupas do varal quando eu a ouvi gritar. Corri para fora antes de meu pai, mais curioso do que aflito, e vi o antigo caseiro segurando-a pelo braço. Ele não passava de um bêbado gritando bobagens, mas ela tremia de pavor.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Eu tinha sete anos e me lembro de tudo isso e do que veio depois tão bem quanto a gente consegue lembrar de quando tinha essa idade. Comecei a xingá-lo, velho feio e nojento, os piores nomes que um rapazinho de família sabia. Papai saiu da casa. Nas mãos, tinha a espingarda. Nos olhos, ódio.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Minha mãe escapou e me arrastou para dentro, trancando-me no quarto. Me deixa sair, eu pedia, quero ajudar papai. Mas sabia que ele não precisava de nenhuma ajuda. Eu queria ver o que ele ia fazer com o homem. Mamãe, não. Por isso, ficou apenas escorada do lado de fora da minha porta, impedindo que eu saísse ou que olhasse pelo buraco da fechadura.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Da janela, entre as frestas da veneziana, vi meu pai levar o velho em direção ao bosque que ficava perto da casa principal, apontando a arma para sua nuca. Abri a janela em silêncio, saltei na grama e os segui à distância.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Fui arranhado por uma dezena de trepadeiras e samambaiaçus que formavam o que para mim parecia uma verdadeira mata pré-histórica, repleta de sons noturnos e brilhos incertos. Andamos por muito tempo, a noite era quente, eu suava de calor e de excitação. Atravessamos muitos trechos de mata densa até que vi os dois pararem. Eu me escondi atrás de um tronco, temendo que me vissem. Não consegui enxergar mais nada. Ouvi suas vozes baixas, sem entender o que diziam. Então, um tiro, e outro, e mais outros. Depois, silêncio.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Quando finalmente achei seguro deixar meu esconderijo, meu pai estava tapando um buraco com terra e folhas. Não havia mais sinal do nosso antigo caseiro.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele se ergueu e acho que quase gritou quando me viu ali parado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Não se preocupe, papai, eu disse a ele. Não vou contar nunca pra mamãe que você matou o homem ruim.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele não disse nada. Andou até o córrego no meio do bosque, lavou as mãos, enxugou-as nas calças. Quando alguém ameaça sua família, você fica louco, murmurou, creio que tentando convencer a si mesmo. Só então sorriu um sorriso forçado. Vai ser nosso segredo, disse.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Contou a mamãe que tinha dado um dinheiro para o velho ir embora e que se aparecesse lá de novo nós chamaríamos a polícia imediatamente. Isso bastou para ela.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Não falamos mais sobre aquilo e eu não perguntei a ele se tinha remorso de ter matado o velho. Mas muitas vezes me peguei deitado na cama imaginando o que ele havia sentido. Se seria excitante apontar uma arma para outra pessoa. Se seria divertido ouvi-la pedir misericórdia. Se seria prazeroso como nenhuma outra coisa olhá-la nos olhos, ver o terror em seu rosto e, ainda assim, disparar o gatilho.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Quando eu tinha uns doze anos meu pai me achou homem o suficiente pra aprender a usar a espingarda de chumbinhos. Tecnicamente, não é nem mesmo uma arma de fogo, pois não dispara movida a explosão, mas a ar comprimido. É coisa pra matar passarinho mesmo. Um brinquedo. Em meus treinos solitários eu imaginava como teria sido matar alguém com aquilo. Um tiro dado bem de perto num dos olhos funcionaria? Seria suficiente para penetrar no cérebro e arruinar tudo? Quem sabe com o cano colado na têmpora da vítima? Ou dentro da sua boca, o chumbinho rasgando a garganta por dentro, causando hemorragia, asfixia?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Fui experimentar minhas teorias. Havia um cão vira-latas que sempre aparecia pelos arredores, certo de receber restos de comida nos sítios. Encontrei-o sob uma árvore na estrada e mirei no olho. Infelizmente o tiro pegou na orelha, e o animal saiu correndo e ganindo, sem que eu conseguisse acertar um outro tiro num ponto mais vital. Mas no mesmo dia tive a sorte de encontrar outro alvo interessante. Estava bem no meio da estrada, semi-atropelada por alguma roda veloz. O corpo estava esmagado no local onde deviam ficar as entranhas. Era uma cascavel, arisca e belíssima em sua agonia contorcionista. Fiquei longe o suficiente para evitar a última mordida do bicho. Mirei bem na cabeça que se movia. Acertei em cheio! Depois, com meu canivete, cortei fora o chocalho da cobra, meu troféu. Carreguei por muitos anos o chaveiro que meu pai fez para mim com ele.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Logo, porém, a velha espingardinha perdeu a graça e procurei outras distrações. Com o tempo, como era de se esperar, comecei a olhar para as garotas com olhos que já não eram de menino. Aos quinze, tive essa namoradinha completamente doida. Era maior de idade e me mostrou o cigarro, a bebida, as drogas e o sexo, de longe a coisa mais interessante da lista. Seu sexo era bizarro e eu, um parceiro perfeito. Fazíamos teatro na cama, empregando uma dezena de brinquedos menos inocentes do que chicotes de couro. Verdade, ela mandava em mim e suas ordens eram: me chama de puta, me bate, me fode. Um dia, ela se jogou no chão e me pediu pra chutá-la. E eu chutei. Não parei de chutar quando ela pediu. Joguei-me sobre ela e apertei seu pescoço até não agüentar mais suas unhas enormes me arranhando os braços.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ela se levantou ofegando, xingando, juntando as roupas, jurando que ia prestar queixa contra mim na Delegacia da Mulher. Eu disse a ela que a denunciaria antes como corruptora de menores, traficante, prostituta e sei lá mais quantas bobagens que eu era capaz de elaborar e que o seu estilo de vida confirmaria.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A polícia nunca foi me procurar por isso. Nunca mais vi a garota.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Sexo, drogas, badalação: nada disso me satisfazia. Eu levava em mim algo insaciável desde aquela noite no sítio, anos antes. Tinha vontade de procurar meu pai e perguntar tudo. Queria saber sobre o prazer, a sensação de ser superior àquele homenzinho desprezível e esmagá-lo feito uma barata, a noção de ser poderoso, maior do que a lei, a moral, a vida. Mas sabia que ele jamais confessaria.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Eu ansiava por aquilo que faria meu sangue ferver de verdade, algo que ensaiou sua aparição quando acertei o cão vadio, quando acabei com a agonia da cobra, quando arranquei as pernas dos camundongos no fundo da casa… Eu não falei dos camundongos? Eles me entretiveram por alguns anos. Eles e os pardais nas arapucas. Mas isso não é importante. O importante era aquele calor, aquele júbilo doido que tomou conta de mim quando quase sufoquei minha namorada. Essas coisas todas me davam prazer, estar no limite e, quem sabe, cruzá-lo. Mas eu não conheci o êxtase até aquela noite, seis anos atrás.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Eu havia chegado aos dezoito e saía há alguns dias com essa menina bonita, menor de idade ainda e, como toda menina, ansiosa para ser mulher. Sei o que estão pensando: chave de cadeia, certo? Como nem eu nem ela queríamos a intromissão de nossos pais nesse assunto, estávamos nos vendo às escondidas.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Fomos sozinhos a uma casa noturna no centro da cidade. A banda era boa, mas ela prestava mais atenção ao que eu cochichava ao seu ouvido. Soltei meia dúzia dessas bobagens românticas que tornam o caminho entre as pernas das garotas mais largo e rápido. Depois, meus verbos ficaram mais ousados, lamber, apertar, chupar. Ela aceitou voltar comigo para o carro. Vagamos por algum tempo até chegar a um local maravilhosamente deserto, cheio de casebres e terrenos baldios, nada convidativos a curiosos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ela era mesmo bonita. Rosto de criança e corpo de mulher, combinação irresistível, e eu não resisti. Inclinamos os bancos e eu comecei a beijá-la. Mas, volúveis, as mulheres acham que podem mudar de idéia no meio do caminho que aceitaram seguir, e ela, boa moça de família, não deixou minhas mãos continuarem roupas adentro, me chamou de apressado, calma que não é assim, eu sou virgem…</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Suas mãozinhas prepotentes me empurraram. Era tudo de que eu precisava.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A verdadeira excitação cresceu em mim de forma explosiva e eu me joguei sobre ela. Ela ameaçou gritar, tampei sua boca com uma mão, com a outra eu puxei sua saia, examinei depressa o que escondia. Ela mordeu a mão que a amordaçava. Sem pensar, acertei um soco no seu rosto e travei os dedos em volta da sua garganta. Meu casaco grosso de couro impediu que ela me arranhasse, mas eu não pensava nisso na hora. Ela se debatia. Eu me lembrei dos pernilongos quando a gente os segura por uma perna e vai arrancando as outras devagar. Seus olhos enormes, arregalados, nada entendiam, só suplicavam, a boca muda, aberta como um mundo de novas sensações para mim. Vi as pupilas tremerem e sumirem por sob as pálpebras e a língua pender entre os lábios.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Aproximei meu rosto do seu: não respirava mais. Ainda penetrei o aperto de seu corpo seco, ainda quente, mas logo desisti. Aquilo não tinha mais graça; eu já havia apaziguado a minha sede.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Rodei por muito tempo na via que margeia o rio, madrugada afora, até sair da cidade. Antes que o sol nascesse e o movimento voltasse às ruas, arrastei minha vítima para a margem do rio, fiz uma chupeta no tanque do meu carro e despejei um pouco de gasolina no corpo. Acendi um pedaço de papel com meu isqueiro e joguei-o sobre o corpo. Creio que consegui ao menos desfigurá-lo e apagar o meu toque na sua pele já roxa. Era suficiente; empurrei-a para dentro da água imunda. Achei impressionante ver como foi fácil. Especialmente nos dias seguintes, quando ninguém da polícia veio me procurar.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas não resisti a guardar comigo o pingente que ela levava no pescoço. Um pequeno troféu, que guardei junto com o chocalho da cascavel no fundo de uma gaveta.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Naquela noite, conheci a verdadeira paixão da minha vida: a morte. A morte estampada nos olhos de quem encara seus instantes finais, a vida se perdendo sem defesa entre minhas mãos. Isso era poder. Isso era o gozo supremo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">E, sabendo disso, não pude mais parar.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Elas não precisavam ser garotinhas. Bastava que fossem jovens, de pele ainda tenra e olhos grandes nos quais eu pudesse ver meu rosto refletido antes de as pupilas se tornarem baças. A emoção de seduzi-las, levá-las comigo, despistar todos os olhares e então vê-las dar seu último suspiro me dominava completamente. A lábia, a transgressão e então o júbilo da vitória. Sempre guardava uma lembrancinha, anel, presilha de cabelo, até cadarço de tênis, na falta de algo melhor. Não podia manter um registro escrito da minha marca, pois seria muito perigoso, então essa era a minha forma de contabilizar. Minha mãe uma vez até encontrou o estoque e eu expliquei tranqüilamente que eram lembranças de minhas ex-namoradas. Chegaram a um total de doze peças. Uma para cada garota.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Sei o que você está pensando. Se não sinto culpa. Se nunca pensei na dor dos pais, maridos ou bebês dessas mulheres. Preciso confessar que não. O Doutor Junqueira diz que sou um psicopata, o que significa mais ou menos que sou incapaz de sentir remorso. É uma explicação tosca, mas basta para entenderem o que há de errado em mim – ou diferente, como prefiro dizer. Tem alguma coisa no meu cérebro, como uma peça fora do lugar, que me torna imune a esse complexo de culpa que todos tentam me incutir. Não sei se culpa é um sentimento ou um fato. Se for um fato, sim, eu assumo minha culpa, mas, se for um sentimento, será inteiramente desconhecido para mim até o dia da minha morte. Não foi erro do meu pai por me passar os valores errados ou mesmo da minha mãe por ser uma criatura fraca. Eu já nasci assim, diz o bom doutor.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Gosto do Dr. Junqueira. Ele é engraçado. Vejo o suor se acumular sobre sua boca e a caneta tremer na mão se ele anota alguma coisa enquanto conto detalhes do meu modus operandi. Desse jeito, acho que não vai durar muito como psiquiatra aqui dos detentos. Não sei se a reação é de nojo ou de prazer. Pra mim, é um pouco de cada. Os homens se escondem sob a moral. O doutor é assim, como meu pai.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Para que não digam que sou completamente insensível, saibam que sempre amei meu velho. Quando terminei a faculdade, ele me levou para o sítio, que eu já não visitava há alguns anos, e para a farra na cidadezinha próxima. Eu era oficialmente um homem. No bar, me falou de trabalho, de casamento, de família, de todas essas coisas que tornam um sujeito digno e que ele havia sonhado para mim. Bebemos muito, talvez demais, e, quando chegamos em casa, de madrugada, fomos praticar tiro em latas de cerveja que íamos esvaziando na boca à medida que precisávamos de novos alvos. Dificilmente acertávamos algum. Eu estava excitado e descuidado e comecei a fazer perguntas sobre aquele caseiro que ele havia liqüidado há muitos anos. Ele ficou sério apesar do álcool, mas insisti. Perguntei se ele se sentira vingado porque o desgraçado assustara mamãe. Se ele se sentira superior a ele ao dar-lhe ordens sob a mira da espingarda. Se tinha se sentido um homem de verdade ao mandar o desgraçado para o inferno. Porque estava bêbado, ele riu e disse que sim, e que o velhote era um grande filho da puta que já tinha olhado gozado para mamãe mais de uma vez e por isso merecia mesmo uma bala no meio dos cornos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Então, finalmente, perguntei quantos tiros haviam sido necessários e onde haviam acertado. Se a morte fora rápida ou ele agonizara. Ele se deixou embarcar naquela conversa que em qualquer outra ocasião o teria deixado horrorizado. Aquelas respostas eram o meu santo grau. Nunca me senti tão próximo dele como então.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Eu não tinha a paixão de papai por armas. Preferia trabalhar com as mãos. Expliquei isso a ele quando contei sobre a minha coleção de lembranças das meninas. Falei a ele do meu prazer como um rapaz fala do seu primeiro amor. Ele ouviu em silêncio por alguns instantes e demorou para compreender. Quando o fez, seus olhos se arregalaram e ele começou a gritar comigo. Seu louco, seu desgraçado, oh, filho, não o meu filho, por quê, Deus, e outras palavras que não faziam o menor sentido. Ele andava de um lado para outro, me xingava e murmurava Deus, Deus, o que vou fazer?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Na minha ingenuidade eu confessara a meu pai o que realmente movia minha vida e agora ele me odiava. Disse num ímpeto que ia me denunciar. Você não vai fazer isso, respondi, sou seu único filho, não vai me mandar para a prisão.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele berrou, me chamou de criminoso, você tem de pagar pelo que fez. Eu disse que se ele me denunciasse eu contaria à polícia sobre o homem que ele havia matado. Mostraria até o local onde ele estava enterrado. Eu havia visitado aquele túmulo no bosque por anos a fio, em segredo, pensando na vida e na morte.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele me olhou com medo, vacilou. Não importa, disse então, e me deu as costas. Tive receio de que fosse para dentro buscar as chaves do carro e correr para a delegacia mais próxima. Papai, chamei, mas ele não se virou. Então, atirei nas suas costas.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Sem mirar, acertei-o entre os ombros e ele gritou de dor. Só então se voltou, e no ímpeto caiu sentado na grama. Eu me aproximei, recarreguei a espingarda, encostei-a na sua têmpora e disparei. Não me lembro de carregar de novo e de novo a arma, mas sei que o acertei repetidas vezes no rosto até ele parar de tremer.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Não. Eu não gostei de matar papai. Eu o amava de verdade. Mas ele ameaçou algo que eu amava mais ainda e tive de fazer. Tive. Não sinto culpa.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A polícia não engoliu minha história de que, quando acordei na manhã seguinte, papai já havia saído da casa no sítio e eu não o vira mais desde então. Mamãe, sempre tão frágil, desta vez decidiu ser firme. Papai tinha amigos entre gente graúda da capital e ela insistiu com todos eles, pedindo ajuda, influência, dinheiro, o que fosse necessário.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Não foi preciso muito. Não sei se ela já suspeitava de mim, mas um dia mostrou à polícia os meus troféus secretos e um oficial identificou o pingente que a minha primeira vítima usava numa foto. Acabei sendo detido. Mostraram minha coleção às famílias de algumas garotas desaparecidas, que reconheceram uma aliança de casamento, um chaveiro e uma caneta de luxo. Depois disso, confessei tudo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Não sei realmente se o jornal publicará esta carta aberta, mas sei que alguém na redação há de lê-la. Como você, que me lê agora. Se você acredita que sou louco, tente, uma vez na sua vida vazia, colocar-se no meu lugar e pense de novo nesta pergunta: você já quis matar alguém? Não? Mentira. Apenas não teve chance. O que faria se estivesse lá? Comigo? Em mim? A vítima à sua frente, o desejo de matar na alma e todo o poder para isso em suas mãos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A morte está em nós como a fome, a sede ou a libido. Está no jogo da sobrevivência. Livre-se dos seus valores morais, das suas leis e principalmente do seu medo de ser pego. Diga, o que sobra?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O que sobra sou eu.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fonte:</span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/12/voce-ja-quis-matar-alguem.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-2540071210786191352017-03-26T10:23:00.003-03:002017-03-26T10:23:26.096-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Rei Peste - Edgar Allan Poe</span></h2>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-8425669939287482835" itemprop="description articleBody" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Por volta da meia-noite de um dia do mês de outubro, durante o cavalheiresco reinado de Eduardo III, dois marinheiros pertencentes a tripulação do Free and Easy (Livre e Feliz), escuna de comércio que trafegava entre Eclusa (Bélgica) e o Tâmisa, e então ancorado neste rio, ficaram bem surpresos ao se acharem sentados na ala duma cervejaria da paróquia de Santo André, em Londres, a qual tinha como insígnia a tabuleta dum “Alegre Marinheiro”. embora mal construída, enegrecida de fuligem, acachapada de todos os outros aspectos, semelhante às demais tabernas daquela época, estava, não obstante, na opinião dos grotescos grupos de freqüentadores ali dentro espalhados, muito bem adaptada a seu fim.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Dentre aqueles grupos, formavam nossos dois marinheiros, creio eu, o mais interessante, se não o mais notável.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O que parecia mais velho e a quem seu companheiro se dirigia, chamando-o pelo característico apelido de Legs (Pernas) era também o mais alto dos dois. Mediria talvez uns dois metros e dez centímetros de altura e a inevitável conseqüência de tão grande estatura se via no hábito de andar de ombros curvados. O excesso de altura era, porém, mais que compensado por deficiências de outra natureza. Era excessivamente magro e poderia, como afirmavam seus companheiros, substituir, quando bêbedo, um galhardete no topete do mastro, ou servir de pau de bujarrona, se não estivesse embriagado. Mas essas pilhérias e outras de igual natureza jamais produziam, evidentemente, qualquer efeito sobre os músculos cachinadores do marinheiro. Com as maçãs do rosto salientes, grande nariz adunco, queixo fugidio, pesado maxilar inferior e grandes olhos protuberantes e brancos, a expressão de sua fisionomia, embora repassada duma espécie de indiferença intratável por assuntos e coisas em geral, nem por isso deixava de ser extremamente solene e séria, fora de qualquer possibilidade de imitação ou descrição. </span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O marujo mais moço era, pelo menos aparentemente, o inverso de seu companheiro. Sua estatura não ia além de um metro e vinte. Um par de pernas atarracadas e arqueadas suportava-lhe o corpo pesado e rechonchudo, enquanto os braços, descomunalmente curtos e grossos, de punhos incomuns, pendiam balouçantes dos lados, como as barbatanas duma tartaruga-marinha. Os olhos pequenos de cor imprecisa, brilhavam-lhe encravados fundamente nas órbitas. O nariz se afundava na massa de carne, que lhe envolvia a cara redonda, cheia, purpurina. O grosso lábio superior descansava sobre o inferior, ainda mais carnudo, com um ar de complacente satisfação pessoal, mais acentuada pelo hábito que tinha o dono de lamber seus beiços, de vez em quando. E evidente que ele olhava seu camarada alto com um sentimento meio de espanto, meio de zombaria, e, quando, às vezes, erguia a vista para encará-lo, parecia o vermelho sol poente a fitar os penhascos de Ben Nevis. </span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Várias e aventurosas haviam, porém, sido as peregrinações do digno par, pelas diversas cervejarias da vizinhança, durante as primeiras horas da noite. Mas os cabedais, por mais vastos que sejam não podem durar sempre e foi de bolsos vazios que nossos amigos se aventuraram a entrar na taberna aludida. No momento preciso, pois, em que esta estória começa, Legs e seu companheiro, Hugh Tarpaulin, estão sentados, com os cotovelos apoiados na grande mesa de carvalho, em meio da sala e a cara metida entre as mãos. Olhavam, por trás duma enorme garrafa de humming-stuff a pagar, as agourentas palavras: Não se fia, que para indignação e espanto deles, estavam escritas a giz na porta de entrada. Não que o dom de decifrar caracteres escritos – dom considerado então, entre o povo, pouco menos cabalístico do que a arte de escrever – pudesse, em estrita justiça, ter sido deixado a cargo dos dois discípulos do mar; mas havia, para falar a verdade, certa contorção no formato das letras, uma indescritível guinada no conjunto, que pressagiava, na opinião dos dois marinheiros uma longa viagem de tempo ruim, e os decidia a, imediatamente na linguagem alegórica do próprio Legs, “correr às bombas, ferrar todas as velas e correr com o vento em popa”.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tendo, conseqüentemente, consumido o que restava da cerveja e abotoado seus curtos gibões, trataram afinal de saltar para a rua. Embora Tarpaulin houvesse, por duas vezes, entrado de chaminé adentro, pensando tratar-se da porta, conseguiram por fim com êxito a escapada, e meia hora depois da meia-noite achavam-se nossos heróis prontos para outra e correndo a bom correr por uma escura viela, na direção da Escada de Santo André, encarniçadamente perseguidos pela taberneira do “Alegre Marinheiro”.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Periodicamente, durante muitos anos antes e depois da época desta dramática estória, ressoava por toda a Inglaterra, e mais especialmente na metrópole, o espantoso grito de: “Peste!” A cidade estava em grande parte despovoada, e naqueles horríveis bairros das vizinhanças do Tâmisa, onde, entre aquelas vielas e becos escuros, estreitos e imundos, O Demônio da Peste tinha, como se dizia, seu berço, a Angústia, o Terror e a Superstição passeavam, como únicos senhores, à vontade.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Por ordem do rei, estavam aqueles bairros condenados e as pessoas proibidas, sob pena de morte, de penetrar-lhes a lúgubre solidão. Contudo, nem o decreto do monarca, nem as enormes barreiras erguidas às entradas das ruas, nem a perspectiva daquela hedionda morte que, com quase absoluta certeza, se apoderaria do desgraçado a quem nenhum perigo poderia deter de ali aventurar-se, impediam que as habitações vazias e desmobiliadas fossem despojadas, pelos rapinantes noturnos, de coisas como ferro, cobre ou chumbo, que pudessem, de qualquer maneira, ser transformadas em lucro apreciável. Verificava-se, sobretudo, por ocasião da abertura anual das barreiras, no inverno, que fechaduras, ferrolhos e subterrâneos secretos não passavam de fraca proteção para aqueles ricos depósitos de vinhos e licores que, dados os riscos e incômodos da remoção, muitos dos numerosos comerciantes, com estabelecimentos na vizinhança tinham consentido em confiar, durante o período de exílio, a tão insuficiente segurança.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas poucos eram, entre o povo aterrorizado, os que atribuíam tais fatos à ação de mãos humanas. Os espíritos, os duendes da peste, os demônios da febre eram, para o povo, os autores das façanhas. E tamanhas estórias arrepiantes se contavam a toda hora que toda a massa de edifícios proibidos ficou, afinal, como que envolta numa mortalha de horror e os próprios ladrões, muitas vezes, se deixavam tomar de pavor que suas depredações haviam criado e abandonaram todo o vasto recinto do bairro proibido, às trevas, ao silêncio, e à morte. Foi uma daquelas terrificas barreiras já mencionadas e que indicavam estar o bairro adiante sob a condenação da Peste que deteve, de repente a disparada em que vinham, beco adentro, Legs e o digno Tarpaulin. Arrepiar caminho estava fora de cogitação e não havia tempo a perder, pois os perseguidores se achavam quase a seus calcanhares. Para marinheiros chapados era um brinquedo subir por aquela tosca armação de madeira; exasperados pela dupla excitação do licor e da corrida, pularam sem hesitar para dentro do recinto e, continuando sua carreira de ébrios, com berros e urros, em breve se perderam naquelas profundezas intrincadas e pestilentas .</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Não se achassem eles tão embriagados, a ponto de haverem perdido o senso moral, o horror de sua situação lhes teria paralisado os passos vacilantes. O ar era frio e nevoento. As pedras do calçamento, arrancadas do seu leito, jaziam em absoluta desordem, em meio do capim alto e viçoso, que lhes subia em torno dos pés e tornozelos.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Casas desmoronadas obstruíam as ruas. Os odores mais fétidos e mais deletérios dominavam por toda a parte, e, graças àquela luz lívida que, mesmo à meia-noite, nunca deixa de emanar duma atmosfera pestilencial e brumosa, podiam-se perceber, jacentes nos atalhos e becos, ou apodrecendo nas casas sem janelas, as carcaças de muitos saqueadores noturnos, detidos pela mão da peste, no momento mesmo da perpetração de seu roubo.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas não estava no poder de imagens, sensações ou obstáculos como esses deter a corrida de homens que, naturalmente corajosos e, especialmente naquela ocasião, repletos de coragem e de humming-stuff, teriam ziguezagueado, tão eretos quanto lhes permitia seu estado, sem temor, até mesmo dentro das fauces da morte. Na frente, sempre na frente, caminhava o disforme Legs, fazendo aquele deserto solene soar e ressoar, com berros semelhantes aos terríveis urros de guerra dos índios; e para a frente, sempre para a frente rebolava o atarracado Tarpaulin, agarrado ao gibão de seu companheiro mais ativo, levando-lhe enorme vantagem nos tenazes esforços, à moda de música vocal, com seus mugidos taurinos arrancados das profundezas de seus pulmões estentóricos.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Haviam agora evidentemente alcançado o reduto da peste. A cada passo, ou a cada tropeção, o caminho que seguiam se tornava mais fedorento e mais horrível, as veredas mais estreitas e mais intrincadas. Enormes pedras e vigas que caiam de repente dos telhados desmoronados demonstravam, com sua queda soturna e pesada, a altura prodigiosa das casas circunvizinhas; e quando lhes era necessário imediato esforço para forçar passagem através de freqüentes montões de caliça, não era raro que a mão caísse sobre um esqueleto ou pousasse num cadáver ainda com carne.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">De repente, ao tropeçarem os marujos, à entrada dum elevado e sinistro edifício, um berro, mais retumbante que os outros, irrompeu da garganta do excitado Legs e lá de dentro veio uma em rápida sucessão de ferozes e diabólicos guinchos, semelhantes a risadas. Sem se intimidarem com aqueles sons que, pela sua natureza, pela ocasião e pelo lugar, teriam gelado todo o sangue de corações menos irrevogavelmente incendiados, o par de bêbados embarafustou pela porta, escancarando-a e, cambaleantes, com um chorrilho de pragas, se viram em meio dum montão de coisas.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A sala em que se encontravam era uma loja de cangalheiro; mas um alçapão, a um canto do soalho, perto da entrada, dava para uma longa fileira de adegas, cujas profundezas, reveladas pelo ocasional rumor de garrafas que se partiam, estavam bem sortidas do conteúdo apropriado. No meio da sala havia uma mesa, em cujo centro se erguia uma enorme cuba, cheia, ao que parecia, de ponche. Garrafas de vários vinhos e cordiais, juntamente com jarros, pichéis e garrafões de todo formato e qualidade, estavam espalhadas profusamente pela mesa. Em torno desta via-se um grupo de seis indivíduos sentados em catafalcos. Vou tentar descrevê-los um por um.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Em frente à porta de entrada e em plano acima dos companheiros estava sentado um personagem que parecia ser o presidente da mesa. Era descarnado e alto, e Legs sentiu-se confuso ao notar nele um aspecto mais emaciado do que o seu. Tinha o rosto açafroado, mas nenhum de seus traços, exceção feita de um, era bastante característico para merecer descrição especial. Aquele traço único consistia numa fronte tão insólita e tão horrivelmente elevada que tinha a aparência de um boné ou coroa de carne acrescentada à cabeça natural. Sua boca, enrugada, encovava-se numa expressão de afabilidade horrível, e seus olhos, bem como os olhos de todos quantos se achavam em torno à mesa, tinham aquele humor vítreo da embriaguez. Esse cavalheiro trajava, da cabeça aos pés, mortalha de veludo de seda negra, ricamente bordada, que lhe envolvia, com displicência, o corpo à moda duma capa espanhola. Estava com a cabeça cheia de plumas negras mortuárias, que ele fazia ondular para lá e para cá, com um ar afetado e presunçoso e na mão direita segurava um enorme fêmur humano, com o qual parecia ter acabado de bater em algum dos presentes para que cantasse. Defronte dele, e de costas para a porta, estava uma mulher de fisionomia não menos extraordinária. Embora tão alta quanto o personagem que acabamos de descrever, não tinha direito de se queixar da mesma magreza anormal. Encontrava-se, evidentemente, no derradeiro grau de uma hidropisia e seu todo era bem semelhante ao imenso pipote de cerveja-de-outubro que se erguia, de tampa arrombada, a seu lado, a um canto do aposento. Seu rosto era excessivamente redondo, vermelho e cheio e a mesma peculiaridade, ou antes falta de peculiaridade, ligada à sua fisionomia, que já mencionei no caso do presidente, isto é, somente uma feição de seu rosto era suficientemente destacada para merecer caracterização especial. De fato, o perspicaz Tarpaulin notou logo que a mesma observação podia ser feita a respeito de um dos indivíduos ali presentes. Cada um deles parecia monopolizar alguma porção particular de fisionomia. Na dama em questão, essa parte era a boca. Começando na orelha direita, rasgava-se, em aterrorizante fenda, até a esquerda. Ela fazia, no entanto, todos os esforços para conservar a boca fechada, com ar de dignidade. Seu traje consistia num sudário, recentemente engomado e passado a ferro, chegando-lhe até o queixo, com uma gola encrespada de musselina de cambraia. À sua direita sentava-se uma mocinha chocha, a quem ela parecia amadrinhar. Essa delicada criaturinha deixava ver, pelo tremor de seus dedos descarnados, pela lívida cor de seus lábios e pela leve mancha héctica que lhe tingia a tez, aliás cor de chumbo, sintomas de tuberculose galopante. Um ar de extrema distinção, porém, dominava em toda a sua aparência. Usava, duma maneira graciosa e negligente, uma larga e bela mortalha da mais fina cambraia, indiana. Seu cabelo caía-lhe em cachos sobre o pescoço. Um leve sorriso pairava-lhe nos lábios, mas seu nariz extremamente comprido, delgado, sinuoso, flexível e cheio de borbulhas, acavalava por demais sobre o lábio inferior; e, a despeito da delicada maneira pela qual ela, de vez em quando, o movia para um lado e outro com a língua, dava-lhe à fisionomia uma expressão um tanto quanto equívoca.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Do outro lado, e à esquerda da dama hidrópica, estava sentado um velho pequeno, inchado, asmático e gotoso, cujas bochechas lhe repousavam sobre os ombros como dois imensos odres de vinho do Porto. De braços cruzados e uma perna enfaixada posta sobre a mesa, parecia achar-se com direito a alguma consideração. Evidentemente orgulhava-se bastante de cada polegada de sua aparência pessoal, mas sentia mais especial deleite em chamar a atenção para seu sobretudo de cores vistosas. Para falar a verdade, não deveria este ter custado pouco dinheiro e lhe assentava esplendidamente bem, talhado como estava em uma dessas cobertas de seda, curiosamente bordadas, pertencentes àqueles gloriosos escudos que, na Inglaterra e noutros lugares, são ordinariamente suspensos, em algum lugar patente, nas residências de aristocratas falecidos.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Junto dele, e à direita do presidente, via-se um cavalheiro, com compridas meias brancas e ceroulas de algodão. Seu corpo tremelicava de maneira ridícula, num acesso daquilo que Tarpaulin chamava “os terrores”. Seus queixos, recentemente barbeados, estavam estreitamente atados por uma faixa de musselina, e, tendo os braços amarrados nos pulsos da mesma maneira, não lhe era possível servir-se muito à vontade, dos licores que se achavam sobre a mesa, precaução necessária, na opinião de Legs, graças à expressão caracteristicamente idiota e tremulenta de seu rosto. Sem embargo, um par de prodigiosas orelhas, que sem dúvida era impossível ocultar, alteava-se na atmosfera do aposento e, de vez em quando, arrebitavam-se espasmodicamente ao rumor das rolhas que espoucavam. Defronte dele, sentava-se o sexto e último personagem, de aparência rígida que, sofrendo de paralisia, devia sentir-se, falando sério, muito mal à vontade nos seus trajes nada cômodos. Essa roupa um tanto singular, consistia em um novo e belo ataúde de mogno. Sua tampa ou capacete apertava-se sobre o crânio do sujeito e estendia-se sobre ele, à moda de um elmo, dando-lhe a todo o rosto um ar de indescritível interesse. Cavas para os braços tinham sido cortadas dos lados, mais por conveniência que por elegância; apesar disso, o traje impedia seu proprietário de se sentar direito como seus companheiros. E como se sentasse reclinado de encontro a um cavalete, formando um ângulo de quarenta e cinco graus, um par de enormes olhos esbugalhados revirava suas apavorantes escleróticas para o teto, num absoluto espanto de sua própria enormidade.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Diante de cada um dos presentes estava a metade dum crânio, usada como copo. Por cima, pendia um esqueleto humano, pendurado duma corda amarrada numa das pernas e presa a uma argola no forro. A outra perna, sem nenhuma amarra, saltava do corpo em angulo reto, fazendo flutuar e girar toda a carcaça desconjuntada e chocalhante, ao sabor de qualquer sopro de vento que penetrasse no aposento. O crânio daquela hedionda coisa continha certa quantidade de carvão em brasa, que lançava uma luz vacilante, mas viva, sobre a cena, enquanto ataúdes e outras mercadorias de casa mortuária empilhavam-se até o alto, em toda a sala e contra as janelas, impedindo assim que qualquer raio de luz se projetasse na rua.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">À vista de tão extraordinária assembléia e de seus mais extraordinários adornos, nossos dois marujos não se conduziram com aquele grau de decoro que era de esperar. Legs, encostando-se à parede junto da qual se encontrava, deixou cair o queixo ainda mais baixo do que de costume e arregalou os olhos até mais não poder, quanto Hugh Tarpaulin, abaixando-se a ponto de colocar o nariz ao nível da mesa e dando palmadas nas coxas, explodiu numa desenfreada e extemporânea gargalhada, que mais parecia um rugido longo, poderoso e atroador.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Sem, no entanto, ofender-se diante de procedimento tão excessivamente grosseiro, o escanifrado presidente sorriu com toda a graça para os intrusos, fazendo-lhes um gesto cheio de dignidade com a cabeça empenachada de negro, e, levantando-se, pegou-os pelos braços e levou-os aos assentos que alguns dos outros presentes tinham colocado, enquanto isso, para que eles estivessem a cômodo. Legs nenhuma resistência ofereceu a tudo isso sentando-se no lugar indicado, ao passo que o galanteador Hugh removendo cavalete de ataúde do lugar perto da cabeceira da mesa para junto da mocinha tuberculosa, da mortalha ondulante derreou-se a seu lado, com grande júbilo, e, emborcando um crânio de vinho vermelho, esvaziou-o em honra de suas mais íntimas relações. Diante de tamanha presunção, o cavalheiro teso do ataúde mostrou-se excessivamente exasperado, e sérias conseqüências poderiam ter-se seguido não houvesse o presidente, batendo com o bastão na mesa, distraído a atenção de todos os presentes para o seguinte discurso:</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- É nosso dever nosso na atual feliz ocasião.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Pare com isso! – interrompeu Legs, com toda a seriedade. Cale essa boca, digo- lhe eu, e diga-nos que diabos são vocês todos e que estão fazendo aqui, com essas farpelas de diabos sujos e bebendo a boa pinga armazenada para o inverno pelo meu honrado camarada Will Wimble, o cangalheiro!</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">À vista daquela imperdoável amostra de má educação, toda a esquipática assembléia se soergueu e emitiu aqueles mesmos rápidos e sucessivos guinchos ferozes e diabólicos que já haviam chamado antes a atenção dos marinheiros. O presidente, porém, foi primeiro a retomar sua compostura e por fim, voltando-se para Legs com grande dignidade, recomeçou:</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- De muito boa-vontade satisfaremos qualquer curiosidade razoável da parte de hóspedes tão ilustres, embora não convidados. Ficai, pois, sabendo que, nestes domínios, sou o monarca e governo, com indivisa autoridade, com o título de “Rei Peste I.” Esta sala, que supondes injuriosamente ser a loja do cangalheiro Will Wimble, homem que não conhecemos e cujo sobrenome plebeu jamais ressoara, até esta noite, aos nossos reais ouvidos… esta sala, repito, é a Sala do Trono de nosso palácio. Consagrada aos conselhos de nosso reino e outros destinos de natureza sagrada e superior.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A nobre dama sentada à nossa frente é a Rainha Peste, nossa Sereníssima Esposa. Os outros personagens ilustres que vedes pertencem todos à nossa família e usam as insígnias do sangue real nos respectivos títulos de: “Sua Graça o Arquiduque Peste-Ifero”, “Sua Graça o Duque Pest- Ilencial”, “Sua Graça o Duque Tem-Pestuoso” e “Sua Serena Alteza a Arquiduquesa Ana-Peste”.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quanto à vossa pergunta – continuou ele -, a respeito do que nos trás aqui reunidos em conselho, ser-nos-ia lícito responder que, concerne e concerne exclusivamente, ao nosso próprio e particular interesse e não tem importância para ninguém mais que não nós mesmos. Mas em consideração aos direitos de que, na qualidade de hóspedes e estrangeiros, possais julgar-vos merecedores, explicar-vos-emos entanto, que estamos aqui, esta noite, preparados por intensa pesquisa e acurada investigação, a examinar, analisar e determinar, indubitavelmente, o indefinível espírito, as incompreensíveis qualidades e natureza desses inestimáveis tesouros do paladar que são os vinhos, cervejas e licores desta formosa metrópole. Assim procedemos não só para melhorar nossa própria situação, mas para o bem-estar verdadeiro daquela soberana sobrenatural que reina sobre todos nós, cujos domínios não têm limites e cujo nome é “Morte”.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Cujo nome é Davi Jones! – exclamou Tarpaulin, oferecendo à sua vizinha um crânio de licor e emborcando ele próprio um segundo.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Lacaio profanador! – exclamou o presidente, voltando agora para o digno Hugh. – Miserável e execrando profanador. Dissemos que, em consideração àqueles direitos que, mesmo na tua imunda pessoa, não nos sentimos com inclinação para violar, condescendemos em responder às tuas grosseiras e desarrazoadas indagações. Contudo, tendo em vista a vossa profana intrusão no recinto de nossos conselhos, acreditamos ser de nosso dever multar-te a ti e a teu companheiro, num galão de Black Strap, que bebereis pela prosperidade de nosso reino, dum só gole e de joelhos; logo depois estareis livres para continuar vosso caminho ou permanecerdes e serdes admitidos aos privilégios de nossa mesa, se acordo com vossos respectivos gostos pessoais.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Será coisa de absoluta impossibilidade – replicou Legs, a quem a imponência e a dignidade do Rei Peste I tinham evidentemente inspirado alguns sentimentos de respeito, e que se levantara, ficando de pé junto da mesa, enquanto aquele falava.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Será, com licença de Vossa Majestade, coisa extremamente impossível arrumar no meu porão até mesmo a quarta parte desse tal licor que vossa Majestade acaba de mencionar. Não falando das mercadorias colocadas esta manhã a bordo para servir de lastro, e não mencionando as várias cervejas e licores embarcados esta noite em vários portos, tenho, presentemente, uma carga completa de humming-tuff, entrada e devidamente paga na taberna do “Alegre Marinheiro”. De modo que há de Vossa Majestade ter a bondade de tomar a tenção como coisa realizada, pois não posso de modo algum, nem quero, engolir outro trago e muito menos um trago dessa repugnante água-de-porão que responde ao nome de Black Strap.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Pare com isso! – interrompeu Tarpaulin, espantado não só pelo tamanho do discurso de seu companheiro como pela natureza de sua recusa. – Pare com isso, seu marinheiro de água doce! Repito, Legs, pare com esse palavreado! O meu casco está ainda leve, embora, confesse-o, esteja o seu mais pesado em cima que em baixo. Quanto à estória de sua parte da carga, em vez de provocar uma borrasca, acharei jeito de arrumá-la eu mesmo no porão, mas…</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Este modo de proceder – interferiu o presidente – não está de modo algum em acordo com os termos da multa ou sentença que é de natureza média e não pode ser alterada nem apelada. As condições que impusemos devem ser cumpridas à risca, e isto sem um instante de hesitação… sem o quê, decretamos que sejais amarrados, pescoços e calcanhares juntos, e devidamente afogados, rebeldes, naquela pipa de cerveja-de-outubro!</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Que sentença! Que sentença! Que sentença justa e direita! decreto glorioso! A condenação mais digna, mais irrepreensível, sagrada! – gritaram todos os membros da família Peste ao mesmo tempo.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O rei franziu a testa em rugas inumeráveis; o homenzinho gotoso soprava, como um par de foles; a dona da mortalha de cambraia movia o nariz para um lado para o outro; o cavalheiro de ceroulas de algodão arrebitou as orelhas; a mulher do sudário ofegava como um peixe agonizante, e o sujeito do ataúde entesou-se mais, arregalando os olhos para cima.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Oh, uh, uh! – ria Tarpaulin, entre dentes, sem notar a excitação geral. – Uh, uh, … Uh, uh, uh… Estava eu dizendo quando aqui o Sr. Rei Peste veio meter seu bedelho, que a respeito da questão de dois ou três galões mais ou menos de Black Strap era uma bagatela para um barco sólido como eu que não está sobrecarregado; e quando se tratar de beber à saúde do Diabo (que Deus lhe perdoe) e de me pôr de joelhos diante dessa horrenda majestade aqui presente, que eu conheço tão bem como sei que sou um pecador, e que não é outro senão Tim Hurlygurly, o palhaço!… Ora essa, é muito outra coisa, e vai muito além de minha compreensão.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Não lhe permitiram que terminasse tranqüilamente seu discurso ao nome de Tim Hurlygurly, todos os presente pularam dos assentos.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Traição! – gritou Sua Majestade o Rei Peste I.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Traição! – disse o homenzinho gotoso.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Traição! – esganiçou a Arquiduquesa Ana-Peste.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Traição! – murmurou o homem dos queixos amarrados.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Traição! – grunhiu o sujeito do ataúde.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Traição, traição! – berrou Sua Majestade, a mulher da bocarra. E, agarrando o infeliz Tarpaulin pela traseira das calças, o qual estava justamente enchendo outro crânio de licor, ergueu-o no ar e deixou-o bem alto no ar, e deixou-o cair sem cerimônia no imenso barril aberto de sua cerveja predileta. Boiando para lá e para cá, durante alguns segundos, como uma maçã numa tigela de ponche, desapareceu afinal no turbilhão de espuma que, no já efervescente licor, haviam provocado seus esforços de safar-se.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Não se resignou, porém, o marinheiro alto com a derrota de seu camarada. Empurrando o Rei Peste para dentro do alçapão aberto, Legs deixou cair a tampa do alçapão sobre ele, com uma praga, e correu para o meio da sala. Ali, puxando para baixo o esqueleto que pendia sobre a mesa, com tamanha força e vontade que o fez que conseguiu fazer saltar os miolos do homenzinho gotoso, ao tempo que morriam os derradeiros lampejos de luz dentro da sala.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Precipitando-se, então, com toda a sua energia, contra a pipa fatal cheia de cerveja-de-outubro e de Hugh Tarpaulin, revirou-a, num instante, de lado. Dela jorrou um dilúvio de licor tão impetuoso, violento, tão irresistível, que a sala ficou inundada de parede a parede, as mesas carregadas viraram de pernas para o ar, os cavaletes rebolaram uns por cima dos outros, a tina de ponche foi lançada na chaminé da lareira… e as damas caíram com ataques histéricos. Montes de artigos fúnebres boiavam. Jarros, pichéis e garrafões confundiam-se, numa misturada enorme, e as garrafas de vime embatiam-se, desesperadamente, com cantis trançados. O homem dos tremeliques afogou-se imediatamente. O sujeito flutuava no seu caixão… e o vitorioso Legs, agarrando pela cintura pela criatura a mulher gorda do sudário, arrastou-a para a rua e em linha reta, a direção do Free and Easy, seguido, a bom pano, pelo temível Hugh Tarpaulin, que, tendo espirrado três ou quatro vezes, ofegava e bufava atrás dele, puxando a Arquiduquesa Ana-Peste.</span></span></div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-8425669939287482835" itemprop="description articleBody" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<br /></div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-17101455980056478272017-03-24T11:02:00.002-03:002017-03-24T11:02:37.390-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Recomeço</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-6482398971253876087" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Alguns anos no futuro...</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">"Papai, porque eles nos odeiam?"</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<div>
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div>
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">"Oh querida, pode parecer que eles nos odeiam, mas na verdade, eles nos escolheram".</span></span></div>
</div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">"Mas papai, porque eles estão fazendo isso?"</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">"Não sei querida, mas, infelizmente, essa é a vontade deles. Esta será a última vez que isso acontece, o mundo vai ver... Há um velho ditado que diz que é preciso destruir antes que se possa criar. É como quando você brinca com seus blocos de montar. Antes de construir algo novo, você tem desmontar o que tinha feito antes. A mesma coisa acontece com os homens e as cidades". </span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<div>
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">"Eles não poderiam ter escolhido outro lugar?"</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">"Eles poderiam sim, meu bebê, muitos outros. Mas fomos os escolhidos. Não havia comida suficiente e para eles, nós consumíamos demais, por isso que há tanta maldade no mundo agora."</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">"Entendi, papai." </span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">"Já faz nove minutos desde que as sirenes tocaram e eu quero que você seja corajosa, meu anjo. Vamos ser imortais depois de hoje, isso significa que nós vamos viver para sempre. Sem mais dor, sem mais fome, sem mais lágrimas. Isso não soa tão ruim, não é?" </span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">"Temos que nos despedir agora, papai?"</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">"Não, querida, daqui a pouco nós vamos nos encontrar de novo. Eu te amo muito minha filha. Estou muito orgulhoso de você."</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A família Smith está na frente de uma grande e laje de mármore, eles apertam as mãos e fecham os olhos. As lágrimas que rolam de seus rostos evaporam imediatamente assim como seus corpos, uma vez que a explosão nuclear os alcança. Tudo o que restou foi uma mensagem pintada no chão de mármore: "Nós perdoamos vocês, construam algo melhor."</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fonte: </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/09/o-recomeco.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-15018068128543579312017-03-20T22:50:00.002-03:002017-03-20T22:50:35.249-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Poço e o Pêndulo - Edgar Allan Poe</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-8358870030769998000" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<br /></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Estava exausto, mortalmente exausto com aquela longa agonia e, quando por fim me desamarraram e pude sentar-me, senti que perdia os sentidos. A sentença – a terrível sentença de morte – foi a última frase que chegou, claramente, aos meus ouvidos. Depois, o som das vozes dos inquisidores pareceu apagar-se naquele zumbido indefinido de sonho. O ruído despertava em minha alma a idéia de rotação, talvez devido à sua associação, em minha mente, com o ruído característico de uma roda de moinho. Mas isso durou pouco, pois, logo depois, nada mais ouvi. Não obstante, durante alguns momentos, pude ver, mas com que terrível exagero! Via os lábios dos juízes vestidos de preto. Pareciam-me brancos, mais brancos do que a folha de papel em que traço estas palavras, e grotescamente finos – finos pela intensidade de sua expressão de firmeza, pela sua inflexível resolução, pelo severo desprezo ao sofrimento humano. Via que os decretos daquilo que para mim representava o destino saíam ainda daqueles lábios. Vi-os contorcerem-se numa frase mortal; vi-os pronunciarem as sílabas de meu nome – e estremeci, pois nenhum som lhes acompanhava os movimentos. </span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
</div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Vi, também, durante alguns momentos de delírio e terror, a suave quase imperceptível ondulação das negras tapeçarias que cobriam as paredes da sala, e o meu olhar caiu então sobre as sete grandes velas que estavam em cima da mesa. A princípio, tiveram para mim o aspecto de uma claridade, e pareceram-me anjos brancos e esguios que deveriam salvar-me. Mas, de repente, uma náusea mortal invadiu-me a alma, e senti que cada fibra de meu corpo estremecia como se houvesse tocado os fios de uma bateria galvânica. As formas angélicas se converteram em inexpressivos espectros com cabeças de chama, e vi que não poderia esperar delas auxílio algum. Então, como magnífica nota musical, insinuou-se em minha imaginação a idéia do doce repouso que me aguardava no túmulo. Chegou suave, furtivamente – e penso que precisei de muito tempo para apreciá-la devidamente. Mas, no instante preciso em que meu espírito começava a sentir e alimentar essa idéia, as figuras dos juízes se dissiparam, como por arte de mágica, ante os meus olhos. As grandes velas reduziram-se a nada; suas chamas se apagaram por completo e sobreveio o negror das trevas; todas as sensações pareceram desaparecer como numa queda louca da alma até o Hades. E o universo transformou-se em noite, silêncio, imobilidade.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Eu desmaiara; mas, não obstante, não posso dizer que houvesse perdido de todo a consciência. Não procurarei definir, nem descrever sequer, o que dela me restava. Nem tudo, porém, estava perdido. Em meio do mais profundo sono… não! Em meio do delírio… não! Em meio do desfalecimento. . . não! Em meio da morte… não! Nem mesmo na morte tudo está perdido. Do contrário, não haveria imortalidade para o homem. Quando despertamos do mais profundo sono, desfazemos as teias de aranha de algum sonho. E, não obstante, um segundo depois não nos lembramos de haver sonhado, por mais delicada que tenha sido a teia. Na volta a vida, depois do desmaio, há duas fases: o sentimento da existência moral ou espiritual e o da existência física. Parece provável que, se ao chegar à segunda fase tivéssemos de evocar as impressões da primeira, tornaríamos a encontrar todas as lembranças eloqüentes do abismo do outro mundo. E qual é esse abismo? Como, ao menos, poderemos distinguir suas sombras das do túmulo?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas, se as impressões do que chamamos primeira fase não nos acodem de novo ao chamado da vontade, acaso não nos aparecem depois de longo intervalo, sem ser solicitadas, enquanto, maravilhados, perguntamos a nós mesmos de onde provêm? Quem nunca perdeu os sentidos não descobrirá jamais estranhos palácios e rostos singularmente familiares entre as chamas ardentes; não contemplará, flutuante no ar, as melancólicas visões que muitos talvez jamais contemplem; não meditará nunca sobre o perfume de alguma flor desconhecida, nem mergulhará no mistério de alguma melodia que jamais lhe chamou antes a atenção.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Em meio de meus freqüentes e profundos esforços para recordar, em meio de minha luta tenaz para apreender algum vestígio desse estado de vácuo aparente em que minha alma mergulhara, houve breves, brevíssimos instantes em que julguei triunfar, momentos fugidios em que cheguei a reunir lembranças que, em ocasiões posteriores, meu raciocínio, lúcido, me afirmou não poderem referir-se senão a esse estado em que a consciência parece aniquilada. Essas sombras de lembranças apresentavam, indistintamente, grandes figuras que me carregavam, transportando-me, silenciosamente, para baixo… para baixo… ainda mais para baixo… até que uma vertigem horrível me oprimia, ante a idéia de que não tinha mais fim tal descida. Também me lembro de que despertavam um vago horror no fundo de meu coração, devido precisamente à tranqüilidade sobrenatural desse mesmo coração. Depois, o sentimento de uma súbita imobilidade em tudo o que me cercava, como se aqueles que me carregavam (espantosa comitiva!) ultrapassassem, em sua descida, os limites do ilimitado, e fizessem uma pausa, vencidos pelo cansaço de seu esforço. Depois disso, lembro-me de uma sensação de monotonia e de umidade. Depois, tudo é loucura – a loucura da memória que se agita entre coisas proibidas.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Súbito, voltam à minha alma o movimento e o som – o movimento tumultuoso do coração e, em meus ouvidos, o som de suas batidas. Em seguida, uma pausa, em que tudo é vazio. Depois, de novo, o som, o movimento e o tato, como uma sensação vibrante que penetra em meu ser. Logo após, a simples consciência da minha existência, sem pensamento – estado que durou muito tempo. Depois, de maneira extremamente súbita, o pensamento, e um trêmulo terror – o esforço enorme para compreender o meu verdadeiro estado. Logo após, vivo desejo de mergulhar na insensibilidade. Depois, um brusco renascer da alma e um esforço bem sucedido para mover-me. E, então, a lembrança completa do que acontecera, dos juízes, das tapeçarias negras, da sentença, da fraqueza, do desmaio. Esquecimento completo de tudo o que acontecera – e que somente mais tarde, graças aos mais vivos esforços, consegui recordar vagamente.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Até então, não abrira ainda os olhos. Sentia que me achava deitado de costas, sem que estivesse atado. Estendi a mão e ela caiu pesadamente sobre alguma coisa úmida e dura. Deixei que ela lá ficasse durante muitos minutos, enquanto me esforçava por imaginar onde é que eu estava e o que é que poderia ter acontecido comigo. Desejava, mas não me atrevia a fazer uso dos olhos. Receava o primeiro olhar sobre as coisas que me cercavam. Não que me aterrorizasse contemplar coisas terríveis, mas tinha medo de que não houvesse nada para ver. Por fim, experimentando horrível desespero em meu coração, abri rapidamente os olhos. Meus piores pensamentos foram, então, confirmados. Envolviam-me as trevas da noite eterna. Esforcei-me por respirar. A intensidade da escuridão parecia oprimir-me, asfixiar-me. O ar era intoleravelmente pesado. Continuei ainda imóvel, e esforcei-me por fazer uso da razão. Lembrei-me dos procedimentos inquisitoriais e, partindo daí, procurei deduzir qual a minha situação real.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A sentença fora proferida, e parecia-me que, desde então, transcorrera longo espaço de tempo. Não obstante, não imaginei um momento sequer que estivesse realmente morto. Tal suposição, pese o que lemos nos livros de ficção, é absolutamente incompatível com a existência real. Mas onde me encontrava e qual era o meu estado? Sabia que os condenados à morte pereciam, com freqüência, nos autos-de-fé – e um desses autos havia-se realizado na noite do dia em que eu fora julgado. Teria eu permanecido em meu calabouço, à espera do sacrifício seguinte, que não se realizaria senão dentro de muitos meses? Vi, imediatamente, que isso não poderia ser. As vítimas eram exigidas sem cessar. Além disso, meu calabouço, bem como as celas de todos os condenados, em Toledo, tinha piso de pedra e a luz não era inteiramente excluída.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">De repente, uma idéia terrível acelerou violentamente o sangue em meu coração e, durante breve espaço, mergulhei de novo na insensibilidade. Ao recobrar os sentidos, pus-me logo de pé, a tremer convulsivamente. Alucinado, estendi os braços para o alto e em torno de mim, em todas as direções. Não senti nada. Não obstante, receava dar um passo, com medo de ver os meus movimentos impedidos pelos muros de um túmulo. O suor brotava-me de todos os poros e grossas gotas frias me salpicavam a testa. A angústia da incerteza tornou-se, por fim, insuportável e avancei com cautela, os braços estendidos, os olhos a saltar-me das órbitas, na esperança de descobrir algum tênue raio de luz. Dei muitos passos, mas, não obstante, tudo era treva e vácuo. Sentia a respiração mais livre. Parecia-me evidente que o meu destino não era, afinal de contas, o mais espantoso de todos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Continuei a avançar cautelosamente e, enquanto isso, me vieram à memória mil vagos rumores dos horrores de Toledo. Sobre calabouços, contavam-se coisas estranhas – fábulas, como eu sempre as considerara; coisas, contudo, estranhas, e demasiado horríveis para que a gente as narrasse a não ser num sussurro. Acaso fora eu ali deixado para morrer de fome naquele subterrâneo mundo de trevas, ou</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">quem sabe um destino ainda mais terrível me aguardava? Conhecia demasiado bem o caráter de meus juízes para duvidar de que o resultado de tudo aquilo seria a morte, e uma morte mais amarga do que a habitual. Como seria ela e a hora de sua execução eram os únicos pensamentos que me ocupavam o espírito, causando-me angústia.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Minhas mãos estendidas encontraram, afinal, um obstáculo sólido. Era uma parede que parecia de pedra, muito lisa, úmida e fria. Segui junto a ela, caminhando com a cautelosa desconfiança que certas narrações antigas me haviam inspirado. Porém, essa operação não me proporcionava meio algum de averiguar as dimensões de meu calabouço; podia dar a volta e tornar ao ponto de partida sem perceber exatamente o lugar em que me encontrava, pois a parede me parecia perfeitamente uniforme. Por isso, procurei um canivete que tinha num dos bolsos quando fui levado ao tribunal, mas havia desaparecido. Minhas roupas tinham sido substituídas por uma vestimenta de sarja grosseira. A fim de identificar o ponto de partida, pensara em enfiar a lâmina em alguma minúscula fenda da parede. A dificuldade, apesar de tudo, não era insuperável, embora, em meio à desordem de meus pensamentos, me parecesse, a princípio, uma coisa insuperável. Rasguei uma tira da barra de minha roupa e coloquei-a ao comprido no chão. formando um ângulo reto com a parede. Percorrendo as palpadelas o caminho em torno de meu calabouço, ao terminar o circuito teria de encontrar o pedaço de fazenda. Foi, pelo menos, o que pensei; mas não levara em conta as dimensões do calabouço, nem a minha fraqueza. O chão era úmido e escorregadio. Cambaleante, dei alguns passos, quando, de repente, tropecei e caí. Meu grande cansaço fez com que permanecesse caído e, naquela posição, o sono não tardou em apoderar-se de mim.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ao acordar e estender o braço, encontrei ao meu lado um pedaço de pão e um púcaro com água. Estava demasiado exausto para pensar em tais circunstâncias, e bebi e comi avidamente. Pouco depois, reiniciei minha viagem em torno do calabouço e, com muito esforço, consegui chegar ao pedaço de sarja. Até o momento em que caí, já havia contado cinqüenta e dois passos e, ao recomeçar a andar até chegar ao pedaço de pano, mais quarenta e oito. Portanto, havia ao todo cem passos e, supondo que dois deles fossem uma jarda, calculei em cerca de cinqüenta jardas a circunferência de meu calabouço. No entanto, deparara com numerosos ângulos na parede, e isso me impedia de conjeturar qual a forma da caverna, pois não havia dúvida alguma de que se tratava de uma caverna.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Tais pesquisas não tinham objetivo algum e, certamente, eu não alimentava nenhuma esperança; mas uma vaga curiosidade me Ievava a continuá-las. Deixando a parede, resolvi atravessar a área de minha prisão. A princípio, procedi com extrema cautela, pois o chão, embora aparentemente revestido de material sólido, era traiçoeiro, devido ao limo. Por fim, ganhei coragem e não hesitei em pisar com firmeza, procurando seguir cm linha tão reta quanto possível. Avancei, dessa maneira, uns dez ou doze passos, quando o que restava da barra de minhas vestes se emaranhou em minhas pernas. Pisei num pedaço da fazenda e caí violentamente de bruços.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Na confusão causada pela minha queda, não reparei imediatamente numa circunstância um tanto surpreendente, a qual, no entanto, decorridos alguns instantes, enquanto me encontrava ainda estirado, me chamou a atenção. Era que o meu queixo estava apoiado sobre o chão da prisão, mas os meus lábios e a parte superior de minha cabeça, embora me parecessem colocados numa posição menos elevada do que o queixo, não tocavam em nada. Por outro lado, minha testa parecia banhada por um vapor pegajoso, e um cheiro característico de cogumelos em decomposição me chegou às narinas. Estendi o braço para a frente e tive um estremecimento, ao verificar que caíra bem junto às bordas de um poço circular cuja circunferência, naturalmente, não me era possível verificar no momento. Apalpando os tijolos, pouco abaixo da boca do poço, consegui deslocar um pequeno fragmento e deixei-o cair no abismo. Durante alguns segundos, fiquei atento aos seus ruídos, enquanto, na queda, batia de encontro às paredes do poço; por fim, ouvi um mergulho surdo na água, seguido de ecos fortes. No mesmo momento, ouvi um som que se assemelhava a um abrir e fechar de porta. acima de minha cabeça, enquanto um débil raio de luz irrompeu subitamente através da escuridão e se extinguiu de pronto.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Percebi claramente a armadilha que me estava preparada, e congratulei-me comigo mesmo pelo oportuno acidente que me fizera escapar de tal destino. Outro passo antes de minha queda, e o mundo jamais me veria de novo. E a morte de que escapara por pouco era daquelas que eu sempre considerara como fabulosas e frívolas nas narrações que diziam respeito à Inquisição. Para as vítimas de sua tirania, havia a escolha entre a morte com as suas angústias físicas imediatas e a morte com os seus espantosos horrores morais. Eu estava destinado a esta última. Devido aos longos sofrimentos, meus nervos estavam à flor da pele, a ponto de tremer ao som de minha própria voz, de modo que era, sob todos os aspectos, uma vítima adequada para a espécie de tortura que me aguardava.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Tremendo dos pés à cabeça, voltei, às apalpadelas, até a parede, resolvido antes a ali perecer do que a arrostar os terrores dos poços, que a minha imaginação agora pintava. em vários lugares do calabouço. Em outras condições de espírito, poderia ter tido a coragem de acabar de vez com a minha miséria, mergulhando num daqueles poços; mas eu era, então, o maior dos covardes. Tampouco podia esquecer o que lera a respeito daqueles poços: que a súbita extinção da vida não fazia parte dos planos de meus algozes.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A agitação em que se debatia o meu espírito fez-me permanecer acordado durante longas horas; contudo, acabei por adormecer de novo. Ao acordar, encontrei ao meu lado, como antes, um pão e um púcaro com água. Consumia-me uma sede abrasadora, e esvaziei o recipiente de um gole só. A água devia conter alguma droga, pois, mal acabara de beber, tornei-me irresistivelmente sonolento. Invadiu-me profundo sono – um sono como o da morte. Quanto tempo aquilo durou, certamente, não posso dizer; mas, quando tornei a abrir os olhos, os objetos em torno eram visíveis. Um forte clarão cor de enxofre, cuja origem não pude a princípio determinar, permitia-me ver a extensão e o aspecto da prisão.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Quanto ao seu tamanho, enganara-me completamente. A extensão das paredes, em toda a sua. volta, não passava. de vinte e cinco jardas. Durante alguns minutos, tal fato me causou um mundo de preocupações inúteis. Inúteis, de fato, pois o que poderia ser menos importante, nas circunstâncias em que me encontrava, do que as simples dimensões de minha cela? Mas minha alma se interessava vivamente por coisas insignificantes, e eu me empenhava em explicar a mim mesmo o erro cometido em meus cálculos. Por fim, a verdade fez-se-me subitamente clara. Em minha primeira tentativa de exploração, eu contara cinqüenta e dois passos até o momento em que caí; devia estar, então, a um ou dois passos do pedaço de sarja; na verdade, havia quase completado toda a volta do calabouço. Nessa altura, adormeci e, ao despertar, devo ter voltado sobre meus próprios passos – supondo, assim, que o circuito do calabouço era quase o dobro do que realmente era. A confusão de espírito em que me encontrava impediu-me de notar que começara a volta seguindo a parede pela esquerda, e que a terminara seguindo-a para a direita.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Enganara-me, também, quanto ao formato da cela. Ao seguir o meu caminho, deparara com muitos ângulos, o que me deu idéia de grande irregularidade, tão poderoso é o efeito da escuridão total sobre alguém que desperta do sono ou de um estado de torpor! Os ângulos não passavam de umas poucas reentrâncias, ou nichos, situadas em intervalos iguais. A forma geral da prisão era retangular. O que me parecera alvenaria, parecia-me, agora, ferro, ou algum outro metal, disposto em enormes pranchas, cujas suturas ou juntas produziam as depressões. Toda a superfície daquela construção metálica era revestida grosseiramente de vários emblemas horrorosos e repulsivos nascidos das superstições sepulcrais dos monges. Figuras de demônios de aspectos ameaçadores, com formas de esqueleto, bem como outras imagens ainda mais terríveis, enchiam e desfiguravam as paredes. Observei que os contornos de tais monstruosidades eram bastante nítidos, mas que as cores pareciam desbotadas e apagadas, como por efeito da umidade. Notei, então, que o piso era de pedra. Ao centro, abria-se o poço circular de cujas fauces eu escapara – mas era o único existente no calabouço.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Vi tudo isso confusamente e com muito esforço, pois minha condição física mudara bastante durante o sono. Estava agora estendido de costas numa espécie de andaime de madeira muito baixo, ao qual me achava fortemente atado por uma longa tira de couro. Esta dava muitas voltas em torno de meus membros e de meu corpo, deixando apenas livre a minha cabeça e o meu braço esquerdo, de modo a permitir que eu, com muito esforço, me servisse do aumento que se achava sobre um prato de barro, colocado no chão. Vi, horrorizado, que o púcaro havia sido retirado, pois uma sede intolerável me consumia. Pareceu-me que a intenção de meus verdugos era exasperar essa sede, já que o alimento que o prato continha consistia de carne muita salgada.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Levantei os olhos e examinei o teto de minha prisão. Tinha de nove a doze metros de altura e o material de sua construção assemelhava-se ao das paredes laterais. Chamou-me a atenção uma de suas figuras, bastante singular. Era a figura do Tempo, tal como é comumente representado, salvo que, em lugar da foice, segurava algo que me pareceu ser, ao primeiro olhar, um imenso pêndulo, como esses que vemos nos relógios antigos. Havia alguma coisa, porém, na aparência desse objeto, que me fez olhá-lo com mais atenção.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Enquanto a observava diretamente, olhando para cima, pois se achava colocada exatamente sobre minha cabeça, tive a impressão de que o pêndulo se movia. Um instante depois, vi que minha impressão se confirmava. Seu oscilar era curto e, por conseguinte, lento. Observei-o, durante alguns minutos, com certo receio, mas, principalmente, com espanto. Cansado, por fim, de observar o seu monótono movimento, voltei o olhar para outros objetos existentes na cela.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Um ligeiro ruído atraiu-me a atenção e, olhando para o chão, vi que enormes ratos o atravessavam. Tinham saído do poço, que ficava a direita. bem diante de meus olhos. Enquanto os olhava, saíam do poço em grande número, apressadamente, com olhos vorazes, atraídos pelo cheiro da carne. Foi preciso muito esforço e atenção de minha parte para afugentá-los.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Talvez houvesse transcorrido meia hora, ou mesmo uma hora – pois não me era possível perceber bem a passagem do tempo -, quando levantei de novo os olhos para o teto. O que então vi me deixou atônito, perplexo. O oscilar do pêndulo havia aumentado muito, chegando quase a uma jarda. Como consequência natural, sua velocidade era também muito maior. Mas o que me perturbou, principal-mente, foi a ideia de que havia, imperceptivelmente, descido. Observei, então – tomado de um horror que bem se pode imaginar -, que a sua extremidade inferior era formada de uma lua crescente feita de aço brilhante, de cerca de um pé de comprimento de ponta a ponta. As pontas estavam voltadas para cima e o fio inferior era, evidentemente, afiado como uma navalha. Também como uma navalha, parecia pesada e maciça, alargando-se, desde o fio, numa estrutura larga e sólida. Presa a cela havia um grosso cano de cobre, e tudo isso assobiava, ao mover-se no ar.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Já não me era possível alimentar qualquer dúvida quanto à sorte que me reservara o terrível engenho monacal de torturas. Os agentes da Inquisição tinham conhecimento de que eu descobrira o poço – o poço cujos horrores haviam sido destinados a um herege tão temerário quanto eu -, o poço, imagem do inferno, considerado como a Última Tule de todos os seus castigos. Um simples acaso me impedira de cair no poço, e eu sabia que a surpresa, ou uma armadilha que levasse ao suplício constituíam uma parte importante de tudo o que havia de grotesco naqueles calabouços de morte. Ao que parecia, tendo fracassado a minha queda no poço, não fazia parte do plano demoníaco o meu lançamento no abismo e, assim, não havendo outra alternativa, aguardava-me uma forma mais suave de destruição. Mais suave! Em minha angústia, esbocei um sorriso ao pensar no emprego dessas palavras.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Para que falar das longas, longas horas de horror mais do que mortal, durante as quais contei as rápidas oscilações do aço? Polegada a polegada, linha a linha, descia aos poucos, de um modo só perceptível a intervalos que para mim pareciam séculos. E cada vez descia mais, descia mais!…</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Passaram-se dias, talvez muitos dias, antes que chegasse a oscilar tão perto de mim a ponto de me ser possível sentir o ar acre que deslocava. Penetrava-me as narinas o cheiro do aço afiado. Rezei – cansando o céu com as minhas preces – para que a sua descida fosse mais rápida. Tomado de frenética loucura, esforcei-me para erguer o corpo e ir ao encontro daquela espantosa e oscilante cimitarra. Depois, de repente, apoderou-se de mim uma grande calma e permaneci sorrindo diante daquela morte cintilante, como uma criança diante de um brinquedo raro.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Seguiu-se outro intervalo de completa insensibilidade -um intervalo muito curto, pois, ao voltar de novo à vida, não me pareceu que o pêndulo houvesse descido de maneira perceptível. Mas é possível que haja decorrido muito tempo; sabia que existiam seres infernais que tomavam nota de meus desfalecimentos e podiam deter, à vontade, o movimento do pêndulo. Ao voltar a mim, senti um mal-estar é uma fraqueza indescritíveis, como se estivesse a morrer de inanição. Mesmo entre todas as angústias por que estava passando, a natureza humana ansiava por alimento. Com penoso esforço, estendi o braço esquerdo tanto quanto me permitiam as ataduras e apanhei um resto de comida que conseguira evitar que os ratos comessem. Ao levar um bocado à boca, passou-me pelo espírito um vago pensamento de alegria… de esperança. Não obstante, .que é que tinha com a ver com a esperança? Era, como digo, um pensamento vago – desses que ocorrem a todos com freqüência, mas que não se completam. Mas senti que era de alegria, de esperança. Como senti, também, que se extinguira antes de formar-se. Esforcei-me em vão por completá-lo… por reconquistá-lo. Meus longos sofrimentos haviam quase aniquilado todas as Faculdades de meu espírito. Eu era um imbecil, um idiota.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A oscilação do pêndulo se processava num plano que tornava um ângulo reto com o meu corpo. Vi que a lâmina fora colocada de modo a atravessar-me a região do coração. Rasgaria a minha roupa, voltaria e repetiria a operação… de novo, de novo. Apesar da grande extensão do espaço percorrido – uns trinta pés, mais ou menos – e da sibilante energia de sua oscilação, suficiente para partir ao meio aquelas próprias paredes de ferro, tudo o que podia fazer, durante vários minutos, seria apenas rasgar as minhas roupas. E, ao pensar nisso, detive-me. Não ousava ir além de tal reflexão. Insisti sobre ela com toda atenção, como se com essa insistência pudesse parar ali a descida da lâmina. Comecei a pensar no som que produziria ao passar pelas minhas roupas, bem como na estranha e arrepiante sensação que o rasgar de uma fazenda produz sobre os nervos. Pensei em todas essas coisas fazendo os dentes rangerem, de tão contraídos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Descia… cada vez descia mais a lâmina. Sentia um prazer frenético ao comparar sua velocidade de cima a baixo com a sua velocidade lateral. Para a direita… para a esquerda… num amplo oscilar… com o grito agudo de uma alma penada; para o meu coração, com o passo furtivo de um tigre! Eu ora ria, ora uivava, quando esta ou aquela idéia se tornava predominante.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Sempre para baixo… certa e inevitavelmente! Movia-se, agora, a três polegadas do meu peito! Eu lutava violentamente, furiosamente. para livrar o braço esquerdo. Este estava livre apenas desde o cotovelo até a mão. Podia mover a mão, com grande esforço, apenas desde o prato, que haviam colocado ao meu lado, até a boca. Nada mais. Se houvesse podido romper as ligaduras acima do cotovelo, teria apanhado o pêndulo e tentado detê-lo. Mas isso seria o mesmo que tentar deter uma avalancha!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Sempre mais baixo, incessantemente, inevitavelmente mais baixo! Arquejava e me debatia a cada vibração. Encolhia-me convulsivamente a cada oscilação. Meus olhos seguiam as subidas e descidas da lâmina com a ansiedade do mais completo desespero; fechavam-se espasmodicamente a cada descida, como se a morte houvesse sido um alívio… oh, que alívio indizível! Não obstante, todos os meus nervos tremiam. à idéia de que bastaria que a máquina descesse um pouco mais para que aquele machado afiado e reluzente se precipitasse sobre o meu peito. Era a esperança que fazia com que meus nervos estremecessem, com que todo o meu corpo se encolhesse. Era a esperança – a esperança que triunfa mesmo sobre o suplício -, a que sussurrava aos ouvidos dos condenados à morte, mesmo nos calabouços da Inquisição.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Vi que mais umas dez ou doze oscilações poriam o aço em contato imediato com as minhas roupas e, com essa observação, invadiu-me o espírito toda a calma condensada e viva do desespero. Pela primeira vez durante muitas horas – ou, talvez dias – consegui pensar. Ocorreu-me, então, que a tira ou correia que me envolvia o corpo era inteiriça. Não estava amarrada por meio de cordas isoladas.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O primeiro golpe da lâmina em forma. de meia lua sobre qualquer lugar da correia a desataria, de modo a permitir que minha mão a desenrolasse de meu corpo. Mas como era terrível, nesse caso, a sua proximidade. O resultado do mais leve movimento, de minha parte, seria mortal! Por outro lado, acaso os sequazes do verdugo não teriam previsto e impedido tal possibilidade? E seria provável que a correia que me atava atravessasse o meu peito justamente no lugar em. que o pêndulo passaria? Temendo ver frustrada essa minha fraca e, ao que parecia, última esperança, levantei a cabeça o bastante par ver bem o meu peito. A correia, envolvia-me os membros e o corpo fortemente em todas as direções, menos no lugar em que deveria passar a lâmina assassina.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mal deixei cair a cabeça em sua posição anterior, quando senti brilhar em meu espírito algo que só poderia descrever aproximadamente, dizendo que era como que a metade não formada da idéia de liberdade a que aludi anteriormente, e da qual apenas uma parte flutuou vaga-mente em meu espírito quando levei o alimento aos meus lábios febris. Agora, todo o pensamento estava ali presente – débil, quase insensato, quase indefinido -, mas, de qualquer maneira, completo. Procurei imediatamente, com toda a energia nervosa do desespero, pô-lo em execução.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Havia várias horas, um número enorme de ratos se agitava junto do catre em que me achava estendido. Eram temerários, ousados, vorazes; fitavam sobre mim os olhos vermelhos, como se esperassem apenas minha imobilidade para fazer-me sua presa. “A que espécie de alimento”, pensei, “estão eles habituados no poço?” Haviam devorado, apesar de todos os meus esforços para o impedir, quase tudo o alimento que se encontrava no prato, salvo uma pequena parte. Minha mão se acostumara a um movimento oscilatório sobre o prato e, no fim, a uniformidade inconsciente de tal movimento deixou de produzir efeito. Em sua veracidade, cravavam freqüentemente em meus dedos os dentes agudos. Com o resto da carne oleosa e picante que ainda sobrava. esfreguei fortemente, até o ponto em que podia alcançá-la, a correia com que me haviam atado. Depois, erguendo a mão do chão, permaneci imóvel, quase sem respirar.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A princípio, os vorazes animais ficaram surpresos c aterrorizados com a mudança verificada – com a cessação de qualquer movimento. Mas isso apenas durante um momento. Não fora em vão que eu contara com a sua voracidade. Vendo que eu permanecia imóvel, dois ou três dos mais ousados soltaram sobre o catre e puseram-se a cheirar a correia. Disse-ia que isso foi o sinal para a investida geral. Vindos da parede, arremeteram em novos bandos. Agarraram-se ao estrado, galgaram-no e pularam. as centenas sobre o meu corpo. O movimento rítmico do pêndulo não os perturbava de maneira alguma. Evitando seus golpes, atiraram-se à correia besuntada. Apertavam-se, amontoavam-se sobre mim. Contorciam-se sobre meu pescoço; seus focinhos, frios. procuravam meus lábios. Sentia-me quase sufocado sob o seu peso. Um asco espantoso, para o qual não existe nome, enchia-me o peito e gelava-me, com pegajosa umidade, o coração. Mais um minuto, e percebia que a operação estaria terminada. Sentia claramente que a correia afrouxava. Sabia que, em mais de um lugar, já devia estar completamente partida. Com uma determinação sobre-humana continuei imóvel.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Não errei em meus cálculos; todos esses sofrimentos não foram em vão. Senti, afinal, que estava livre. A correia pendia, em pedaços, de meu corpo. Mas o movimento do pêndulo já se realizava sobre o meu peito. Tanto a sarja da minha roupa, como a camisa que vestia já haviam sido cortadas. O pêndulo oscilou ainda por duas vezes, e uma dor aguda me penetrou todos os nervos. Mas chegara o momento da salvação. A um gesto de minha mão, meus libertadores fugiram tumultuosamente. Com um movimento decidido, mas cauteloso, deslizei encolhido, lentamente, para o lado, livrando-me das correias e da lâmina da cimitarra. Pelo menos naquele momento, estava livre.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Livre! E nas garras da Inquisição! Mal havia escapado daquele meu leito de horror e dado uns passos pelo piso de pedra da prisão, quando cessou o movimento da má-quina infernal e eu a vi subir, como que atraída por alguma força invisível, para o teto. Aquela foi uma lição que guardei desesperadamente no coração. Não havia dúvida de que os meus menores gestos eram observados. Livre! Escapara por pouco à morte numa determinada forma de agonia, apenas para ser entregue a uma outra, pior do que a morte. Com este pensamento, volvi os olhos, nervosamente, para as paredes de ferro que me cercavam. Algo estranho – uma mudança que, a princípio, não pude apreciar claramente – havia ocorrido, evidentemente, em minha cela. Durante muitos minutos de trêmula abstração, perdi-me em conjeturas vãs e incoerentes. Pela primeira vez percebi a origem da luz sulfurosa que alumiava a cela. Procedia de uma fenda, de cerca de meia polegada de largura, que se estendia em torno do calabouço, junto a base das paredes, que pareciam, assim, e, na verdade estavam, completamente separadas do solo. Procurei, inutilmente, olhar através dessa abertura.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ao levantar-me, depois dessa tentativa, o mistério da modificação verificada tornou-se-me, subitamente, claro. Já observara que, embora os contornos dos desenhos das paredes fossem bastante nítidos, suas cores, não obstante, pareciam apagadas e indefinidas. Essas cores, agora, haviam adquirido, e estavam ainda adquirindo, um brilho intenso e surpreendente, que dava às imagens fantásticas e diabólicas um aspecto que teria arrepiado nervos mais firmes do que os meus. Olhos demoníacos, de uma vivacidade sinistra e feroz, cravavam-se em mim de todos os lados, de lugares onde antes nenhum deles era visível, com um brilho ameaçador que eu, em vão, procurei considerar como irreal.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Irreal! Bastava-me respirar para que me chegasse às narinas o vapor de ferros em brasa! Um cheiro sufocante invadia a prisão! Um brilho cada vez mais profundo se fixava nos olhos cravados em minha agonia! Um vermelho mais vivo estendia-se sobre aquelas pinturas horrorosas e sangrentas. Eu arquejava. Respirava com dificuldade. Não poderia haver dúvida quanto à intenção de meus verdugos, os mais implacáveis, os mais demoníacos de todos os homens! Afastei-me do metal incandescente,colocando-me ao centro da cela. Ante a perspectiva da morte pelo fogo,que me aguardava, a idéia da frescura do poço chegou à minha alma como um bálsamo. Precipitei-me para as suas bordas mortais. Lancei o olhar para o fundo. O resplendor da abóbada iluminava as suas cavidades mais profundas. Não obstante, durante um minuto de desvario, meu espírito se recusou a compreender o significado daquilo que eu via. Por fim, aquilo penetrou, à força, em minha alma, gravando-se a fogo em minha trêmula razão. Oh, indescritível! Oh, horror dos horrores! Com um grito, afastei-me do poço e afundei o rosto nas mãos, a soluçar amargamente.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O calor aumentava rapidamente e, mais uma vez, olhei para cima, sentindo um calafrio. Operara-se uma grande mudança na cela – e, dessa vez, a mudança era, evidentemente, de forma. Como acontecera antes, procurei inutilmente apreciar ou compreender o que ocorria. Mas não me deixaram muito tempo em dúvida. A vingança da Inquisição se exacerbara por eu a haver frustrado por duas vezes – e não mais permitiria que zombasse dela! A cela, antes, era quadrada. Notava, agora, que dois de seus ângulos de ferro eram agudos, sendo os dois outros, por conseguinte, obtusos. Com um ruído surdo, gemente, aumentava rapidamente o terrível contraste. Num instante, a cela adquirira a forma de um losango. Mas a modificação não parou aí – nem eu esperava ou desejava que parasse. Poderia haver apertado as paredes incandescentes de encontro ao peito, como se fossem uma vestimenta de eterna paz. “A morte”, disse de mim para comigo. “Qualquer morte, menos a do poço!” Insensato! Como não pude compreender que era para o poço que o ferro em brasa me conduzia? Resistiria eu ao seu calor? E, mesmo que resistisse, suportaria sua pressão? E cada vez o losango se aproximava mais, com uma rapidez que não me deixava tempo para pensar. Seu centro e, naturalmente, a sua parte mais larga chegaram até bem junto do abismo aberto. Recuei, mas as paredes, que avançavam, me empurravam, irresistivelmente, para a frente. </span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Por fim, já não existia, para o meu corpo chamuscado e contorcido, senão um exíguo lugar para firmar os pés, no solo da prisão. Deixei de lutar, mas a angústia de minha alma se extravasou em forte e prolongado grito de desespero. Senti que vacilava à boca do poço, e desviei os olhos… Mas ouvi, então, um ruído confuso de vozes humanas! O som vibrante de muitas trombetas! E um rugido poderoso, como de mil trovões, atroou os ares! As paredes de fogo recuaram precipitadamente! Um braço estendido agarrou o meu, quando eu, já quase desfalecido, caía no abismo. Era o braço do General Lassalle. O exército francês entrara em Toledo. A Inquisição estava nas mãos de seus inimigos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fonte: </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/09/o-poco-e-o-pendulo-edgar-allan-poe.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-50263009400324621202017-03-17T15:00:00.003-03:002017-03-17T15:00:40.852-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Pesadelo</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-3164753925477367800" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Era mais de meia-noite, a garota Laura estava deitada em sua cama, com os olhos bem abertos ela encarava o teto, não queria dormir, tinha medo. Era horrível saber que depois que fechasse seus olhos o inferno começaria. A menina sofria muito, todas as noites ela tinha o mesmo pesadelo, um pesadelo que fazia sua vida parecer sem sentido, que a impedia de ser feliz. Essa era a realidade da pobre garota.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como em todas as noites, Laura rezou, pedindo a Deus que desse vez ela tivesse uma boa noite de sono, que o pesadelo que lhe impedia de seguir em frente não lhe atormentasse. A garota terminou de rezar e fechou seus olhos. Dormiu e sonhou.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Laura estava na mesa jantando, acompanhada de sua mãe Márcia e sua única irmã, Maria. Maria era 5 anos mais velha que Laura, tinha 17 anos e era uma garota muito inteligente e responsável. A mãe de Laura, Márcia, tinha 34 anos e nos últimos 5 vinha se esforçando muito para cuidar das filhas, sempre fora uma mãe boa e sentia-se uma mulher realizada com sua família, até que seu marido, Olavo, começara a beber todos os dias e assim fazer muita confusão quando chegava em casa.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Sentados na mesa os três pareciam uma família normal, mas o clima só estava tranquilo por que ainda eram 20:30 da noite e Olavo ainda não havia chegado.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Não demorou muito para que a porta do apartamento se abrisse e o homem entrasse com uma cara de louco, totalmente possuído pela bebida. Olavo era um desses homens que bebe e não fica exatamente bêbado, mas sim agressivo, chegando ao ponto de fazer coisas sem sentido. Em muitas brigas as garotas escutavam a mãe falando que o pai agia como se estivesse possuído pelo Diabo, Laura odiava ouvir isso, morria de medo.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Olavo entrou, foi para o quarto, voltou até a cozinha e sentou-se do lado da esposa para jantar, Laura e sua irmã permaneceram quietas, já fazia muito tempo que elas passaram a ter medo do pai. O homem começou a comer, mas depois de quatro colheres de comida pegou o prato e o jogou no chão, quebrando todo o clima que havia na casa á poucos minutos atrás.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Maria vá para o seu quarto... Você e sua irmã. Falou Márcia.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Isso, vão mesmo, por que ninguém aguenta comer esse lixo! Disse o homem que já nem parecia Olavo, o carinhoso pai que as meninas tiveram um dia.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Laura foi abraçada pela irmã e levada para o seu quarto. As meninas encostaram a porta, sentaram-se na cama e Maria disse a irmã.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Fique tranquila, ta tudo bem, ok? Daqui a pouco o pai dorme e tudo vai passar!</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Ta bom. Respondeu Laura com um rosto triste, a menina estava cansada daquela situação, sem contar que tinha medo de que uma tragédia um dia acontecesse.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">As coisas não melhoraram, o tempo foi passando e a discussão do casal só foi piorando. Laura começou a chorar, não aguentava ver os pais brigando, Maria abraçava a irmã cada vez mais forte. De repente as garotas ouviram Márcia gritando de dor, um grito longo carregado não só de dor, mas também de raiva e medo. Maria não sabia o que fazer, eles nunca se agrediam, brigavam quase todos os dias, mas o pai nunca havia levantado a mão para a esposa.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Na cozinha o barulho era alto, Maria agora tinha certeza uma luta estava acontecendo, mas o tumulto não durou muito tempo, depois de ouvir barulhos de cadeiras sendo derrubadas e mais um grito de Márcia o silêncio tomou conta da casa.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Laura estava confusa, ela só tinha 12 anos, mas sabia que havia algo errado, ela sentia isso.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Fica aqui, eu vou dar uma olhada, mamãe deve ter arrumado as coisas, decerto ele foi dormir agora. Fica aqui, sentadinha. Falou Maria tentando acalmar sua irmã caçula.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Laura tentou ficar mais calma, com o olhar acompanhou sua irmã até a porta depois viu que a irmã abriu uma fresta e tentou sondar o que estava acontecendo na cozinha. A garotinha então notou que sua irmã não se mexia, parecia estar em choque. Laura levantou da cama e foi em direção a porta, se agachou em baixo da irmã e contemplou a cena que tinha deixado Maria sem movimentos.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O pai, Olavo, estava debruçado em cima de Márcia, que não reagia, o homem serrava o pescoço da esposa com uma faca, faca que provavelmente era uma das que a mãe havia colocado na mesa juntamente com os garfos e pratos para o jantar. Olavo parecia estar concentrado no trabalho pois nem se importava com o sangue que era jorrado da garganta da esposa. Laura não aguentou a cena e acabou expressando uma reação que interviu no monstruoso ato do pai. A menina gritou, um grito agudo e baixo, quase sem voz, mas que chegou aos ouvidos de Olavo, o homem se virou em direção ao som e viu as duas filhas paradas na porta do quarto.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Laura olhou para o monstro que estava tomando conta do corpo de seu pai e ficou ainda mais assutada quando o mesmo a fitou com um olhar carregado de maldade, Olavo naquele momento era um demônio em pessoa. O homem levantou com a faca na mão, o rosto e camisa cobertos de sangue e com um sorriso no rosto avançou em direção à suas filhas.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Com o grito de Laura, Maria saiu do transe e ao ver o pai vindo em sua direção fechou com pressa a porta do quarto, a garota trancou a porta.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Laura olhou para a irmã mais velha e sentiu-se segura, Maria era uma garota que pensava rápido. A filha mais velha de Olavo pegou seu celular e ligou para sua tia Renata, que era irmã de Márcia e ao mesmo tempo uma segunda mãe para as meninas.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Tia, venha pra cá agora, o pai bateu na mãe... ele ta com uma faca e quer pegar eu e a Laura, a gente ta trancada no quarto, eu não sei mais o que fazer! – Disse a garota desesperada.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando ela desligou o celular o demônio já batia na porta, cada vez com mais força! E a porta já dava sinais de que não ia aguentar mais ser forçada.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Laura se esconde, entra em baixo da cama, vai!</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A pequena menina fez isso e Maria foi até a porta para impedir a entrada do pai. Mas o monstro era mais forte, a porta balançou e a fechadura estourou.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Debaixo da cama o pesadelo da pobre Laura continuou, ela viu mais uma cena horrível, o pai agredindo a irmã, puxando seus cabelos, a jogando no chão. O monstro então subiu em cima de Maria e se preparou para destroça-la, mas antes que a lamina descesse a atingisse Maria, a garota olhando para a irmã caçula que estava embaixo da cama, gritou:</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Fuja Laura! Fuja!</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Laura então saiu debaixo da cama e se preparou para correr para porta, enquanto isso seu pai rasgava o pescoço sua querida irmã. A garotinha tentou avançar para a saída do quarto mas seu pai foi mais rápido, quando Laura tentou fugir pela porta acabou dando de frente com Olavo, o homem a encarava sorrindo.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Ainda não é hora de ir minha pequena. Venha, eu tenho um coisa para você. Falou o homem totalmente alterado.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A menina entendeu que por ali não havia escapatória, então correu para a janela do quarto, sua única chance. Chegando lá encarou a queda. A família morava no terceiro andar.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Não, não Laurinha... você não vai fugir do papai sua vagabunda!</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Disse o demônio correndo em direção a menina, para terminar o que havia começado.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas agora Laura já havia subido na janela e antes de pular pedido a Deus que tudo aquilo fosse apenas um pesadelo, pois a vida não faria sentido se aquilo fosse real. Como ela viveria sabendo que o pai matou a mãe e a irmã e que estava atrás dela?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Não, não fazia sentido mesmo! A vida não seria justa se tudo aquilo fosse verdade!</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Laura fechou os olhos e pulou.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> Sentiu que a mão de seu pai quase a agarrou, mas o monstro não havia conseguido, agora ela estava livre, caia de pé e enquanto seu corpo era levado até o chão, lembrou de quantas vezes tinha olhado para aquela janela e ficado com medo de cair de um lugar tão alto. Chegará até a lembrar de uma conversa que teve com a irmã:</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Se eu pular daqui eu posso sair voando Maria? </span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Acho não Laura, você ainda não tem asas. – Lhe respondeu Maria, sorrindo.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas agora ela tentava imaginar que a queda era pequena, que não seria preciso assas e que quando seus pés atingissem o chão, ela se afirmaria na terra, estaria a salvo.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Só que em pesadelos as coisas nunca são como nós queremos, quando Laura atingiu o solo, sentiu a maior dor de sua vida, o impacto foi tão forte que a garota berrou de dor ao sentir os ossos das pernas se espremendo, sendo despedaçados pela força da gravidade. Era como se suas pernas tivesse sido arrancadas. Gritou e nesse momento teve a certeza de que a morte havia lhe alcançado. Gritou e abriu os olhos para ver como era o céu, pois no fundo do seu coração sabia que era esse seu destino. O paraíso, junto de sua mãe e de sua irmã.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ao abrir os olhos Laura não estava no céu, mas sim no seu quarto, estava deitada na cama, suando muito, apavorada, o pesadelo novamente atormentara a garota. A luz do quarto se acendeu e Laura ouviu alguém dizer:</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Foi o pesadelo de novo minha filha?</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Uhum. Confirmou a menina.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Não se preocupe, nós vamos superar isso, você vai ver, eu vou dar um jeito de resolver isso.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas Laura no fundo sabia que seria muito difícil alguém resolver seu problema.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– Eu posso ir dormir com você? Perguntou Laura.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">– É claro minha linda. Disse sua tia Renata, enquanto se aproximava da cama da sobrinha.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A mulher se perguntava até quando a pobre Laura ia ficar revivendo aquela horrível memória. Até quando a garota iria ficar revivendo o pior momento de sua vida.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Não sabia... Mas ela iria ajudar a sobrinha, depois de tudo o que ela havia passado, depois de perder a mãe e a irmã.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Renata não deixaria Laura sozinha, ainda mais sabendo que Olavo estava preso não muito distante dali.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Vamos Laura, quem sabe lá no quarto você durma mais um pouco minha filha.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Renata beijou a testa de Laura e ajudou a garotinha que agora tinha 14 anos a subir em sua cadeira de rodas. Levou a pequena para o seu quarto e enquanto empurrava a cadeira de Laura a tia também chorava, chorava por que seus pedidos a Deus não se realizam, já fazia mais de dois anos que Laura era atormentada por aquela horrível memória, chorava por que não entendia o motivo de a vida ser tão injusta com uma inocente criança.</span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Fonte:</span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/08/o-pesadelo.html</span></span></div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-43537172568723985952017-03-16T07:44:00.003-03:002017-03-16T07:44:57.987-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Noivado Infeliz De Aurélia</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-6726798854295729092" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Os fatos que se seguem foram narrados numa carta que me escreveu uma jovem da bela cidade de San José.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Devo esclarecer que não conheço, em absoluto, a signatária do referido documento, que se assina simplesmente Aurélia-Maria – provavelmente um pseudônimo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A pobre garota tem o coração transtornado pelos infortúnios que vem sofrendo. E sente-se tão perturbada pelos conselhos, uns diferentes dos outros, de amigos ignorantes e inimigos insidiosos, que não sabe mais o que fazer mais para se ver livre da teia do destino, na qual parece encontrar-se presa para sempre.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Nervosa, recorre a mim, suplicando-me que lhe dirija os meus conselhos, falando-me com uma eloqüência extraordinária, que tocaria o coração de uma estátua.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ouçamos a sua triste história.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Aurélia tinha dezesseis anos – diz ela – quando encontrou e amou, com todo o ardor de uma alma apaixonada, um rapaz de New Jersey, chamado Wilhamson Brockinrid-ge Caruthers, quase seis anos mais velho que ela.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Com o consentimento de seus pais, ficaram noivos, e durante um largo período tudo correu muito bem, como se os noivos estivessem imunizados contra os instantes de desgraça que sempre tocam à humanidade.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Um dia, entretanto, a face da realidade transformou-se. O jovem Caruthers caiu de cama com varíola, e da espécie mais virulenta e terrível. Quando ficou bom, tinho o rosto desfigurado, a pele marcada pelas bexigas. Já não era o mesmo, porque a sua beleza desaparecera para sempre.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Aurélia pensou logo em romper o seu compromisso, mas, por uma questão de piedade para com o infeliz, limitou-se a transferir o casamento para depois, como que dando uma oportunidade ao pobre rapaz.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Acontece que na véspera do casamento, Caruthers, quando acompanhava com os olhos um balão que subia aos céus, caiu, dis-traído, num poço, e quebrou uma perna. Tiveram de amputá-la acima do joelho.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Novamente Aurélia teve a intenção de acabar com o noivado e novamente o amor triunfou. O casamento foi transferido e ela dei-xou que o tempo corresse.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Outra infelicidade aguardava o noivo cai-pora. Caruthers perdeu um braço quando de uma descarga imprevista de um canhão, numa festa cívica. Ainda na convalescença. três me-ses depois, teve o outro esmagado numa pren-sa agrícola.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O coração da pobre Aurélia foi horrivelmente machucado por essas verdadeiras cala-midades. Era enorme a sua aflição, por ver seu jovem noivo abandoná-la pedaço por pe-daço e imaginar que, com esse sistema de progressiva redação, com pouco nada mais restaria do rapaz. E doía-lhe verificar que nada podia fazer por ele.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Em seu desespero, coitada, como um negociante que teima num negócio e tem prejuízo regularmente, todos os dias, Aurélia sentia um grande e profundo arrependimento por não haver casado logo de início com Caruthers. antes que ele sofresse tão alarmante de-preciação. Mas, encarando a situação com ânimo firme, resolveu pôr à prova, ainda uma vez, as lamentáveis disposições do seu noivo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Foi marcado o dia do casório e de novo turvou-se o céu com as nuvens da desilusão. É que Caruthers caiu doente com um acesso de erisipela e foi então que perdeu um dos olhos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Os pais e os amigos da moça, tendo em vista que a sua generosa obstinação já excedia os limites normais, novamente intervieram e insistiram para que se considerasse nulo o seu noivado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Aurélia chegou a hesitar, apesar da sua imensa bondade de sentimentos, porém respondeu a todos que, refletindo direito sobre o assunto, verificara que não tinha nenhuma razão de queixa contra o noivo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Foi transferida a data do casamento, e eis que Caruthers quebra a outra perna.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Para a pobre noiva foi bem triste o dia em que, no hospital. viu os cirurgiões mandarem arrastar para um canto o saco que continha mais uma parte do corpo do seu amado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Aurélia sentiu uma emoção cruel, perce-bendo que mais um pedaço do homem que iria ser seu esposo ia desaparecer. Sentiu, sobretudo, que o campo de suas afeições mais puras diminuía a olhos vistos. Contudo, não atendeu aos rogos dos seus, quanto à anulação do seu compromisso, e só fez mesmo transferir o casamento.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Enfim, poucos dias antes da data fixada, aconteceu outra desgraça. Foi o seguinte: durante o ano, os índios de Owen River arrancaram o couro cabeludo de um só homem, e este homem foi Wilhiamson Brockiridge Caruthers, de New Jersey.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ainda assim, o pobre-diabo fez-se trans-portar imediatamente para a casa de sua noiva, o coração transbordante de alegria, embora tivesse perdido os cabelos para sempre. Apesar de todo o seu desgosto, ainda deu graças a Deus por haver-se salvo, mesmo por esse preço exorbitante.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A esta altura, Aurélia está indecisa quanto à atitude que deve tomar. Ainda ama o noivo – é o que ela me escreve em sua carta. O noivo ou o pedaço de noivo que lhe resta. Ama-o de todo o coração, porém sua família se opõe terminantemente ao casamento.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Caruthers é pobre e não pode mais trabalhar. Por sua vez, Aurélia não temo necessário para que possam viver os dois juntos, com relativo conforto.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Que devo fazer? – eis o que ela me pergunta, numa indecisão cruel.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Esta é, com efeito, uma questão delicada. Questão cuja resposta deve decidir sobre o destino de uma mulher e de um pedaço de homem.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Estou certo de que seria assumir uma grande responsabilidade responder indo além de uma simples sugestão.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Quanto custaria a reconstituição de um Caruthers completo? Se Aurélia tem algum recurso, deve comprar para o seu noivo muti-lado umas pernas artificiais, um olho de vidro e uma cabeleira postiça, para torná-lo apresentável. Feito isto, seria conveniente que lhe desse um prazo improrrogável de noventa dias, ao fim do qual, se o rapaz não torcer o pescoço, poderá arriscar-se a casar com ele.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Não creio que assim procedendo Aurélia se aventure a grande risco, de qualquer maneira. Se Caruthers ainda uma vez cede à tentação estranha de quebrar alguma coisa sempre que se lhe apresenta a ocasião propícia, sua próxima experiência na certa será fatal, e então a pobre noiva poderá ficar tranqüila, casada ou não. Casada, as pernas de pau e outros objetos, propriedade do defunto, ficarão como herança para a viúva, e assim Aurélia não perderá nada, a não ser, na realidade, o último pedaço vivo dum esposo honesto e infeliz, que durante a vida toda não fez outra coisa senão contentar os seus extraordinários instintos de autodestruição.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">É tentar a sorte, portanto. Refleti bastante sobre o assunto, e este me parece o melhor partido a tomar no caso.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Decerto, Caruthers teria agido com acerto se houvesse tentado quebrar o o pescoço logo da primeira vez, tratando de fazer coisa definitiva. Já que escolheu outro método, dispondo-se a prolongar o sacrifício o mais possível, não se pode criticá-lo, por haver feito o que lhe pareceu melhor. Deve-se é procurar tirar o melhor proveito das circunstâncias, sem o menor ressentimento.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fonte:</span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/09/o-noivado-infeliz-de-aurelia.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-77092669995492316202017-03-15T07:47:00.000-03:002017-03-15T07:47:44.796-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Mágico e o Mago</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-7856790384910190040" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Praça da Sé, São Paulo. O jovem de roupas pretas, camisa aberta e maquiagem negra nos olhos sabe que, naquele momento, a multidão à sua volta está torcendo para que tudo dê errado e eles tenham uma bela história de desgraça para contar, sobre um idiota aveadado metido a mágico que foi parar no hospital.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele respira fundo e se concentra no truque que vai executar. Afinal, se der errado, ele realmente pode acabar no hospital.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A imensa cruz em X está deitada no chão. Ele caminha e se deita sobre ela. Seus assistentes se aproximam e, com auxilio de pesadas marretas, começam a pregá-lo na cruz, com grossos pregos, que fazem jorrar sangue de suas mãos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Seu rosto se cotorce como se suportasse uma dor lancinante em silêncio. A platéia se admira, pois a visão de alguém sendo crucificado tem sempre um apelo muito forte.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Seus assistentes levantam a cruz do chão e a colocam de pé. Ato contínuo, a cobrem com um grosso e enorme pano negro.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Alguns instantes depois, eles removem o pano e pronto - não há mais ninguém pregado na cruz.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A platéia se admira com o truque e fica ainda mais admirada quando, educadamente, o jovem pede licença e abre passagem entre a atônita platéia, voltando ao lado da cruz e exibindo as mãos, com um ferimento em cada palma.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A multidão explode em aplausos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Com excessão de um homem de expressão séria, que observa tudo sem se emocionar com o truque.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">De certa forma, ele lamenta a má sorte do jovem mágico.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">****</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A fama era cada vez mais inebriante, a mais deliciosa das drogas.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O aplauso do público, fascinado com os truques, incapaz de conceber como aquele rapaz era capaz de realizar todos aqueles prodígios.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Aquilo era melhor do que sexo!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">E foi com aquela sensação orgástica que ele entrou no camarim e se jogou num pequeno sofá, exausto.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Aliás, precisava lembrar sua secretária de comprar mais daqueles suplementos vitamínicos. Estava cada dia mais e mais cansado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Talvez devesse ir ao médico...</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Está começando. Você está cada dia mais cansado, não é?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele sentiu o coração quase pular pela boca com o susto.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O velho surgira por detrás de uma das araras onde suas fantasias ficavam penduradas.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- A cada dia o ídolo vai cobrar um pouco mais pelo que lhe deu, ate que ele corroa completamente a sua alma.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">"Merda" - ele pensou - "Como esse velho entrou aqui? E como ele sabe da estátua?"</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- E ele não pode ser dado ou jogado fora. Ele só aceita ser roubado. Que, aliás, foi o jeito que você o retirou de mim.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A expressão do jovem foi se enchendo de ódio.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Saia daqui, velho filho da puta. Não roubei merda nenhuma nem de você, nem de ninguém!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O velho sorriu.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Fique tranquilo. Eu não vim para tentar recuperar o ídolo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">E se dirigiu para a porta do camarim. Ao sair, disse para o jovem:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Eu só vim agradecer.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">E se foi.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">****</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Na verdade, ele não mentiu para o velho quando disse que não roubara nada. Ele receptara o que um de seus assistentes roubara.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ser mágico de rua não é uma carreira que pague bem e, ao contrário do que os Beatles diziam, amor não é tudo que você precisa.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Então eles roubavam, receptavam e revendiam coisas roubadas.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele mesmo não sabia porque mantivera aquela estatueta horrorosa consigo. Tem sempre um imbecil disposto a comprar objetos de arte, por mais impossível que seja enxergar arte numa estátua que mais parecia um hipopótamo sentado, com a boca aberta numa gargalhada cheia de dentes pontiagudos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Fato é que não apenas ficou com o ídolo, como ainda tratou de escondê-lo o melhor que pode.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Coincidência ou não, foi nessa época que a boa sorte começou a soprar para o seu lado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele viu num aparelho de TV que estava exposto numa loja das casas Bahia: o tal americano que fazia mágica no meio da rua, mas não truques bobos, truques elaborados.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele pirou no visual do cara, nada daquela coisa de capa e cartola. Uma roupa preta tipo emo, maquiagem preta no rosto.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele tinha certeza que ninguém no Brasil estava fazendo nada parecido e que iam adorar se alguém fizesse.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">E foi o que ele fez.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Dois anos depois, lá estava ele. Não dormia mais em quartos de pensão, muito menos em banco de praça, quando o dinheiro faltava.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Morava num flat na região dos Jardins, em São Paulo. Estava rico e famoso. Recebera até um convite para visitar a Ilha de Caras.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas fora obrigado a recusar o convite. Seu físico estava cada dia pior. Tivera de começar a se apresentar de camisa fechada.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Estava cada dia mais magro. Mais cansado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Precisava fazer alguma coisa...</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">****</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O velho não se surpreendeu ao olhar a tela do porteiro eletrônico e ver que o rapaz estava em sua porta.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Era normal, um padrão que se repetia, mostrando que a Humanidade sabia como insistir nos seus erros.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Apertou o botão que destravou a tranca eletrônica e deixou seu visitante subir.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O rapaz foi bastante direto:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O ídolo: é ele que está me matando?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O velho apenas balançou a cabeça.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Eu lhe avisei. Ele irá consumí-lo aos poucos, não só seu corpo, mas principalmente sua alma.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Vendo o olhar de desespero do mais jovem, o velho foi direto:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Eu já respondi sua pergunta na primeira vez que nos vimos: você só pode se livrar dele se alguém roubá-lo de você.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O jovem encolheu-se em desespero mudo sobre o sofá da sala do velho.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Pelo seu desespero, vejo que já procurou os médicos. E eles não acharam nada errado com você...</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O jovem continuou mudo, olhando fixamente para a frente. Estava morrendo e não sabia o que dizer.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Não posso fazer mais nada por você, meu jovem. A não ser lhe desejar que tenha a mesma sorte que eu e alguém o roube de você.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O jovem nessa hora levantou-se de supetão: já sabia o que fazer. Dirigiu-se para a porta, sem sequer despedir-se do velho, que limitou-se a apertar o botão que abria o portão.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">****</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O jovem saiu e o velho ficou sozinho com seus pensamentos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Estava realmente feliz. Seus planos estavam muito próximos de sua conclusão. E ele sairia vitorioso.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Havia muitas coisas que ele não contara ao jovem mágico.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A primeira delas era que enquanto o mágico nada sabia, perdido num labirinto de sombras, ele era um mago e o conhecimento era sua maior arma.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele estudara a história do ídolo profundamente.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Osteogoroth, o mercador de almas, fora adorado como um deus quando a humanidade ainda era jovem.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas Osteogoroth, como todo mercador, só trabalhava com trocas. Ele trazia boa sorte, mas exigia em troca coisas preciosas. Nos tempos e lugares onde era cultuado, sacrifícios de sangue eram realizados em seu nome.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Com o tempo, a civilização deixou para trás os sacrifícios e o ídolo passou por várias mãos e trouxe muita sorte, sempre paga com desgraças e tristezas. Mas o ser humano sempre acredita que o mal só acontece para os outros, então lá ia o ídolo para novas mãos, repetir a mesma história.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Osteogoroth, como toda força maligna, trapaceia em suas negociações. O velho soube disso ao estudar sua história e, quando o roubou de seu dono anterior, sabia o que pedir para ser bem sucedido naquele jogo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Onde muitos pediam riqueza, ele pediu conhecimento. E usou esse conhecimento para fazer sua riqueza.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Claro que logo o ídolo começou a se alimentar dele, mas ele já estava pronto para aquilo e já havia preparado o caminho de quem roubaria o ídolo dele muito antes de se envolver com o mercador de almas.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Anos antes de roubar o ídolo, ele hipnotizou uma criança, um menino morador de rua, para que viesse procurá-lo no futuro. Para que viesse roubá-lo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Fez isso porque sabia que, se tentasse qualquer coisa para desfazer o pacto depois de selado, a fúria de Osteogoroth cairia sobre ele.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Era um detalhe importante, que o jovem mágico não sabia.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">****</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Não há honra entre ladrões.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O jovem mágico colocou o ídolo bem à vista, sobre um aparador da sala de jantar do hotel onde estava hospedado e que possuía uma casa de shows onde ele estava se apresentando.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ato seguinte, foi conversar com um de seus assistentes, o mesmo que roubara o ídolo anos antes.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Olha, você sempre foi muito gente fina comigo, então também vou ser legal com você: naquela estatueta tem um papel escondido, com os números e senhas das minhas contas no Brasil e no exterior. Se acontecer alguma coisa comigo, fique com ele para você. É melhor do que um testamento, porque aí você não vai ter que dividir nada com o governo, certo?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Enquanto seu assistente se desmanchava em agradecimentos, o jovem mágico sabia que o outro assistente ouvia tudo atrás da porta. Algum dos dois não resistiria a tentação de roubá-lo. Um, porque com certeza estava se sentindo traído; o outro, porque com certeza não iria esperar que algo acontecesse para se apossar da fortuna.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">E toda esta cena se desenrolou perante os atentos olhos e ouvidos de Osteogoroth.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">****</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O final do show era uma variação mais assustadora do truque da crucificação.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O início foi igual: ele deitou-se sobre a cruz em forma de X e os grandes cravos foram martelados em suas mãos. A seguir, o grosso pano preto foi colocado sobre a cruz e o crucificado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O assistente se aproximou com a surpresa final: ele também teria uma estaca cravada no peito.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O apelo visual do truque era enorme, pois a enorme estaca atravessava completamente o corpo do mágico e a cruz, fazendo com que grossos filetes de sangue escorressem para o chão. Da última vez que haviam apresentado o truque, houve duas senhoras que passaram mal ao ver a cena.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ao final, o grosso pano negro seria puxado, deixando cair cravos e estacas e revelando que o mágico fora novamente bem sucedido em seu truque.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Seguindo o script, o pano foi puxado e lá estava o corpo de um homem crucificado e com uma grossa estaca cravada no peito.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">****</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O velho não resistira a curiosidade e fora ver o show do jovem mágico. E seu instinto não falhara. Sem saber, o jovem tentara desfazer o pacto que sequer sabia que havia feito, e pagara com a vida por isso. Pelos estudos do velho mago, não apenas com a vida: quem faz tratos com um demônio, paga com a própria alma.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas não ele. Ele era um dos poucos no mundo que trapaceara um demônio e vivera para contar a história.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">****</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Os dois assistentes tiveram a mesma idéia e correram de volta para a suíte do jovem mágico.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ambos tentavam desesperadamente se apossar do ídolo que o jovem mágico dissera conter as senhas de suas contas bancárias. </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Claro que a disputa degenerou em briga. Agarrados ao ídolo de pedra, acabaram por disputá-lo na sacada do prédio.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Agarra daqui, puxa de lá, o ídolo despencou da cobertura.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Uma queda de vinte e oito andares.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">É claro que a polícia não permitiu a saída de ninguém da casa de espetáculos, e estavam revirando o hotel em busca dos dois assistentes do jovem mágico.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas para quem dominava os segredos da magia como ele, furar o bloqueio da polícia foi brincadeira de criança.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Estava feliz, já que o sacrifício do tolo mágico indicava que seus planos haviam dado perfeitamente certo, só lhe restava agora aproveitar a vida, sem medo da vingança de Osteogoroth.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Foi nesse clima de felicidade interior que o ídolo atingiu-lhe após cair de vinte e oito andares. Sua morte foi instantânea.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O mago se esquecera de que um dos muitos títulos que os antigos adoradores de Osteogoroth lhe davam era o de "senhor da vingança."</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fonte: </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/09/o-magico-e-o-mago.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-86622190802047682872017-03-14T20:40:00.001-03:002017-03-14T20:40:05.859-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Homicídio Perfeito</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-933785718883347562" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A deformidade de meu caráter jamais me envergonhou. Espírito astuto e dissimulado, nunca me expunha a quem quer que seja. A minha alma exsudava humores peçonhentos, malgrado imperceptíveis, mas eu bem sabia como, sorrateiramente, inocular o meu veneno. Era eu um predador cauteloso. Como uma serpente astuta e insidiosa, mergulhava e recolhia, num átimo de um único segundo, as presas precisas – profundas e aguçadas –, sem que a vítima o percebesse. Isto mesmo: só ensaiava o meu bote certeiro quando se menos esperava.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
</div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Sempre fui assim. As memórias mais distantes e profundas de minha infância conduzem a cenas incrivelmente nítidas em minha mente, que se movimentam com agilidade e perfeição, como se tivessem vida própria. Nelas, eu me ponho a furtar as guloseimas de um colega abastado somente para enfiá-las na mochila de um menino pobretão, com o único escopo de denunciá-lo e vê-lo espancado furiosamente pelo senhor diretor.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">É evidente que nunca fui apanhado. Em toda a minha vida, sempre gozei de excelente reputação. A reiterada prática de atos impunes, em vez de me infundir o excesso de segurança que irremediável e ordinariamente conduz à negligência e ao relaxamento, fez-me cada vez mais cauteloso. Eu era um gênio na arte do malefício. Mas creio que foi o excesso de reflexão e cautela – a propensão inata a um risco calculado – a origem de toda a minha desgraça.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Nós, os criminosos inteligentes, temos também as nossas teorias. Sempre cri que o crime perfeito é aquele que não deixa vestígios. Não é exato supor que é perfeito o crime que não permite revelar a autoria. Este é um efeito reflexo, que pressupõe a verdade contida no primeiro postulado. Mas havia os que diziam que perfeito não é o crime em si mesmo realizado, mas algo exterior a ele. Perfeito, segundo alguns, é o crime que não pode ser, física ou legalmente, punido.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Certa feita, apresentaram-me ao novo inquilino do apartamento térreo. Chamava-se Houdry e consta que viera de Poitiers. Dizia-se dele que era um brilhante químico, membro da Academia de Ciências, hoje aposentado e definitivamente abandonado pela família. Mas, a mim, antes me parecia um demônio expulso dos infernos. A repulsa que senti por aquele homem foi imediata. O toque de sua mão pareceu-me tão asqueroso quanto a sensação táctil que se deve experimentar quando se acaricia uma víbora fria e sudorosa. Naquele momento, pude sentir, a subir-me pelo braço, um fluxo regelado e aterrador, como se toda potência malévola, que emanava do indivíduo, me inundasse até a exaustão, e me conduzisse quase à asfixia. Confesso que cheguei a cambalear. Ele me sorriu, exibindo os dentes afiados, os dentes de hiena. Então entendi que encontrara um inimigo à minha altura. Um inimigo traiçoeiro e letal. Imediatamente, pus-me em alerta. E, desde então, fiquei à espreita, esperando o momento adequado de cravar-lhe as minhas presas e inocular-lhe toda a minha irremissível peçonha.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Certo dia – era domingo –, acordei muito cedo para o costumeiro passeio nos Champs-Élysées. Desci as escadas com grande disposição. Sorvi – como sempre – o aroma da rosa branca que mantinha na lapela. E mergulhei no andar térreo com certa displicência, pois sentia o espírito leve como uma pluma. Mesmo assim, não deixei de perceber que o Hiena esquecera a chave do apartamento no lado de fora, negligentemente enfiada na ranhura da fechadura. Não me foi nada difícil, em pouco menos de quinze minutos, obter uma réplica da chave e repor a original onde eu a encontrara. O primeiro passo fora dado. Tudo seria uma questão de tempo e oportunidade. E esta não custou a chegar.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Na mesma semana, talvez na quarta-feira, soube, pela senhoria, que o senhor Houdry fora chamado às pressas a Poitiers para sepultar um parente próximo. Na noite em que o velho Hiena abandonou a toca, entrei sorrateiramente em seu minúsculo apartamento, empregando a chave forjada. Compunha-se de um único cômodo e de um banheiro acanhado. Havia apenas uma janela, guarnecida de uma leve cortina de cetim vermelho, cujas fraldas aveludadas desciam pachorrentamente sobre o espelho da cama. Ao lado ficava uma mesinha-de-cabeceira e, sobre ela, descansava um velho relógio despertador, irremediavelmente quebrado. O antro era escuro. As paredes, as cortinas, o velho baú... tudo. Tudo estava impregnado da hediondez daquele homem. E eu podia sentir que todo o ambiente retinha e exalava as excrescências de um caráter tão deformado quanto o meu!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A luz de minha lanterna percorreu as paredes até se deparar com um baú de madeira anciã, cravejada de botões dourados, onde o velho guardava o vestuário. As roupas cheiravam a naftalina. Exalavam o olor insuportável da velhice e da decrepitude. Examinei as vestimentas com cuidado. Nada havia nelas que despertasse o meu interesse, exceto um cravo ainda fresco, quase orvalhante, que se insinuava a partir do bolso de um paletó antigo, mas muito bem conservado. Um terno que calharia bem ao cadáver de um velho chacal. Levei o cravo ao nariz e sorvi, de chofre, o aroma. Aspirei uma fragrância acre, que me fez recuar imediatamente, com o esgar estampado na face.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas a grande surpresa foi encontrar um pequeno refrigerador ao lado da porta do banheiro. Ora, aquilo estava longe de ser usual. Não foi necessário um exame minucioso para que eu encontrasse o que queria: a geladeira estava vazia, exceto por uma caixa de papelão contendo diversas ampolas. Era evidente que o velho padecia de um mal crônico e que o medicamento deveria ser conservado em baixa temperatura. A primeira ideia que me ocorreu foi a de desligar o refrigerador e religá-lo antes do retorno do ancião. Mas abandonei esse plano imediatamente. Era uma concepção pueril, e eu me admoestei energicamente. Como a viagem não deveria ser demorada, talvez não houvesse tempo para que o remédio experimentasse o pretendido efeito deletério. E havia a possibilidade de um retorno precoce. Se o Hiena enxergasse a tomada desconectada, certamente tomaria sérias precauções, comprometendo seriamente o meu intento de matá-lo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Subi ao meu quarto e retornei com uma seringa na mão. Ao acaso, escolhi uma das ampolas e, perfurando com a agulha a tampinha de borracha, injetei uma solução de cianeto de potássio, que há algum tempo obtivera de um farmacêutico, a quem conduzira à ruína: eu era um mestre na chantagem e na extorsão.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Aquele empreendimento me rendeu um deleite extraordinário. Quando o velho escolheria a ampola fatal? Ninguém sabia. A expectativa me fascinava. E a obra do acaso, de entremeio a uma ação homicida calculada, conduzia-me ao êxtase absoluto. Morrerá hoje? Morrerá amanhã? Deliciosa expectativa era esta. Havia um quê de sensualidade naquilo tudo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O velho retornou dois dias depois de minha visita sorrateira aos seus aposentos. A partir de então, passei a evitá-lo. Quando casualmente nos encontrávamos, eu o tratava com extrema cortesia. E com atenção devotada, quase subserviente. Não poderia despertar suspeitas, mínimas que fossem.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Duas semanas após a corrupção da ampola, o velho Hiena desceu aos infernos. Exultei, consciente de que havia cometido um crime perfeito. Uma obra-prima no extenso rosário de delitos jamais descobertos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Compareci ao funeral, respirei com satisfação o aroma dos cravos-de-defunto e protestei por segurar-lhe uma das alças do ataúde, no que fui prontamente atendido por meia dúzia de parentes entediados.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Foi no retorno do sepultamento que apareceram os primeiros sintomas. De meu nariz fluiu um sangue espesso, pegajoso como catarro, em golfadas tão caudalosas quanto perenes. O Hiena não era tão leve quanto eu supunha; assim, atribuí a estranha hemorragia ao inútil esforço que fizera ao sustentar-lhe o caixão de madeira de lei. Mas eu estava completamente equivocado. Quando veio o diagnóstico, eu já definhava:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Contaminação por metal pesado. Lamento, senhor, mas não há o que a Medicina possa fazer.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Como era ladino o Hiena, a quem imaginei proporcionar um fim rápido e indolor! Como foi sagaz, pondo a chave do apartamento praticamente em minhas mãos, instigando-me à incursão noturna. E como foi arguto ao simular uma viagem a Poitiers. Ele me atraiu à ratoeira, depois de examinar atentamente os meus hábitos. Não foi à toa que o velho deixou ao meu alcance o cravo fresco, ainda úmido, mas impregnado de humores cancerígenos... Não foi sem propósito que me atirou aos terrores de uma morte lenta, dolorosa e cruel.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas o que me consome e exaspera é saber, nos dias de hoje, que fracassei. Que minha argúcia fora o fio condutor da minha própria ruína. Eu não sou o ás. Sou um homem a quem a humilhação pesa mais que um sudário. Sim, o velho não padecia de mal crônico algum, nem dependia de remédios para sobreviver. Somente agora percebo o que era evidente. A geladeira e os medicamentos eram uma farsa. Pura mise-en-scène.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A morte do Hiena, para o meu horror, fora absolutamente natural...</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fonte: </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/10/o-homicidio-perfeito.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-74885403759813286922017-03-07T23:47:00.001-03:002017-03-07T23:48:39.450-03:00<h2>
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">5 Dias fora</span></h2>
<div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span lang="PT-BR"><br />
</span><span style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Essa
não é nenhuma história, se fosse seria uma sem graça e repetitiva. </span></span><span lang="PT-BR" style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR;"><span style="background-color: black; color: #999999;">Pois eu vou viajar, e ficar mais um tempo fora, só que
dessa vez eu deixei, logo abaixo, 5 novas creepys para cada dia que eu estiver fora
(com foco nas duas do Stephen King, de quem eu sou fã); saboreiem com calma,
por que conteúdo novo vindo de mim só daqui a 5 ou 6 dias. Peço
desculpas, mas desejo tudo de bom pra vocês.</span><o:p></o:p></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-88240834892850403742017-03-07T23:43:00.002-03:002017-03-07T23:43:06.133-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Homem Que Adorava Flores - Stephen King</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-5214000713195377747" itemprop="description articleBody" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">No início de uma noite de maio de 1963, um jovem com a mão no bolso subia energicamente a Terceira Avenida em Nova York. O ar era suave e lindo, o céu escurecia gradativamente de azul para o belo e tranqüilo violeta do crepúsculo. Existem pessoas que amam a metrópole e aquela era das noites que motivavam esse amor. Todos os que estavam parados às portas das confeitarias, lavanderias e restaurantes pareciam sorrir. Uma velha empurrando dois sacos de verduras num velho carrinho de bebê sorriu para o jovem e o cumprimentou </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Oi, lindo! O jovem retribuiu com um leve sorriso e ergueu a mão num aceno. Ela seguiu caminho, pensando: Ele está apaixonado. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O jovem tinha aquela aparência. Usava um terno cinza-claro, a gravata estreita ligeiramente frouxa no colarinho, cujo botão estava desabotoado. Tinha cabelo escuro, cortado curto. Pele clara, olhos azuis-claros. Não era um rosto marcante, mas naquela suave noite de primavera, naquela avenida, em maio de 1963, ele era lindo e a velha refletiu com instantânea e doce nostalgia que na primavera qualquer pessoa pode ser linda... se estiver indo às pressas encontrar-se com a pessoa de seus sonhos para jantar e, talvez, depois dançar. A primavera é a única estação em que a nostalgia parece nunca tornar-se amarga e a velha seguiu seu caminho satisfeita por haver cumprimentado o rapaz e alegre por ele haver retribuído o cumprimento erguendo a mão num aceno. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br /><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br /><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O jovem atravessou a Rua 66 andando a passos ágeis e com o mesmo leve sorriso nos lábios. Na metade do quarteirão estava um velho junto a um surrado carrinho de mão cheio de flores ― cuja cor predominante era o amarelo; uma festa amarela de junquilhos e crocos. O velho também tinha cravos e algumas rosas de estufa, na maioria amarelas e brancas. Comia um doce e escutava um volumoso rádio transistorizado equilibrado de través no canto do carrinho. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O rádio difundia notícias ruins que ninguém escutava: um assassino que abatia as vítimas a martelo ainda estava à solta; John Fitzgerald Kennedy declarava que a situação num pequeno país asiático chamado Vietnã (que o locutor pronunciava "Vaitenum"), merecia ser observada com atenção; o cadáver de uma mulher não identificada fora retirado do East River; um júri de cidadãos deixara de pronunciar um manda-chuva do crime, na campanha movida pelas autoridades municipais contra o tráfico de tóxicos; os soviéticos tinham explodido uma bomba nuclear. Nada daquilo parecia real, nada daquilo parecia importante. O ar era suave e gostoso. Dois homens com barrigas de bebedores de cerveja estavam à porta de uma padaria, jogando níqueis e gozando-se mutuamente. A primavera estremecia na orla do verão e, na metrópole, o verão é a estação dos sonhos. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O jovem passou pelo carrinho de flores e o som das notícias ruins ficou para trás. Ele hesitou, olhou por cima do ombro, parou para pensar um momento. Enfiou a mão no bolso do paletó e apalpou mais uma vez algo que estava lá dentro. Por um instante, seu rosto pareceu intrigado, solitário, quase acossado. Então, ao retirar a mão do bolso, reassumiu a expressão anterior de entusiástica expectativa. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Retornou ao carrinho de flores, sorrindo. Levaria algumas flores para ela, que gostaria. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele adorava ver os olhos dela faiscarem de surpresa e prazer quando lhe levava algum presente ― coisinhas simples, porque estava longe de ser rico. Uma caixa de bombons. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Uma pulseira. Certa vez, só uma dúzia de laranjas de Valência, pois sabia que eram as preferidas por Norma. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Meu jovem amigo ― saudou o vendedor de flores ao ver o homem de terno cinzento voltar, correndo os olhos pelo estoque exposto no carrinho. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O vendedor devia ter sessenta e oito anos; usava um surrado suéter cinzento de tricô e um boné macio a despeito da noite morna. Seu rosto era um mapa de rugas, os olhos empapuçados. Um cigarro lhe tremia entre os dedos. Contudo, ele também se lembrava de como era ser jovem na primavera ― jovem e tão apaixonado que corria para todos os lados. Normalmente, a expressão no rosto do vendedor de flores era azeda, mas agora ele sorriu um pouco, assim como sorrira a velha que empurrava as compras no carrinho de bebê, porque aquele rapaz era deveras um caso óbvio. Limpando farelos de doce do peito da suéter larga, pensou: Se esse rapaz estivesse doente, certamente o manteriam no CTI. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Quanto custam as flores? ― indagou o jovem. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Preparo-lhe um belo buquê por um dólar. Aquelas rosas são de estufa, por isso um pouco mais caras. Setenta centavos cada uma. Vendo-lhe meia dúzia por três dólares e melo. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Caras ― comentou o rapaz. ― Nada sai barato, meu jovem amigo. Sua mãe nunca lhe ensinou isso? </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O jovem sorriu. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Talvez tenha mencionado algo a respeito. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Claro. Claro que ela ensinou. Dou-lhe meia dúzia de rosas: duas vermelhas, duas amarelas e duas brancas. Não possa fazer melhor que isso, posso? Colocarei uns raminhos de cipreste e umas folhas de avenca ― elas adoram. Ótimo. Ou prefere o buquê por um dólar? </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Elas? ― perguntou o rapaz, ainda sorrindo. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Meu jovem amigo ― disse o vendedor de flores, jogando o cigarro na sarjeta e retribuindo o sorriso ―, em maio, ninguém compra flores para si mesmo. É uma lei nacional, entende o que quero dizer? </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O rapaz pensou em Norma, em seus olhos felizes e surpresos, em seu doce sorriso, e meneou ligeiramente a cabeça. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Creio que entendo, por sinal. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Claro que entende. O que me diz, então? </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Bem, o que você acha? </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Vou-lhe dizer o que acho. Ora! Conselhos ainda são gratuitos, não são? </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O rapaz tornou a sorrir e disse: </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Creio que é a única coisa gratuita que resta no mundo. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Pode ter absoluta certeza disso ― declarou o vendedor de flores. Muito bem, meu jovem amigo. Se as flores forem para sua mãe, leve para ela o buquê. Alguns junquilhos, alguns crocos, alguns lírios-do-vale. Ela não estragará tudo, dizendo: "Oh, meu filho, adorei as flores, mas quanto custaram? Oh, é muito caro. Será que ainda não sabe que não deve desperdiçar seu dinheiro? " </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O jovem jogou a cabeça para trás e riu. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O vendedor de flores continuou: </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Mas se forem para sua pequena, é muito diferente, meu filho, e você sabe muito bem. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Leve-lhe rosas e ela não se transformará num guarda-livros, entende? Ora! Ela vai abraçar você pelo pescoço e... </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Levarei as rosas ― disse o rapaz. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Então, foi a vez de o vendedor de flores rir. Os dois homens que jogavam níqueis olharam para ele e sorriram. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Ei, garoto! ― chamou um deles. ― Quer comprar barato uma aliança de casamento? Venderei a minha... não a quero mais. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O jovem sorriu, corando até as raízes dos cabelos escuros. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O vendedor de flores escolheu seis rosas de estufa, aparou os talos, borrifou-as com água e embrulhou-as num comprido pacote cônico. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Hoje à noite o tempo será exatamente como você quer ― anunciou o rádio. ― Tempo bom e agradável, temperatura por volta dos vinte e um graus, perfeito para subir ao terraço e olhar as estrelas, se você for do tipo romântico. Aproveite, Grande Nova York, aproveite! </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O vendedor de flores prendeu as bordas do papel com fita gomada e aconselhou o rapaz a dizer à namorada que um pouco de açúcar adicionado à água na jarra das rosas serviria para conservá-las frescas por mais tempo. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Direi a ela ― prometeu o jovem entregando ao vendedor de flores uma nota de cinco dólares. ― Obrigado. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― É o meu serviço, meu jovem amigo ― respondeu o vendedor de flores, entregando ao rapaz o troco de um dólar e meio. Seu sorriso se tornou um pouco tristonho: ― Beije-a por mim. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">No rádio, os Four Seasons começaram a cantar "Sherry". O rapaz continuou a subir a avenida, os olhos abertos e entusiasmados, bem alertas, olhando não tanto ao seu redor para a vida que fluía pela Terceira Avenida, mas para o interior e o futuro, na expectativa. Entretanto, determinadas coisas lhe causavam impressão: uma jovem mãe empurrando um bebê num carrinho, o rosto da criança comicamente lambuzado de sorvete; uma garotinha pulando corda e cantarolando: "Betty e Henry em cima da árvore, SE BEIJANDO! Primeiro vem o amor, depois o casamento e lá vem Henry com o bebê no carrinho, empurrando!" Duas mulheres conversavam em frente a uma lavanderia, trocando informações sobre a gravidez enquanto fumavam. Um grupo de homens olhava pela vitrina de uma loja de ferragens para uma imensa TV a cores com uma etiqueta de preço de quatro algarismos ― o aparelho mostrava um jogo de beisebol e os jogadores pareciam verdes. Um deles tinha cor de morango e os New York Mets estavam vencendo os Phillies pela contagem de seis a um no último tempo. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O rapaz prosseguiu, carregando as flores, sem perceber que as duas mulheres grávidas em frente à lavanderia tinham parado momentaneamente de conversar e o fitavam com olhos sonhadores quando ele passou com o embrulho; o tempo de receberem flores já terminara há muito para elas. Também não percebeu o jovem guarda de trânsito que parou os carros na esquina da Terceira Avenida com a Rua 69 para deixá-lo atravessar; o guarda era noivo e reconheceu a expressão sonhadora na fisionomia do rapaz por causa da imagem que via no espelho ao fazer a barba, onde vinha observando aquela mesma expressão ultimamente. Não percebeu as duas adolescentes que cruzaram com ele em sentido contrário e depois soltaram risadinhas. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Parou na esquina da Rua 73 e virou à direita. A rua era um pouco mais escura que as outras, ladeada por casas transformadas em prédios de apartamentos, com restaurantes italianos nos porões. Três quarteirões adiante, um jogo de beisebol de rua continuava animado à luz do anoitecer. O jovem não chegou até lá; depois de andar meio quarteirão, entrou numa travessa estreita. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Agora as estrelas tinham surgido no céu, cintilando levemente; a travessa era escura e cheia de sombras, com vagas silhuetas de latas de lixo. O jovem estava sozinho, agora... não, não totalmente. Um berro ondulante soou na penumbra avermelhada e ele franziu a testa. Era a canção de amor de um gato e isso nada tinha de lindo. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Andou mais devagar e consultou o relógio. Faltavam quinze para as oito e a qualquer momento Norma... </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Então, avistou-a, vindo pelo quintal em direção a ele, usando calça comprida azulmarinho e uma blusa de marinheiro que fizeram o coração do rapaz doer. Era sempre uma surpresa avistá-la pela primeira vez, sempre um choque delicioso ― ela parecia tão jovem. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Agora, o sorriso dele brilhou ― radiante. Caminhou mais depressa. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Norma! ― chamou ele. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ela ergueu os olhos e sorriu, mas... quando se aproximou o sorriso murchou. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O sorriso do rapaz também tremeu um pouco e ele ficou momentaneamente inquieto. O rosto acima da blusa de marinheiro lhe pareceu subitamente difuso. Estava ficando escuro... estaria ele enganado? Certamente que não. Era Norma. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Eu trouxe flores para você ― disse ele, feliz e aliviado, entregando-lhe o embrulho. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ela o encarou por um momento, sorriu ― e devolveu as flores. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Muito obrigada, mas está enganado ― declarou. ― Meu nome é... </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Norma ― sussurrou ele. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">E tirou o martelo de cabo curto do bolso do paletó, onde o guardara durante todo o tempo. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Elas são para você, Norma... sempre foi para você... tudo para você. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ela recuou, o rosto um círculo branco difuso, a boca uma abertura negra, um O de pavor ― e não era Norma, pois Norma morrera há dez anos. E não fazia diferença. Porque ela ia gritar e ele golpeou com o martelo para conter o grito, para matar o grito. E quando desferiu a martelada, o embrulho de flores caiu-lhe da outra mão, abrindo-se e espalhando rosas vermelhas, amarelas e brancas perto das amassadas latas de lixo onde os gatos faziam um amor alienado no escuro, gritando de amor, gritando, gritando. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele golpeou com o martelo e ela não gritou, mas poderia ter gritado porque não era Norma, nenhuma delas era Norma, e ele golpeou, golpeou, golpeou com o martelo. Ela não era Norma e por isso ele golpeava com o martelo, como fizera cinco vezes anteriormente. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Sem saber quanto tempo depois, ele guardou o martelo de volta no bolso do paletó e recuou para longe da sombra escura estendida nas pedras do calçamento, para longe das rosas espalhadas perto das latas de lixo. Deu meia-volta e saiu da travessa estreita. Era noite fechada, agora. Os jogadores de beisebol tinham voltado para casa. Se existissem manchas de sangue em seu terno, elas não apareceriam por causa do escuro. Não no escuro daquela noite de final de primavera. O nome dela não era Norma mas ele sabia como era seu próprio nome. Era... era... Amor. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Chamava-se amor e perambulava pelas ruas escuras porque Norma o esperava. E ele a encontraria. Algum dia, em breve. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Começou a sorrir. A agilidade voltou-lhe ao andar quando ele desceu a Rua 73. Um casal de meia-idade sentado nos degraus do prédio onde morava observou-o passar de cabeça tombada para um lado, olhar distante, um leve sorriso nos lábios. Depois que ele passou, a mulher perguntou: </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Por que você nunca mais tem aquela aparência? </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Hem? </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">― Nada ― disse ela. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas observou o jovem de terno cinza desaparecer na escuridão da noite e refletiu que se existia algo mais lindo que a primavera, era o amor dos jovens.</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-86388520038002834742017-03-07T23:42:00.004-03:002017-03-07T23:42:34.275-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Homem que Queria Matar o Diabo</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-5240042154851894687" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; text-align: left;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; text-align: left;"><i><span style="color: #999999;">Tudo começou nos idos de 1896, lá pras bandas de Juazeiro, uma cidadezinha encalacrada nas caatingas do interior da Bahia. Eu trabalhava nos roçados de café na fazenda do coronel João Evangelista Pereira e Melo, homem de posses e de respeito reconhecido por aquelas terras de fim de mundo. Pedro Henrique, o filho estudado do velho João Pereira, estava muito doente, mais pra lá do que pra cá, tísico, botando sangue pela boca, e tossindo uma tosse seca, catarrenta, coisa feia que só vendo:</span></i></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; text-align: left;"><i><span style="color: #999999;"><br /></span></i></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O diabo existe. Pode escrevinhá aí. É um fato. É uma criatura futriqueira, traiçoeira, e costura os seus desmandos no destino dos homens assim como quem não quer nada, na surdina. E estas costuras que faz, de tão bem feitas, não deixam linhas soltas de sua passagem não. As desgraças que ocorrem na vida dos homens, acredite, é coisa do Tinhoso. Foi bem assim a desgraceira que se deu com o beato Antônio Conselheiro e o povo do Arraial de Canudos.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Tudo começou nos idos de 1896, lá pras bandas de Juazeiro, uma cidadezinha encalacrada nas caatingas do interior da Bahia. Eu trabalhava nos roçados de café na fazenda do coronel João Evangelista Pereira e Melo, homem de posses e de respeito reconhecido por aquelas terras de fim de mundo. Pedro Henrique, o filho estudado do velho João Pereira, estava muito doente, mais pra lá do que pra cá, tísico, botando sangue pela boca, e tossindo uma tosse seca, catarrenta, coisa feia que só vendo. O coronel, coitado, era um desespero só, porque se fazia nas carreiras pra mode de trazer todo tipo de médico e rezadeira à frente do filho, mas qual o quê! Quando Deus quer levar, não tem jeito não!</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
</div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">E num dia quente como o inferno deve de ser, lá longe, na trilha empoeirada que fazia rota pra fazenda do velho João Pereira, vinha um cabra com uma parecença de caixeiro-viajante, de a pé, trazendo um burrico de companhia cheio de tralhas no lombo. Olha, inté hoje eu não me esqueço a figura magra, meio esturricada de carnes, vestindo calça e paletó branco, de chapéu de abas largas, também branco, que lhe caía por riba das fuças. De longe, vosmecê não dava um vintém pela criatura, pois se afigurava homem mofino, sem calibre pra se fazer no punhal e defender-se por conta.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas a parecença de fraqueza durou um tico de nada, viu? Foi a coisa mais esquisita que já vi nesta vida, porque eu lhe digo uma coisa curta e certa, moço, pode escrevinhá aí: aquilo não era procedimento sério de um vivente deste mundo. Vinha ele a passos lentos, calmo, de uma calmaria tal que dava nos nervos da gente, as alpercatas mal tocavam o chão e, por onde passava, a calmaria também se aboletava em torno dele. Os ventos não lhe bolinavam as roupas, os bichos e insetos calavam-se, nervosos, inquietos, as flores, na sua passagem, murchavam a olhos vistos e até o calor não lhe fazia frente. Sem mais, Larguei a enxada e corri pra fazenda pra avisar o coronel da esquisitice do cabra que tava chegando. O velho, arriado de tristeza na cadeira de balanço no copiar da casa grande, ruminava lá em pensamentos o que haveria de fazer para ajudar o filho doente.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">“Coronel, coronel, tem gente estranha vindo pra cá e não parece ser boa figura”, disse esbaforido quando dei no quintal, botando as galinhas pra correr. O velho levantou, estirou o olhar na direção da estradinha, torceu a cara de leve, se virou pra mim e disse: “Bento, Chama o mestre Germano e o negro Idalino, ali perto do açude, e venha com eles. Quero os três armados. Quero os três de prontidão aí em qualquer canto pra passar fogo se houver perrengue”.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Saí de carreira batida pra cumprir as ordens do velho.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Quando chegamos, de armas em punho, o tal de branco já se botava de presença no meio do terreiro, de frente para o copiar da casa grande, e dava “boa tarde” pro coronel, que lá do jeito valente dele segurava o relho que, de vez em quando, lascava nas costas de algum negro alforriado metido a se mandar por conta.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">“Diga lá pra que veio, moço. Se é pra me vender quinquilharia sem valia, pode dar meia volta e tomar rumo pra outro destino”.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O de branco, se ofendido ficou, não deu sinal, esticou o pescoço à frente e levantou um pouquinho a aba do chapéu: “Não venho lhe vender quinquilharias não, seu Coronel. Trago-lhe boas novas. Ouvi dizer por aí que o senhor tem um filho jogado na cama por causa de doença séria, coisa braba, quase moribundo. Não é verdade não?”</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O velho João Pereira só fez baixar a cabeça de leve e confirmou a boataria.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">“Pois eu lhe digo, coronel, que posso curar o teu filho com as beberagens que trago comigo”.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Na face enrugada e curtida de sol do coronel, num repente, formou-se um sopro de esperança, deixando-o inté meio abobalhado das ideias, pois o pobre não tomou tento do despotismo de esquisitices em torno daquele maldito de branco.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Aquele fio de esperança agarrado na cara do velho João Pereira me encafifou um tanto, num sabe? Do mesmo modo que me deixou encafifado o procedimento dos meus dois companheiros de armas. O mestre Germano e o negro Idalino pareciam não se dar conta da quietude estranha que caiu por sobre toda a fazenda. Não perceberam a falta da brisa forte que foi embora assim que o “De Branco” botou os pés no terreiro, não perceberam o estranho comportamento das galinhas que ficaram quietinhas no seu canto, sem ciscar nem cacarejar, ou o cachorro brabo do Nego Nereu, sempre tão barulhento com estranhos, botar o rabo entre as pernas e enfiar o focinho na terra.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Eles não viam o que eu via!</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">E, moço, pode escrevinhá aí: o desgraçado do diabo sabia que eu era o único ali que sentia a verdade da sua natureza maldosa e podre. O porqueira chegou a me lançar um olhar meio enviesado, enquanto o velho João Pereira avaliava a força das palavras dele. Vixe, os olhos do Medonho chisparam e enegreceram como carvão e uma língua de cobra lhe escorreu do canto da boca pra decorar o sorriso mais cheio de maldade que jamais vi em qualquer outro vivente neste mundo de meu Deus. Era uma visão de apavorar!</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">“E qual é o preço do remédio, seu moço?”, perguntou o coronel numa gastura que se via nos olhos.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O excomungado encalacrado naquela figura mofina pegou uma garrafa verde de um aió preso no lombo do jumento e falou bem assim: “Coronel, isto aqui não boto preço em dinheiro não. É coisa preciosa e vai devolver a vida pro teu filho. Dou a garrafa em troca de um préstimo de vosmecê.”</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Rapaz, logo vi que aquilo não era coisa de cabra sério. O velho pensou um pouco, espremeu a cara matutando onde aquela criatura queria chegar e saiu com essa pra cima do Enfezado: ”E quem lhe garante que, no desespero, não posso tomar esta garrafa de vosmecê à força?”</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O Coisa-ruim, na posse daquele caboclo mirrado, espichou o pescoço, estufou o peito de cutelinho e devolveu o desaforo na bucha: “Tome tento coronel, vosmecê não se atreveria de mexer comigo”.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Isto mesmo, foi bem isso que ele disse ao velho João Pereira, mas não pense que foi na mesma voz que tava conduzindo a conversa não. O desafio saiu da boca da criatura molambenta por uma outra, decidida, rancorosa, firme, de quem tem comando da situação, viu? Fiquei apavorado porque pensei que o coronel ia mandar passar fogo no desaforado, mas não deu a ordem não. E, olha, o coronel era homem valente, não era homem de engolir desaforo daquela marca. Graças a Deus ele teve o juízo de atinar com as ideias de que, com aquele cabra ali, o buraco era mais embaixo.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">“O que é que vosmecê quer em troca da garrafa?”.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O De Branco devolveu o remédio pro aió e esfregou as mãos.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">“Muito bem, vou direto ao assunto. Vosmecê é dono da madeireira de Juazeiro, não é não? Então eu quero que o senhor não entregue a partida de madeira que Antônio conselheiro encomendou pra fazer a igreja lá no Arraial de Canudos.”</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O coronel achou aquilo um despautério, “Mas o beato já pagou a madeira adiantado!” O De branco não se deu por vencido e botou intimação: “Coronel, vosmecê é quem sabe. Se vosmecê quer o teu filho vivo até amanhã à noite, então faz o que eu tô dizendo”.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Aí o velho respirou fundo e disse: “Olha, moço, não gosto de me meter em política e tenho certeza que isso vai dar confusão. O prefeito só tá esperando o beato se arreliar e botar gente de armas nas estradas.”</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O Enfezado só se fez em sorriso, sorriso de malícia das grandes, num sabe?, e disse: “Que se dane Antônio Conselheiro e aquele bando de esfomeados sem serventia”.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O velho João Pereira olhou pra dentro da casa, escutou a tosse catarrenta do filho vazando pelas janelas, escutou o lamento triste de Dona Mariquinha, outra criatura de Deus mais desesperada ainda, junto do filho, olhou pra nós com uma cara de quem pedia desculpa porque sabia que ia fechar negócio com o excomungado dos infernos.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">“Tá bom, eu aceito, deixe a garrafa e se vá. Vosmecê tem a minha palavra”.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O Tinhoso pegou a garrafa de remédio e jogou pro coronel. E, antes de ir, puxando o burrico com ele, ainda me lançou um olhar que me atravessou a alma, deu uma puxadinha na aba do chapéu em cumprimento e com aquele sorriso maligno na cara, de língua de cobra no canto da boca, me jogou essa: “Nos vemos por aí nessas veredas, moço.” Vixe, dizem que fiquei branco igual papel e perdi a fala e, de fato, foi assim mesmo. Não tive tento pra dá resposta àquela criatura.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Bom, daí pra frente, como vosmecê bem sabe, a coisa começou a feder pro lado de Antônio Conselheiro. Alguém espalhou notícia de que o beato ia invadir Juazeiro com um bando de jagunços armados até os dentes pra tomar a madeira encomendada à força. Foi um Deus nos acuda e muita gente fugiu da cidade. Tenho certeza que a boataria que se espalhou foi obra do tinhoso também. O juiz Arlindo Leoni enviou carta pro governador da Bahia contando o sucedido e pediu providência urgente no caso.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas deixa eu te contar o que aconteceu no outro dia, na fazenda do velho João Pereira. O capeta cumpriu o prometido. A garrafada, de sei lá o que, endireitou o espinhaço do rapaz e botou ele de pé novamente, só que eu não fiquei muito contente não. Sou cabra religioso e aquela cura não procedia de boa coisa. Fiquei, na verdade, bem arreliado com o coronel de ter afrouxado o juízo e ter caído na lábia do Maldito. Meu pai sempre me ensinou que não se deve cair nas artimanhas do diabo. Ele não podia ter feito acordo com o Tinhoso bem em frente das nossas fuças, num sabe? Parece inté que nós tava de acordo também. Falamos umas besteiras de boca pra fora um pro outro e decidi pegar as minhas tralhas pra cair no mundo. Não queria mais viver num lugar onde o dono era coiteiro do Diabo.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Pois então, joguei pernas naquelas estradas à procura de outra fazenda pra trabalhar. E vai pra cá, e vai pra lá, e come poeira aqui e toma chuva lá e nada de conseguir pouso em troca dos meus serviços. Passei fome, viu? Foi um sofrimento só. Rapaz, me arrependi demais da conta, mas não voltei pra fazenda do coronel por orgulho, pra não dar o braço a torcer porque sou cabra de opinião também. Sei que o velho me aceitaria de volta, mas o que ele tinha feito não tava certo não. Meu pai sempre me ensinou que não se dever cair nas artimanhas do diabo, sim senhor.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">E nessa aí de passar necessidade, sem rumo certo, é que fui bater com as fuças no Arraial de Canudos pra pedir ajuda. Antônio Conselheiro, com aquela enorme barba até quase a bater na cintura, um homem santo enviado por Deus pra tirar o sertanejo daquela miséria, me deu um teto pra morar e trabalho pra fazer.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Quando lá cheguei, o beato já tava brigado com o governo da Bahia e tinha inté quebrado a espinha de duas tropas de soldados enviado pra acabar com as obras dele em Canudos. Olha, moço, era um mundaréu de gente que se fazia na fé e nas armas em defesa do Santo, e lhe disse que eu também sabia usar arma e podia ajudar. Foi nesta época que conheci os grandes chefes jagunços de ação militar como Pajeú, Pedrão, Joaquim Macambira e João Abade, braço direito do Mestre Antônio.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Porém, nunca dei muita sorte nesta minha vida, num sabe? No 3º ataque da soldadesca, um grupo muito maior, coisa pra mais de 1.300 homens, enviado pelo governo do Brasil, veja só como a coisa tava tomando vulto, levei um tiro na perna que me deixou arriado por uns tempos, coxo, sem muita serventia pra mode de cair na briga.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Depois de uns três meses, me deu uma gastura sem tamanho quando fiquei sabendo que se tava armando coisa maior ainda pra cima do povo de Canudos, coisa de sustância pra arroxear cabra valente. Corriam boatos que estavam vindo pra Bahia soldados de 17 estados, formando duas colunas militares do exército brasileiro com 8 mil soldados pra mode de dar um 4º e derradeiro ataque contra o Santo. Fiquei num estado de nervos, pois eles precisavam de mim e eu tava naquela situação, inválido, sem muito o que fazer pra ajudar na luta que se aproximava.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Em 27 de julho de 1897, depois de um arranca-rabo medonho com a armada do general Cláudio Amaral Savaget, em Cocorobó, uma leva de uns tantos mil soldados, não dava nem pra contar porque nunca vi tantos na minha vida, fizeram um cerco nas proximidades de Canudos, montaram base e iniciaram os ataques. O cerco, que durou por mais de dois meses, também impedia a entrada de mais gente querendo ajudar o Santo, assim como água e comida pros resistentes conselheiristas.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Rapaz, a coisa ficou feia e mais feia ficou quando no meio daquele desespero de bala de canhão e gente morta pra todos os lados, o Santo veio a morrer por causa de uma disenteria braba que lhe golpeou o corpo fraco de sede e fome, um pecado, viu?</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Com a morte do Mestre de Belo Monte caiu um abatimento por riba do povo de Canudos, mas ninguém queria se entregar. A gente tinha que honrar as calças que tava vestindo em nome do Santo e defender o que ainda restava de dignidade daquele povo sofrido. Os chefes Jagunços, então, decidiram resistir até o último homem, mas acharam por bem poupar a vida dos velhos, das mulheres, alguns feridos, e das crianças. Por isso pediram a Antônio Beatinho que intercedesse uma rendição por aquela gente que não teria como lutar e nem se defender.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Depois que o governo prometeu garantir a vida de todos, muito do contra, fui enviado como peso morto, juntamente com os velhos, mulheres e crianças pra rendição, coisa de umas trezentas pessoas. Os soldados nos colocaram num cercado grande, todos amontoados que nem porcos na lama, e ficamos ali alguns dias sob mira da soldadesca, com pouca água e sem comida, enquanto ainda se podia ouvir os barulhos do combate lá pro meio da praça central de Canudos. Não gosto de me alembrar das mortes de uns quantos que vi, caídos naquele chão empoeirado e sempre de boca aberta rezando pra nosso senhor Jesus Cristo e Antônio Conselheiro. Vixe, foi desperdício de gente dos dois lados.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas o pior ainda estou pra te contar, seu moço, escrevinha aí no teu caderninho porque essa é coisa muito da séria. No terceiro ou quarto dia, nem me alembro mais, eu tava matutando um jeito de fugir daquele cercado, mas não tinha jeito não. Ficava observando o movimento das tropas no acampamento, um pouco mais retirado, até que, de repente, minhas vistas deram como uma figura já conhecida vagando no meio da soldadesca. Vosmecê não vai nem acreditar. Pois sim, era o maldito enfezado de branco, puxando o jumento naquela calmaria enervante. Ô meu pai, o que é que aquela criatura tava fazendo ali, pensei cá comigo. Coisa boa é que não devia de ser. O desgraçado parecia sentir a minha presença também porque, acredite, ele ficou cheirando o ar, assim como fazem os bichos pra procurar comida, num sabe? E cheira daqui e cheira dali, foi virando aquela cara maligna até botar os olhos de carvão por riba de mim. Daí, levou a mão no chapéu, botou a língua de cobra no canto da boca e me cumprimentou. Ôxe, eu ficava danado comigo mesmo porque não conseguia desviar os olhos do maldito.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Foi, então, que se deu a maior desgraceira naquela guerra maldita. Escute só o que o Excomungado fez. Ele começou a puxar conversa com o general Artur Oscar. E eu só de olho neles, lá longe. Conversa vai, conversa vem, até que os dois entraram na tenda do oficial, o burrico ficou fazendo cena pros soldados que brincavam com ele. De repente, de dentro da tenda saiu apenas o general. E cadê o Enfezado? Cadê? Rapaz, quando vi o general vindo na nossa direção é que percebi que ele não era ele não! Era o demônio encalacrado no corpo dele!</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O endemoniado general Arthur Oscar chamou pra mais de 100 soldados virem pra perto do cercado dos rendidos indefesos de Canudos e gritou assim pra todo mundo ouvir:</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">“Soldados, não vamos deixar nenhum monarquista vivo nesta terra. Nós vamos fazer aqui como se costuma fazer com gente revoltosa lá no sul, quero a degola de todos estes porcos. Seja velho, seja mulher ou criança, passa o facão nestes monarquistas dos infernos”.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ai, ai, meu Deus, foi um massacre. Vixe, me dá até um engasgo no falar e o meu peito bate mais acelerado. Moço, eles foram arrastando os desesperados pra um canto e... meu Deus... meu Deus... só se via grito lamentoso da mãe de um lado e a cabeça do filho pequeno saltando na terra do outro. Os velhos apenas se ajoelhavam, nem precisava forçá-los, levavam os olhos pro céu e o facão jogava a cabeça dos pobres por sobre a terra encharcada de um vermelho vivo. Foi um desespero sem tamanho que nunca vi igual. Não tem uma noite que eu não acorde encharcado de suor com a imagem daquele desespero.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Quando chegou a minha vez, não resisti, fui mancando pro canto que eles faziam o serviço e, pra surpresa de todos, o Enfezado, encalacrado no corpo do general Arthur Oscar, disse:</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">“Este aleijado aí deixa vivo. Quero pelo menos uma testemunha pra contar a história. É pra meter medo em qualquer monarquista metido a besta que se criar por este sertão. Tenente Mourão, você bota este merda naquele jumento ali e manda-o pra bem longe, mas antes disso, quero falar a sós com o infeliz”.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele me arrastou pra fora do cercado do desespero. Não sabia o que fazer, só conseguia olhar pro chão de tanta vergonha. O desgraçado me levantou o queixo, e encarei com raiva aqueles olhos de carvão e aquela língua de cobra nojenta e me falou uma verdade que não gostei nem um pouco de ouvir:</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">”Eu fiquei sabendo que tu abandonou o Coronel João Pereira porque ele fez um trato comigo e que tu vive por aí arrotando que teu pai lhe ensinou que não se deve cair nas artimanhas do Diabo. Pois fique então sabendo que se eu te deixo viver hoje é porque fiz um trato com teu pai. Trato é trato. Quando tu era miúdo, também caiu doente. Dei uma garrafa a ele pra tu viver. Se algum dia tu abrir a boca sobre o que aconteceu aqui, vou quebrar o trato e venho acertar as nossas contas”.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Pronto. É isso que eu tinha pra te contar. Vá embora escrevinhá esta estória no teu jornal. O Enfezado logo vai bater as fuças por aqui porque lhe contei o que se passou no massacre dos rendidos de Canudos, mas quando ele aparecer, eu vou matar ele. Ah, se não vou! Eu vou matar o diabo! Agora, o moço me dê licença que eu tenho mais o que fazer, boa noite.</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">* * * * *</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Bilhete do Coronel Ernesto Emerenciano da Fonseca ao Coronel João Pereira</span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">João, vosmecê se alembra do Bento Eleutério de Zulmira? Aquele que era teu empregado aí na tua fazenda? Fiquei sabendo que ele endoideceu de vez depois de matar um cabra que vendia garrafadas. Esse tal foi vender remédio na casa dele e dizem que o Bento furou o cabra de punhal dos pés à cabeça, picou o pobre todo e se escafedeu no mundo. Dizem que ele, agora, anda fugido lá pras bandas de Pernambuco, seco igual um pau de virá tripa, todo vestido de branco, puxando um jumento e vendendo garrafadas também. Tornou-se figura conhecida e temida pra’quelas bandas. Há quem afirme que já viram ele jogando sorrisos de malícia, com língua de cobra no canto da boca, pros sertanejos que vagam sem rumo pela caatinga. Vosmecê acredita nisso?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Fonte: </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/10/o-homem-que-queria-matar-o-diabo.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-87910290857111031172017-03-07T23:41:00.003-03:002017-03-07T23:41:22.738-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Homem de Preto</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-4678086580402197735" itemprop="description articleBody" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Seu nome era Samuel. Ele estava em apuros. Naquela noite escura, alguém o perseguia e desejava matá-lo. Sua vida corria risco, o tempo corria contra ele. Qualquer movimento em falso e seu destino seria irreversível. O desespero tomava conta de seus sentidos.</span></span></div>
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span><div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">E agora, o que fazer? Para onde ir? Ele, simplesmente, não sabia nem ao menos se estaria vivo no minuto seguinte. Tudo o que queria era que seu coração se acalmasse.</span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O tempo estava passando e o cansaço começou a dominá-lo. Suas pernas já não reagiam mais da mesma forma. E, pouco a pouco, ele foi diminuindo o ritmo. Teria chegado seu fim? A morte o levaria naquela noite? Não, Samuel não queria pensar no pior. Ele ainda poderia fugir. Queria que o pesadelo acabasse. Já não tinha mais forças para correr.</span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><br /></span><div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Foi quando o avistou. Saiu do meio da escuridão e escondeu-se entre as sombras. Samuel gritou. Entretanto, quem ouviria seus gritos naquele inferno? Não havia para onde fugir. Eram apenas eles dois.</span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Lembrou-se, então, do revólver que portava na cintura. Não tinha mais balas, mas se conseguisse dar-lhe uma coronhada, ele o deixaria inconsciente e conseguiria escapar. Virou-se e não viu ninguém. Para onde teria ido? Como desaparecera?</span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O medo se apoderava de Samuel. A morte estava cada vez mais perto. Ele não tinha mais fôlego para continuar correndo. Tentava encontrar um lugar seguro, mas seria em vão, não havia nenhum daquele lado da cidade. Não tinha ninguém para ajudá-lo. Sua vida dependeria apenas dele mesmo.</span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Continuou correndo e, finalmente, aproximou-se de um prédio abandonado. Agora, poderia refletir sobre o que estava acontecendo. Nada fazia sentido. Por que aquela estranha figura sob um manto preto o perseguia? O que queria? Quem era ele?</span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Pela janela do corredor, avistava-se o mar. No entanto, não era mais azul. Estava tingido de sangue. Samuel viu centenas de corpos boiando. Mortos. Seria o Dia do Juízo Final?</span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">...e foi lançado no mar, como um grande monte ardendo em fogo, e se tornou em sangue a terça parte do mar. E a terça parte das criaturas que viviam no mar morreu...</span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A Bíblia mencionava o Apocalipse. Não, não poderia ser verdade. Ele não queria acreditar. Por que tudo aquilo estaria acontecendo? E qual a relação entre o mar e aquele estranho homem que o perseguia?</span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ouviu um barulho – havia alguém ali. Ele poderia estar errado. Melhor não se descuidar. Caminhou em direção ao som, abriu rapidamente a porta e viu um rato correr. Avistou mais um corpo. Mas não apenas um. Havia outros em volta. O lugar cheirava à carne podre. Cada vez tudo parecia fazer menos sentido.</span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O mar. Os mortos. O estranho sob um manto negro. A cidade destruída. Teria chegado a hora que o Homem pagaria por tanta insensatez? Afinal, estávamos nos destruindo uns aos outros, acabando com o planeta. Os humanos haviam se esquecido de amar.</span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Um novo barulho chamou sua atenção. Seria aquele homem de preto? Sim, era ele. Podia vê-lo escondido em meio às sombras. O homem sob o manto preto começou a caminhar em sua direção. Agora, ele não iria conseguir escapar. Mais alguns metros e ele o alcançaria. Seu coração acelerou. Sentiu um frio no estômago. Ele foi tomado pelo medo. Agora não poderia mais correr. Foi então que o vulto saiu das sombras e se revelou. Ele estava agora bem à sua frente. O homem sob o manto preto tinha um rosto desfigurado. Não havia qualquer expressão nele. Seus olhos eram os de um psicopata que não hesitaria matar, se precisasse. Ele se aproximou, tirando um facão ensangüentado que trazia preso à perna. Samuel, por sua vez, tirou a arma do coldre, e apontou-a em direção a ele, que erguera o braço para desferir o golpe final. E o inesperado aconteceu.</span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O estranho seguiu em frente e deu um talho em um dos corpos entre as centenas de mortos à sua volta. Fazendo um corte longitudinal, o homem tirou um pedaço de carne e começou a devorá-lo.</span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div align="justify">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Samuel sentiu uma sensação de alívio mesclada a um forte enjôo provocado por aquela cena grotesca. Tudo agora fazia mais sentido – era apenas um homem tentando sobreviver em meio àquele caos:</span></span></div>
<div align="center">
<i><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A voz ouvida do pássaro insólito,<br />sobre a chaminé da lareira:<br />tão alto subirão os alqueires de trigo,<br />que o homem devorará o homem.</span></span></i></div>
<div align="center">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele recordou essa quadra de Nostradamus, escrita há muitos séculos, que dizia que a fome no mundo chegaria a tal ponto que os homens se devorariam uns aos outros. Samuel agora compreendera tudo. A destruição não viria dos céus, mas dos homens. O Homem concretizara seu legado de morte, dando fim à própria raça.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Durante a explosão, dois dias antes, Samuel batera a cabeça contra uma parede e ficara desacordado por algum tempo. Na véspera, ouvira boatos sobre o início da Terceira Guerra Mundial. Não eram boatos. Todos haviam morrido por causa disso. Tudo aconteceu tão rápido que não percebera. Ao acordar, não conseguia se lembrar de nada. Foi quando o pesadelo começou. Um pesadelo real e assustador que ele preferia jamais tivesse começado. Queria ter morrido naquele instante para não assistir à tamanha desgraça. Não havia o que fazer a não ser fugir e rezar para não ser devorado pelo homem de preto ou, até mesmo, por outro sobrevivente.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Fonte: </span>http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/11/o-homem-de-preto.html</span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-42598548079115096382017-03-07T23:40:00.003-03:002017-03-07T23:40:23.317-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Guardião</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-1484900737388960415" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
<br /></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Sempre tivera uma impressão errada do serviço de guardião noturno. Principalmente por conta da imagem impregnada no consciente coletivo, formada por anos e anos de bombardeio de filmes americanos. A visão era clara: um uniforme parecido com o da policia, um cassetete e uma lanterna para iluminar um labirinto de corredores.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Realidade e expectativa são separadas por um abismo. Nada de uniforme. O cassetete é um pedaço de madeira arranjado por ele mesmo e que lhe enche a mão de farpas. Não tinha lanterna, pois todas as luzes posam acesas. Não precisa percorrer todos os corredores, pois do pátio central tem uma visão de quase todos os cantos da escola. Onde a visão não alcança, ele julga ser sem importância. Na verdade lhe falta um pouco de coragem para chegar mais perto e verificar todos os cantos.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></span><br /></span><div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Poucas pessoas tem a noção do quão sinistro fica um prédio escolar durante a noite. Qualquer ruído se torna incomodo. O som dos próprios passos ecoando pelas paredes se torna aterrorizante. Ainda mais se tratando de um prédio antigo como aquele.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele estava sentado na escadaria do pátio, que levava até a quadra de esportes. Decidira não ficar dentro da cozinha – lugar onde costumeiramente passava as noites – pois nos dois canais que pegavam em seu pequeno aparelho de TV, a programação não era ideal pra quem ia passar a noite sozinho num lugar assustador. Em um dos canais, um pastor expulsava aos berros uma entidade que não deixava a fiel ter prosperidade financeira e no outro, um filme sobre possessão demoníaca. Definitivamente, aquele tipo de assunto deveria ser evitado para um trabalhador noturno. Passar a noite sozinho numa escola já era uma situação tensa o suficiente.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A escadaria fica de frente para o pátio, na extremidade oposta, uma outra escada de cinco degraus conduz à porta de entrada da escola. O pátio é um ambiente coberto e ladeado por dois corredores nas suas laterais. A passagem para a quadra de esportes é a céu aberto. O céu está bem iluminado pela Lua e pela quantidade incomum de estrelas. Uma paisagem digna das ilustrações sobre o espaço feitas pela NASA. Naquela noite porém, tamanha beleza não era sequer percebida.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Sentado com os braços retos apoiados nos joelhos, ele olhava fixamente para o chão do pátio. Infelizmente, as poucas imagens que ele viu na TV ficariam assombrando sua mente a noite toda.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A noite de primavera estava extremamente quente. O abafamento era quase asfixiante. As paredes dos corredores laterais ao pátio eram cobertas com trabalhos dos alunos. Cartazes sobre os mais diversos temas. Em um deles, um gráfico de barra mostrava como a população do planeta ia morrer por falta de alimentos dali a poucos anos. Em outro, recortes com fotos de celebridades negras. Gravuras de animais, certamente por conta de algum trabalho de arte. Mas, de todos os cartazes, aquele com o desenho de um velho escravo era o qual mais o incomodava. A figura parecia olhar diretamente para ele o tempo todo. Não importava onde ele se colocasse naquele pátio, a figura parece acompanhá-lo com os olhos. Seja sentado na escadaria, na entrada dos banheiros, nas mesas do refeitório, mesmo na cozinha, através da janela que dava para o pátio, a imagem melancólica do escravo parecia o seguir.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Por isso olhava fixamente para o chão. Para fugir dos olhos do escravo, para fugir de qualquer tipo de pensamento que fizesse aquela noite parecer ainda mais longa. Era inútil. A todo o momento vinham a sua mente a imagem do pastor exorcizando em um canal e a mulher precisando ser exorcizada no outro.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Tentando retomar o controle da situação, pensa consigo mesmo : “Estou pior que uma criança assustada. Estou com todas as luzes acessas, não tem mais ninguém aqui, já trabalho nesta escola há seis meses e nunca ouvi barulho suspeito nenhum. Agora cá estou eu, sentado na escada, só por que lugares abertos passam sensação de segurança. Só porque vi assuntos sobrenaturais na TV e por causa desse maldito cartaz! Estou com medo de ficar sozinho em um lugar fechado.”</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Num súbito ímpeto de coragem decidiu: “Vou olhar esse cartaz nos olhos, mostrar quem manda e depois vou até a cozinha fazer um lanche.” Para ele, naquela noite, esses dois atos seriam o ápice da coragem.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Foi subindo a visão aos poucos, com a dramaticidade de uma novela mexicana. Elevando a visão para aquele desenho que já estava o incomodando há duas noites.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Conforme ia erguendo os olhos, sentia o chão sumindo sob seus pés. O sangue correndo em turbilhões por suas veias. O coração martelando forme seu peito. Ondas de choque por todo seu corpo. Sentia como se lhe enfiassem milhares de agulhas nos pés, mãos e pela coluna. Na boca, um gosto amargo, nas narinas um forte odor de velas queimando. Sentiu vontade de gritar, mas a voz não saiu pois em seus pulmões não tinha ar suficiente para emitir qualquer som. Correr estava fora de cogitação, pois seus membros não obedeciam. Sequer se moviam. Estava completamente paralisado.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Na porta de entrada, ao lado do cartaz com a figura melancólica do escravo, estava ela parada. Quem é? O que é? Como entrou? É uma mulher? É uma criança? Com certeza parece uma pessoa...está de vestido...está de frente ou de costas? A porta está trancada, tenho certeza que sim. Que horas são? Estou sonhando? Perguntas e afirmações desencontradas percorriam sua mente.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Apesar das três lâmpadas que iluminavam a entrada da escola, não conseguia enxergar com clareza. Era como se uma sombra confundisse sua visão. Sabia que era uma mulher ou uma menina e que estava de vestido branco. Não conseguia perceber se a aparição estava de frente ou de costas. Os cabelos negros lhe caiam até a cintura. Estava a aproximadamente vinte metros de distância, mas ele não conseguia distinguir bem o que via. Tentava olhar para os pés, para as mãos mas não percebia se estava de frente ou de costas. A única certeza que tinha era de que aquilo não devia estar ali.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Em meio aquela cabeleira negra, percebeu um par de olhos o fitando. Olhos extremamente vivos e expressivos e um leve sorriso sarcástico no canto da boca. Agora tinha certeza, aquilo estava de frente e olhando direto para ele.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Era uma figura estranha, parecia uma jovem...parecia uma criança...parecia assustadora...parecia inofensiva... Não, inofensiva não! definitivamente era assustadora. O guardião estava em absoluto estado de choque! Não conseguia se mexer, parecia estar sendo hipnotizado por aquela aparição.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele não conseguia organizar seus pensamentos, não conseguia fixar seus sentidos. Por trás daquela aparição, perecia ter mais alguma coisa, como se alguém estivesse a acompanhando, mas era tudo muito confuso. Ao mesmo tempo que parecia estar acompanhada, também parecia estar sozinha. Ao mesmo tempo que parecia estar de costas, também parecia estar de frente. O guardião sentiu seu pavor aumentar quando não conseguiu perceber se aquilo estava parada ou avançando em sua direção. Apenas conseguiu perceber o movimento quanto ela já estava no pátio, na metade do caminho entre a porta de entrada e ele.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A cada passo que a criatura dava em sua direção, seu pavor aumentava exponencialmente. Não conseguia sequer piscar os olhos. Quando se deu conta, ela já estava subindo a escada, a menos de dois metros de distância.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Já quase podia sentir as mãos daquela menina ou mulher ou seja lá o que fosse, em volta do seu pescoço o estrangulando. Mãos frias e ásperas! Já quase podia sentir o hálito fétido e podre daquilo bem na sua frente, pronta para lhe dilacerar a face com mordidas.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas a coisa passou direto por ele. No ar pairava o cheiro de velas queimando, de flores velhas e de alguma coisa que ele não conseguia identificar... alguma coisa sombria, triste... era o cheiro da morte! O ar ficou ainda mais abafado, o clima ainda mais quente.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Quando o guardião se deu conta, a moça já estava no alto da escada e continuava sua marcha pelo corredor. Estava indo na direção da porta do banheiro feminino. Ao chegar na frente da porta estacou.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A confusão dos sentidos voltou! Ele Já não conseguia perceber se ela estava parada ou em movimento, de frente ou de costas... não conseguia identificar sequer se ela ainda estava ali. Foi como se ela estivesse novamente envolta pelas sombras, pela escuridão, embora o corredor estivesse bem iluminado.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A coisa começou a emitir um grunhido gutural de forma leve e contínua. Um grunhido que rapidamente se tornou um grito ensurdecedor. Era um som angustiante, sofrido, sobrenatural, um grito de dor que fez até o chão tremer!</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Quando se deu conta, o guardião já estava de pé perto da porta de entrada, ou no caso dele, de saída da escola. Estava de costas para a porta e de frente para o pátio. De onde estava via no final do corredor a porta do banheiro feminino onde há poucos instantes a coisa tinha acabado de desaparecer diante seus olhos.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Não sabia o que foi aquilo. Não sabia nem como saiu da escadaria e foi parar perto da saída. Sabia apenas que tudo havia sido real, sabia que o grito da criatura ainda estava ecoando pelos corredores e sabia que tinha que sair dali o mais rápido possível.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ainda sem o pleno domínio do seu corpo, deu meia volta na direção da saída, mas deu de cara com aqueles mesmos pares de olhos negros o olhando de baixo para cima.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Agora era nítido! A criatura estava ali, parada entre ele e a saída, a menos de dez centímetros de seu rosto, o olhando com um ar sombrio e um riso demoníaco.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Nunca Mais! Sussurrou ela abrindo lentamente a boca e inclinando a cabeça para o lado.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Então um novo grito, ainda mais estarrecedor que o primeiro se ouviu e a aparição avançou sobre o vigia.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Testemunhando a cena, estava o desenho do velho escravo, com os olhos vidrados e melancólicos.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Fonte: </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/12/o-guardiao.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-34793086006733313962017-03-07T23:39:00.002-03:002017-03-07T23:39:24.563-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Fantasma - Stephen King</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-8710486576897998915" itemprop="description articleBody" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Vim porque desejo contar-lhe minha história - disse o homem deitado no sofá do Dr. Harper.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O homem era Lester Billings, de Waterbury, Connecticut. De acordo com os dados anotados pela Enfermeira Vickers, tinha vinte e oito anos de idade, era empregado de uma firma industrial em Nova York, divorciado e pai de três filhos. Todos falecidos.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Não posso procurar um padre porque não sou católico. Não posso procurar um advogado porque não tenho motivo algum para contratar um advogado. Tudo que fiz foi matar meus filhos. Um de cada vez. Matei-os todos.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O Dr. Harper ligou o gravador.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><br /></span><div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings estava deitado reto como uma vara no sofá, sem relaxar um único centímetro do corpo. Seus pés sobravam rigidamente sobre a beirada. A figura de um homem suportando uma humilhação necessária. Tinha as mãos cruzadas sobre o peito, como um cadáver. O rosto estava cuidadosamente composto. Fitava o teto liso e branco como se visse cenas e quadros projetados nele.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Quer dizer que realmente os matou, ou... - Não - um leve gesto impaciente com a mão. - Mas fui responsável. Denny em 1967. Shirl em 1971.E Andy este ano. Quero lhe contar tudo a respeito. O Dr. Harper permaneceu calado. Achava que Billings parecia abatido e envelhecido. Os cabelos ralos, a pele descorada. Os olhos continham todos os miseráveis segredos do uísque.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Foram assassinados, entende? Só que ninguém acredita nisso. Se acreditassem, tudo estaria bem.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Por quê?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Porque...</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings interrompeu-se e se ergueu nos cotovelos, olhando através da sala.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O que é aquilo? - perguntou rispidamente, os olhos apertando-se até serem meras fendas entre as pálpebras.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O quê?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Aquela porta?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O armário embutido - disse o Dr. Harper. - Onde penduro o sobretudo e guardo as</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">galochas.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Abra. Quero ver.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O Dr. Harper levantou-se sem uma só palavra, atravessou a sala e abriu o armário. Lá dentro, um sobretudo castanho-amarelado pendurado num dos quatro ou cinco cabides. Embaixo dele, um par de galochas brilhantes. O The New York Times fora cuidadosamente enfiado numa delas. Nada mais.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Tudo bem? - indagou o Dr. Harper.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Tudo bem - replicou Billings, deixando de apoiar-se nos cotovelos e voltando à posição anterior.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Você estava dizendo - disse o Dr. Harper enquanto regressava à poltrona - que se o assassinato de seus três filhos pudesse ser comprovado, todos os seus problemas cessariam. Por quê?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Eu iria para a cadeia - replicou Billings de imediato. - Pelo resto da vida. E numa cadeia pode-se ver o interior de todos os quartos. De todos. - Sorriu para ninguém.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Como seus filhos foram assassinados?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Não tente arrancar isso de mim à força!</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings virou-se para fitar maleficamente o Dr. Harper.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Eu contarei, não se preocupe. Não sou um dos seus malucos passeando por aí e fingindo ser Napoleão ou explicando que me viciei em heroína porque minha mãe não me amava. Sei que não acreditará em mim. Não me importo. Não faz diferença. Apenas contar será suficiente.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Muito bem - disse o Dr. Harper, pegando seu cachimbo.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Casei-me com Rita em 1965 - eu tinha vinte e um anos e ela dezoito. Estava grávida. de Denny. Seus lábios se crisparam num sorriso retorcido e assustador, que desapareceu num piscar de olhos.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Fui obrigado a abandonar os estudos e arranjar emprego, mas não me importei. Amava-os ambos. Éramos muito felizes.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Rita tornou a engravidar pouco depois que Denny nasceu e Shirl veio ao mundo em dezembro de 1966. Andy nasceu no verão de 1969 e Denny já estava morto nessa época. Andy foi um descuido. Era o que Rita dizia. Afirmava que às vezes esse negócio de controle de natalidade não funciona direito. Creio que foi algo mais que um descuido. Filhos prendem um homem, o senhor sabe. As mulheres gostam disso, especialmente quando o homem é mais inteligente que elas. Não acha que é verdade? Harper soltou um grunhido neutro.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Não importa, porém. De todo modo, eu o amava.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings fez a declaração num tom quase vingativo, como se amasse o filho para fazer raiva à mulher.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Quem matou as crianças? - perguntou Harper.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O fantasma - replicou imediatamente Lester Billings. - O fantasma matou-as todas. Saía do armário e as matava.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Virou-se e sorriu.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O senhor acha mesmo que sou maluco. Está escrito em sua cara. Mas não me incomodo. Tudo o que desejo fazer é contar e sumir.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Estou escutando - disse Harper.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Tudo começou quando Denny tinha quase dois anos e Shirl ainda era bebê. Ele começou a chorar quando Rita o colocava na cama para dormir. Tínhamos apenas dois quartos, entende? Shirl dormia num berço em nosso quarto. A princípio, julguei que ele chorasse porque já não tinha uma mamadeira para levar consigo para a cama. Rita me disse que não fizesse drama, que o deixasse levar a mamadeira e ele acabaria por deixála de lado no devido tempo. Mas é assim que as crianças ficam mal acostumadas. Se formos permissivos demais, elas se tornam mimadas. Então, fazem-nos sofrer. Engravidam alguma pequena, sabe, ou começam a tomar tóxicos. Ou viram veados. Já imaginou acordar um certo dia e descobrir que seu garoto - o seu filho - é bicha?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Depois de algum tempo, porém, quando ele não parou, passei a colocá-lo na cama eu mesmo. E se ele não parasse de chorar, eu lhe dava uma palmada. Então, Rita disse que ele não parava de repetir "luz". Bem, eu não sabia. Crianças daquele tamanho, como podemos saber o que estão dizendo? Só a mãe pode saber.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Rita queria instalar uma luz noturna. Um daqueles abajures com o Camundongo Mickey ou o Pateta ou algo semelhante. Não permiti. Se um garoto não aprende a perder o medo do escuro quando ainda é pequeno, nunca mais perderá.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- De qualquer maneira, ele morreu no verão seguinte ao nascimento de Shirley. Naquela noite, eu o coloquei na cama e ele começou a chorar imediatamente. Dessa vez, escutei o que disse. Apontou para o armário quando falou. "Fantasma", disse o garoto. "Fantasma, Papai."</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Apaguei a luz, fui para o nosso quarto e perguntei a Rita por que ela resolveu ensinar ao menino uma palavra como aquela. Fiquei tentado a dar-lhe umas bofetadas, mas não dei. Ela afirmou que nunca o ensinara a dizer aquilo. E eu a chamei de maldita mentirosa.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Foi um péssimo verão para mim, entende? O único emprego que consegui foi carregar caminhões de Pepsi-Cola num armazém e passava o tempo todo cansado. Shirl acordava modo que Rita a pegava no colo para niná-la. Vou-lhe contar, às vezes eu sentia ímpetos de atirá-las ambas pela janela. Meu Deus, às vezes as crianças nos deixam loucos. Eu seria capaz de matá-las.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Bem, a garotinha me acordou às três da manhã, bem no horário de costume. Ainda meio adormecido, fui ao banheiro e Rita me pediu que desse uma espiada em Denny. Respondi-lhe que ela mesmo o fizesse e voltei para cama. Já estava quase dormindo quando ela começou a gritar.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Levantei-me e fui até lá. O menino estava deitado de costas, morto. Branco como farinha de trigo, exceto onde o sangue tinha... tinha afundado. Na parte posterior das pernas, na cabeça, na bun... nas nádegas. Tinha os olhos abertos. Isso foi o pior, sabe? Esbugalhados e vidrados, como os olhos que vemos nas cabeças empalhadas dos troféus de caça que alguns colocam acima da lareira. Como as fotografias daqueles garotos mortos no Vietnã. Mas um garoto americano não devia ficar assim. Morto de costas. Usando fraldas e calcinhas de borracha, porque começara a urinar-se novamente nas duas últimas semanas. Horrível. Eu amava aquele menino.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings sacudiu lentamente a cabeça e depois exibiu o mesmo sorriso contorcido e assustador.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Rita estava quase morrendo de tanto gritar. Tentou pegar Benny no colo e embalá-lo, mas não permiti. Os tiras não gostam que a gente toque nas provas. Sei que...</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Você já sabia que era o fantasma, na época? - indagou Harper em voz baixa.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Oh, não. Naquela época, não. Mas vi uma coisa. Na ocasião, não significou muito para mim, mas minha mente arquivou-a.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O que foi?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- A porta do armário estava aberta. Não muito. Apenas uma fresta. Mas eu sabia que a fechara, entende? Lá dentro havia sacos plásticos da lavanderia. Uma criança mexe naquilo e pronto: asfixia. Sabe disso?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Sim. O que aconteceu, então?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings sacudiu os ombros.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Nós o enterramos.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Olhou morbidamente para as mãos que haviam lançado terra em três pequenos caixões.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Houve algum inquérito?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Claro - os olhos de Billings faiscaram com um brilho sardônico. Um maldito caipira com um estetoscópio e uma maleta negra cheia de balas de hortelã e um casaco de pele de carneiro conseguida em alguma faculdade de veterinária. Morte de berço, disse ele! Já escutou semelhante monte de merda? O garoto tinha três anos!</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- A morte de berço é muito comum durante o primeiro ano - disse cautelosamente Harper. - Todavia, esse diagnóstico consta de atestados de óbito de crianças até a idade de cinco anos, por falta de um melhor...</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Merda! - berrou valentemente Billings.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Harper tornou a acender o cachimbo.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Um mês depois do enterro, passamos Shirl para o antigo quarto de Denny. Rita resistiu com unhas e dentes, mas a última palavra foi minha. Doeu-me, claro que sim. Deus, como eu gostava de ter a garotinha em nosso quarto. Mas não devemos ser superprotetores. Assim, mutilamos a criança. Quando eu era menino, minha mãe costumava levar-me à praia e depois ficava rouca de tanto gritar: "Não vá tão longe! Aí</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">é muito fundo! Tem correnteza! Aí não dá pé!" Até mesmo mantinha-se alerta contra tubarões, juro por Deus. Hoje em dia, nem consigo chegar perto do mar. Uma vez, quando Denny ainda era vivo, Rita me obrigou a levar a família à praia em Savin Rock. Fiquei enjoado como um cão. Eu sei, entende? Não devemos superproteger as crianças. E também não mimá-los. A vida continua. Shirl foi direto para o berço de Denny. Jogamos o colchão de Denny no lixo. Eu não queria que minha filha pegasse micróbios.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Assim, um ano se passou. E uma noite, quando eu botava Shirl na cama para dormir, ela começou a chorar e berrar. "Fantasma, Papai! Fantasma, fantasma!"</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Aquilo me sobressaltou. Era exatamente como Denny. E comecei a lembrar-me daquela porta do armário, apenas entreaberta quando o encontramos. Tive vontade de levá-la para nosso quarto naquela noite</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- E levou?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Não - disse Billings, olhando para as mãos e contorcendo o rosto. - Como eu poderia enfrentar Rita e admitir que estava errado? Eu tinha que ser forte. Ela sempre foi tão molenga... veja com que facilidade foi para a cama comigo quando ainda não éramos casados.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Harper disse:</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Em compensação, veja com que facilidade você foi para a cama com ela. Billings imobilizou-se no ato de recruzar as mãos e virou lentamente a cabeça para encarar Harper.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Está querendo bancar o engraçadinho?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Certamente que não - replicou Harper.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Então, deixe-me contar à minha maneira - disse Billings, irritado. - Vim aqui para desabafar. Para contar minha história. Não falarei de minha vida sexual, se é isso que está querendo. Rita e eu tínhamos uma vida sexual muito normal, sem nenhuma dessas sujeiras. Sei que algumas pessoas se excitam ao falar no assunto, mas não sou uma delas.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Está bem - disse Harper.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Muito bem - replicou Billings com nervosa arrogância. Parecia haver perdido o fio dos pensamentos e seus olhos procuraram inquietamente a porta do armário, que estava bem fechada.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Gostaria que eu abrisse aquela porta? - indagou Harper.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Não! - respondeu Billings depressa. Passou a mão na testa, como se tentasse colocar as recordações em ordem. - Para que desejaria olhar para suas galochas? - e soltou uma risadinha nervosa.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O fantasma pegou Shirl também - prosseguiu ele. - Um mês depois. Mas algo aconteceu antes disso. Certa noite, ouvi um barulho lá dentro. Então, ela gritou. Abri a porta muito depressa - a luz do corredor estava acesa - e... ela estava sentada no berço, chorando, e... alguma coisa se mexeu. Nas sombras, perto do armário. Alguma coisa se esgueirou.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- A porta do armário estava aberta?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Um pouco; só uma fresta - respondeu Billings, umedecendo os lábios com a língua. - Shirl estava gritando alguma coisa a respeito do fantasma. E disse algo mais a respeito do que me soou como "garras". Só que ela disse "galas". Crianças pequenas encontram dificuldade com o som do "r". Rita subiu correndo e perguntou o que havia. Respondi que a menina se assustara com as sombras dos galhos movendo-se no teto.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Gala? - disse Harper.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Hem?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Gala... Estaria ela, de algum modo, referindo-se ao armário?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Talvez - disse Billings. - Poderia ser isso. Mas creio que foi "garras".</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Seu olhar procurou outra vez a porta do armário. - Garras. Garras compridas - sua voz sumiu num sussurro. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Você olhou dentro do armário?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- S-sim - disse Billings, com as mãos fortemente cruzadas sobre o peito; a força era suficiente para deixar os nós dos dedos esbranquiçados.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Havia alguma coisa lá dentro? Você viu o...</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Não vi nada! - berrou bruscamente Billings.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Então, as palavras jorraram aos borbotões, como se uma rolha negra fosse retirada da garrafa de sua alma:</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Quando ela morreu eu a encontrei, entende? E ela estava toda preta. Toda. Engolira a própria língua e estava tão preta quanto um negro num espetáculo teatral. E olhava para mim. Seus olhos pareciam aqueles que vemos em animais empalhados, brilhantes e horríveis, como bolas de gude vivas, e diziam: "Ele me pegou, Papai. Você deixou ele me pegar. Você me matou. Você ajudou a me matar..."</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Sua voz foi sumindo aos poucos. Uma única lágrima, muito grande e silenciosa, escorreu-lhe pelo lado do rosto.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Foi uma convulsão cerebral, entende? As crianças são acometidas por ela, às vezes. Um sinal errado partido do cérebro. Fizeram uma autópsia no Hospital de Hartford e disseram que, devido à convulsão, ela engolira a própria língua, morrendo asfixiada. E tive que voltar para casa sozinho porque precisaram manter Rita no hospital, sob a ação de sedativos. Ela estava fora de si. Tive que voltar para casa sozinho e sei que uma criança não tem convulsões simplesmente porque o cérebro pifou. É possível amedrontar uma criança até provocar uma convulsão. E eu tive que voltar para a casa onde ele estava.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Em seguida, murmurou:</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Dormi no sofá da sala. Com a luz acesa.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Aconteceu alguma coisa?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Tive um sonho - disse Billings. - Eu estava num quarto escuro e havia alguma coisa que eu não conseguia... que eu não conseguia ver direito, dentro do armário. Lembrou me uma estória em quadrinhos que li quando criança. Estórias da Cripta, recorda-se? Jesus Cristo! Tinha um sujeito chamado Graham Innes; era capaz de atrair qualquer coisa deste mundo - e algumas de fora. De qualquer modo, na estória uma mulher afogou o marido, entende? Pôs blocos de cimento nos pés dele e o atirou no poço de uma pedreira. Só que ele voltou. Todo apodrecido, verde-escuro, e os peixes lhe tinham comido um dos olhos; havia algas em seus cabelos. Ele voltou e matou a mulher. E quando acordei no meio da noite, pensei que ele estava debruçado sobre mim. Com garras... garras compridas...</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O Dr. Harper olhou para o relógio digital embutido em sua mesa de trabalho. Lester Billings estivera falando durante quase meia hora.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Quando sua esposa voltou para casa, que atitude assumiu em relação a você?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Ela ainda me amava - respondeu Billings com orgulho. - Ainda queria fazer o que eu mandava. Esse é o lugar da esposa, certo? Esse women's lib só resulta em pessoas doentes. A coisa mais importante na vida é uma pessoa conhecer seu lugar. Sua... sua... bem...</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Sua posição na vida?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- É isso aí! - exclamou Billings, estalando os dedos. - É exatamente isso. E uma mulher deve acompanhar o marido. Oh, ela ficou um tanto desbotada, por assim dizer, nos quatro ou cinco meses seguintes... arrastava os pés pela casa, não assistia à televisão, não cantava, não ria. Eu sabia que ficaria boa. Quando as crianças são tão pequenas, os pais não se apegam tanto a elas. Depois de algum tempo, é preciso abrir uma gaveta e</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">olhar uma fotografia para conseguir lembrar exatamente como elas eram. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Rita queria outro filho - acrescentou ele sombriamente. - Eu lhe disse que era má idéia. Oh, não para sempre, mas durante algum tempo. Disse-lhe que era tempo de nos recuperarmos e começarmos a aproveitarmos mutuamente. Nunca tivéramos oportunidade de fazer isso antes. Se quiséssemos ir a um cinema, tínhamos que arranjar alguém para cuidar das crianças. Não podíamos ir à cidade ver os Mets jogarem, a menos que os pais dela ficassem com as crianças, pois minha mãe não queria nada conosco. Denny nasceu pouco depois de nos casarmos, entende? Minha mãe dizia que Rita era uma vagabunda, uma vigarista de esquina. Vigaristas de esquina, era assim que minha mãe sempre as chamava. Não é uma piada? Uma vez ela me obrigou a sentar e falou-me das doenças que um homem pode contrair de uma vi... de uma prostituta. Como o ca... o pênis aparece com uma feridinha num dia e está todo podre no dia seguinte. Ela nem mesmo compareceu ao nosso casamento.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings tamborilou com os dedos no peito.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O ginecologista de Rita vendeu-lhe a idéia de usar um DIU dispositivo intra-uterino. Infalível, afirmou ele. Basta enfiá-lo na... no lugar da mulher e pronto. Se houver alguma coisa lá dentro, o óvulo não consegue fertilizar-se. A pessoa nem mesmo sente que tem alguma coisa dentro.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ele sorriu com sombria doçura.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Ninguém sabe se a coisa está ou não lá dentro. E no ano seguinte Rita ficou grávida. Que infalibilidade!</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Nenhum método de controle de natalidade é perfeito - disse Harper. - A pílula tem apenas noventa por cento de eficiência. O DIU pode ser expulso por cólicas, fluxo menstrual abundante e, em casos excepcionais, pelo esforço da evacuação.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Sim. E também pode ser retirado.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- É possível.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- E o que acontece em seguida? Ela fica tricotando roupinhas, cantando no chuveiro e comendo picles como uma louca. Sentando-se no meu colo para dizer que talvez fosse pela vontade divina. Merda.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O bebê nasceu no final do ano após a morte de Shirl?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Exatamente. Um menino. Rita deu-lhe o nome de Andrew Lester Billings. Eu não quis saber dele, pelo menos a princípio. Meu lema era: ela o arranjou, portanto tome conta dele. Sei como isto pode soar, mas o senhor precisa compreender que passei por maus bocados.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Mas acabei gostando dele, entende? Em primeiro lugar, foi o único de nossa prole que saiu parecido comigo. Denny se parecia com a mãe e Shirl não se parecia com ninguém, exceto, talvez, minha avó Ann. Mas Andy era minha imagem escarrada.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Eu ia brincar com ele no cercado quando chegava em casa do trabalho. Ele agarrava meu dedo, sorria e gargarejava. Com apenas nove semanas de idade o garoto já sorria para o velho pai. Acredita?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Então, certa noite, lá estou eu saindo de uma farmácia com um brinquedo para pendurar no berço do garoto. Eu! As crianças não apreciam brinquedos até terem idade suficiente para dizer "muito obrigado" este sempre foi o meu lema. Mas lá estava eu, comprando aquela bugiganga e, de repente, compreendendo que o amava mais que aos outros. Nessa época eu tinha outro emprego, muito bom, vendendo brocas de perfuração da Cluett & Sons. Dei-me muito bem e, quando Andy completou um ano, nós nos mudamos para Waterbury. A velha casa trazia muitas recordações desagradáveis.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- E tinha armários demais.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Aquele ano seguinte foi o melhor para nós. Eu daria todos os dedos da mão direita para tê-lo de volta. Oh, a guerra no Vietnã continuava e os hippies ainda andavam sem roupa por aí, os negros faziam algazarra, mas nada disso nos incomodava. Morávamos numa rua tranqüila, com bons vizinhos. Éramos felizes - resumiu Billings. - Uma vez, perguntei a Rita se ela não estava preocupada. O senhor sabe, o azar anda por toda parte. Ela respondeu que não se preocupava por nossa causa. Disse que Andy era especial. Que Deus erguera uma muralha de proteção em volta dele.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings fitou morbidamente o teto.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O ano passado não foi tão bom. Algo na casa mudou. Passei a deixar as botas no corredor, porque já não gostava de abrir a porta do armário embutido. Pensava sempre: ora, e se o fantasma estiver lá dentro? E começava a imaginar que ouvia barulhos esquisitos, como se algo negro e verde, molhado, se mexesse lá dentro.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Rita indagou se eu andava trabalhando demais e passei a ser ríspido com ela, como nos velhos tempos. Chegava a ficar enjoado por ter que deixá-los sozinhos em casa ao ir para o trabalho, mas alegrava-me precisar sair. Deus me perdoe, mas eu ficava satisfeito por sair. Comecei a pensar, sabe, que o fantasma se perdeu de nós durante algum tempo quando nos mudamos. Foi obrigado a caçar-nos, esgueirando-se pelas ruas à noite e talvez se arrastando pelos esgotos. Farejando-nos. Demorou um ano, mas encontrou-nos. Quer Andy e me quer, também. Comecei a pensar: talvez quando pensamos bastante tempo em alguma coisa e acreditamos nela, ela se tome real. Talvez todos os monstros de que tínhamos medo em criança, Frankenstein, o Lobisomem e Mamãe, fossem reais. Bastante reais para matarem meninos que todos acreditavam terem caído em buracos, morrido afogados em lagos ou simplesmente desaparecido. Talvez...</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Está esquivando-se de alguma coisa, Sr. Billings?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings passou muito tempo calado; dois minutos se escoaram, pelo relógio digital. Então, ele disse abruptamente:</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Andy morreu em fevereiro. Rita não estava em casa. Recebera um chamado do pai. A mãe dela sofrera um acidente de automóvel no dia seguinte ao Ano Novo e estava à morte. Rita tomou um ônibus naquela mesma noite.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- A mãe não morreu mas esteve em perigo de vida durante muito tempo: dois meses. Contratei uma mulher ótima, que ficava com Andy durante o dia. E ficávamos juntos à noite. E as portas dos armários embutidos estavam sempre se abrindo.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings umedeceu os lábios com a língua.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O garoto dormia no meu quarto. É curioso, também. Uma vez, quando ele tinha dois anos, Rita me perguntou se eu desejava mudá-lo para outro quarto. Spock ou algum daqueles outros charlatães alega que é prejudicial às crianças dormirem com os pais, entende? Diz que causa traumas relativos ao sexo e tudo o mais. Mas nunca fazíamos sexo a menos que o garoto estivesse dormindo. E eu não queria mudá-lo de quarto. Tinha medo, depois do que aconteceu a Danny e Shirl.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Mas mudou-o, não é mesmo? - indagou o Dr. Harper.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Sim - respondeu Billings com um sorriso doente e amarelo. Mudei-o. Outro silêncio. Billings pareceu lutar contra ele.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Tive que mudar! - bradou finalmente. - Tive! Tudo estava bem enquanto Rita ficou em casa, mas depois que ela partiu o fantasma se tornou atrevido. Começou a... - Billings rolou os olhos para Harper e exibiu os dentes num sorriso selvagem. - Oh, você não vai acreditar. Sei o que pensa: sou mais um maluco para seus registros. Sei disso, mas você não esteve lá, seu maldito bisbilhoteiro.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Uma noite, todas as portas da casa se escancararam. De manhã, levantei-me e encontrei um rastro de lama e sujeira no corredor, entre o armário embutido dos casacos e a porta da frente. O fantasma saíra? Entrara? Não sei! Juro por Deus, não sei! Discos arranhados e cobertos de lama, espelhos quebrados... e os barulhos... os barulhos... Passou a mão pelos cabelos.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Eu acordava às três da manhã, olhava para a escuridão e dizia a princípio: "É apenas o relógio." Mas, além disso, escutava algo que se movia furtivamente. Contudo, não furtivamente demais, pois queria que eu escutasse. Um barulho úmido e escorregadio, como algo escorrendo no ralo da cozinha. Ou estalidos, como garras arranhando levemente o corrimão da escada. E eu fechava os olhos, sabendo que era ruim escutar aquilo, mas pior seria ver...</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- E sempre tinha medo de que os ruídos cessassem durante algum tempo e, depois, uma gargalhada explodisse em meu rosto, ou um hálito com cheiro de repolho podre, e mãos me apertassem a garganta.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings estava pálido, trêmulo.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Portanto, mudei Andy de quarto. Sabia que o fantasma iria buscá-lo, entende? Por que ele era o mais fraco. E foi o que aconteceu. Logo na primeira noite, o garoto gritou de madrugada e, finalmente, quando tive cojones para entrar no quarto, encontrei-o em pé na cama, berrando: "Papai... fantasma... quero ir com Papai, ir com Papai."</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A voz de Billings ficou muito aguda, como a de uma criança; ele deu a impressão de murchar no sofá.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Mas eu não pude - continuou, no mesmo tom agudo e trêmulo. Não pude. E uma hora mais tarde escutei outro grito. Um grito horrível, gorgolejante. E compreendi o quanto eu o amava, pois corri para o quarto e nem mesmo acendi a luz. Corri, corri, corri... Oh, meu Jesus, o fantasma o pegara; sacudia-o, como um cão sacode um trapo... Pude ver algo horrível, com ombros curvados e cabeça de espantalho... Senti um cheiro terrível, como o de um camundongo morto numa garrafa vazia... E escutei...</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A voz de criança morreu aos poucos. De repente, voltou ao tom adulto:</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Escutei o pescoço de Andy partir-se - a voz era fria, inexpressiva. - Um barulho semelhante ao do gelo se quebrando sob um patinador durante o inverno.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Então, o que aconteceu?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Oh, eu fugi - respondeu Billings na mesma voz fria e inexpressiva. - Fui para um restaurante que ficava aberto a noite inteira. Que tal isso como exemplo de covardia?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Corri para o restaurante e tomei seis xícaras de café. Depois, voltei para casa. O dia já raiava. Chamei a polícia antes mesmo de subir. Andy estava caído no chão, fitando-me.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Acusando-me. Um filete de sangue lhe escorria do ouvido. Só uma gota, na verdade. E a porta do armário estava aberta - só uma fresta.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A voz se calou. Harper olhou para o relógio digital. Cinqüenta minutos haviam transcorrido.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Marque hora com a enfermeira - disse ele. - Na realidade, marque várias consultas. Às terças e quintas estará bem?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Só vim contar minha história - disse Billings. - Desabafar, Menti à polícia, entende? Disse-lhes que o garoto devia ter tentado sair do berço durante a noite... Eles engoliram. Claro que engoliram. Era o que parecia. Mas Rita sabia. Rita... finalmente... sabia...</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Cobriu os olhos com o braço direito e começou a chorar.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Sr. Billings, temos muito sobre que conversarmos - disse o Dr. Harper após um intervalo. - Creio que poderei remover parte do seu sentimento de culpa, mas antes é preciso que o senhor deseje livrar-se dele.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O senhor não acredita que eu deseje? - exclamou Billings, tirando o braço dos olhos vermelhos, inchados, magoados.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Ainda não - replicou Harper tranqüilamente. - Terças e quintas?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Após prolongado silêncio, Billings resmungou:</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Maldito charlatão. Está bem. Está bem.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Marque hora com a enfermeira, Sr. Billings. E passe um bom dia.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings riu ocamente e saiu depressa do consultório, sem olhar para trás.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A mesa da enfermeira estava vazia. Um pequeno aviso colocado sobre o mata-borrão dizia: "Voltarei num minuto."</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings deu meia-volta e entrou no consultório.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Doutor, a enfermeira...</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">A sala estava vazia.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas a porta do armário embutido estava aberta. Só uma fresta.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Ótimo - disse a voz dentro do armário. - Ótimo.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">As palavras soavam como se tivessem passado entre lábios cheios de algas marinhas apodrecidas.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Billings permaneceu pregado ao chão quando a porta do armário se escancarou. Sentiu vagamente um calor nas pernas ao urinar-se.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Ótimo - disse o fantasma, saindo do armário com andar trôpego. Ainda trazia a máscara do Dr. Harper na mão descamada, de garras compridas...</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-63489109787250550722017-03-07T23:38:00.004-03:002017-03-07T23:38:36.237-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Fantasma da Casa 666</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-9195536711102972138" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div class="separator" style="clear: both; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: center;">
</div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><br /></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Só agora, depois de 30 anos, minha mãe revelou-me o mistério sobre a morte da senhora Margot. Por muito tempo, durante a minha infância, essa curiosidade me perseguiu. Dizem que os fantasmas da infância, diante dos problemas da vida adulta, costumam ser esquecidos, guardados em algum canto da mente. Falam também que a criança que fomos, a exemplo dos fantasmas, nunca morre, simplesmente fica escondida dentro de nós. Talvez por esse motivo, hoje, dia em que completo 42 anos, foi que, vasculhando as teias de aranha dentro da minha cabeça, encontrei a criança curiosa que um dia fui. Corri até a casa da minha mãe e repeti uma pergunta feita a três décadas: como morreu a proprietária da casa 666?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Os moradores da rua temiam passar em frente aquele sobrado, principalmente à noite. Especulava-se que era comum ouvir-se gritos pavorosos ecoarem lá de dentro, cortando o silêncio e causando arrepios aos que, por ventura, passassem por aquela calçada. A velha casa abandonada tinha um aspecto realmente aterrador. Sua fachada, totalmente desgastada pelo tempo, mantinha algumas das inúmeras janelas. A maioria, no entanto, comida pelos cupins, não passava de espaços vazios por onde, segundo vários relatos, podia-se ver luzes de velas e sombras a passear lentamente pelos cômodos. Os mais antigos da vizinhança diziam ser a alma da senhora Margot que assombrava aquela casa. Sendo eu muito curioso, certa vez perguntei a minha mãe como tinha morrido a senhora Margot. Em vez de matar a minha curiosidade, deixou-me ainda mais confuso a frase que recebi como resposta:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— É uma história muito triste para se contar a uma criança.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Tentei insistir e fui ameaçado com uma boa surra, caso não esquecesse o assunto. A curiosidade, a partir daquele dia, transformou-se em obsessão. Estava decidido a descobrir, a qualquer custo, as circunstâncias que levaram à morte a senhora que habitara aquele sobrado assustador. Aos meus doze anos de idade, não me considerava mais uma criança. Dizia para mim mesmo, como se querendo convencer-me: eu sou um homem e, como tal, vou desvendar todo esse mistério. Saí a perguntar a todos que encontrava e as respostas não eram muito diferentes daquela dada pela minha mãe. Faziam suspense ou simplesmente mudavam de assunto. Acabei recebendo a surra prometida quando minha mãe ficou sabendo da inquisição que andava a fazer aos quatro cantos.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Esqueça este assunto de uma vez por todas!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Fiquei de castigo por cinco dias, mesmo depois de ser obrigado a prometer que não mais tocaria no assunto. Após a curta reclusão, que me pareceu quase eterna, a curiosidade sobre a morte de dona Margot continuava a me atormentar. Fui recebido com vaias pelos meus amigos da rua: Vado, Cabeção, Dumbo, Leitão e Caju. Era costume da turma reunir-se em frente à casa do amigo que estava de castigo e dar-lhe uma sonora vaia no dia que este, absolvido da pena, colocasse a cara na rua. Sentir na pele essa humilhação não foi nada agradável, porém não podia reclamar. Principalmente eu, que costumava puxar o coro e fazer grande algazarra quando um colega castigado era colocado fora da gaiola. Mesmo assim, para não ficar inferiorizado diante dos amigos, tentei justificar-me.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Vocês ficam de castigo por bobagens: você, Cabeção, ficou dez dias sem assistir televisão porque quebrou a bonequinha da irmã. Também! Foi brincar de boneca, né? Você, Leitão, foi comer o pudim ainda quente que a vovó preparou e passou 15 dias sem direito à sobremesa. Vocês, por acaso, sabem por que fui castigado? Coisa séria, problema de homem e não coisinhas de crianças como vocês.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Depois dessa minha explanação, tudo que consegui foi uma segunda e ainda mais sonora bateria de vaias. Fiquei realmente furioso e, num momento infeliz, lancei um impensado desafio:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Qual de vocês tem coragem de entrar comigo, à noite, no antigo sobrado da senhora Margot?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Uma dezena de olhos assustados arregalaram-se à minha frente. Ficaram por alguns segundos em silêncio até que, com voz trêmula, Caju devolveu-me, em lugar de resposta, outra interrogação:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Você tem essa coragem?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Diante dessa simples pergunta foi que percebi a situação complicada em que me encontrava. Como poderia responder negativamente? Não foi minha a idéia de transpor os portões da casa 666? Estava, realmente, sem saída e respondi:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Mas é claro que tenho coragem. E vai ser ainda hoje.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Não sei onde arrumei tanta convicção. Entrar naquela casa sozinho, à noite? Nem os adultos tinham coragem, mesmo durante o dia. Olha só o tamanho do problema que arranjei. Na esperança de arrumar companhia para minha louca aventura, voltei a desafiar:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Vocês são todos covardes. Afinal, quem é homem para ir comigo?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O silêncio da falta de resposta doía em meus ouvidos, causando-me grande angústia. Resolvi pegar pesado e mexer com o brio da turma.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Vocês são um bando de menininhas medrosas. Afinal, quem vai comigo?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Foi quando uma voz estranha, vinda do outro lado da rua, se fez ouvir.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Eu tenho coragem! Eu vou!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Assustados, já estávamos nos preparando para correr quando percebemos que era apenas o Aluado, um menino muito estranho que morava na rua. Seu verdadeiro nome era Vitor, porém o apelidamos de Aluado pelo seu jeito débil. Tinha problemas mentais e era discriminado pelas outras crianças que, considerando-o muito bobo, negavam-se a brincar com ele. Morava com uma tia velha que também era meio louca. Costumavam passar os períodos de lua cheia trancados em casa. Por esse motivo chamávamos a casa deles de Toca dos Aluados. Eu, a exemplo da criançada, também não nutria simpatia por ele. Porém, ao ouvi-lo se prontificando a me acompanhar em minha aventura, agarrei-me àquelas palavras como um náufrago a uma tábua de salvação. Vi, na figura do Aluado, a minha esperança de convencer os outros a irmos, todos juntos, tentar encontrar pistas que ajudassem a matar a curiosidade em torno da morte da senhora Margot. Disparei então meus argumentos:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Estão vendo, menininhas? Até mesmo o Aluado, que vocês tanto discriminam e chamam de bobão, tem mais coragem que vocês.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Sentindo-se humilhado, Vado, o mais velho e também mais forte da turma e, por essa razão, detentor da liderança no grupo, decretou de forma nada democrática:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Vamos todos juntos. Quem não for, vai se ver comigo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Uma ordem de Vado era lei; ninguém tinha coragem de enfrentá-lo. Principalmente depois do dia em que ele, sozinho, numa briga feia, enfrentou e venceu quatro meninos que moravam numa rua paralela a nossa. Assim sendo, a turma preferiu enfrentar o fantasma da casa 666 a enfrentar Vado. Esperamos, assustados, o anoitecer que se aproximava. Reunimo-nos em frente àquele sobrado e, mesmo tentando disfarçar, os semblantes deixavam transparecer o receio que tínhamos em estar ali. O único que não demonstrava qualquer tipo de preocupação era o Aluado. Na verdade, parecia estar muito feliz em participar daquela aventura ao lado da turma, já que sempre fora renegado. Era tanto o seu entusiasmo que, aproveitando um momento em que a rua estava vazia, foi o primeiro a pular o alto portão frontal da casa. Não nos restou alternativa e, um a um, saltamos para dentro dos muros daquele sobrado. O mato tomava conta de todo o espaço que, no passado, fora um imenso jardim. Repentinamente, um vento forte soprou derrubando a porta principal. Nesse momento, todos se olhavam assustados e quase retornamos correndo. Porém, Vado, como sempre, democrático, falou energicamente:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Daqui ninguém sai.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">À frente daquela trêmula fila, ia Aluado, segurando uma lanterna. Na retaguarda, vinha o Vado para garantir que ninguém fugiria e, entre os dois, eu, Cabeção, Caju, Leitão e Dumbo, totalmente apavorados. Com uma coragem impressionante, talvez pela sua insanidade, Aluado ultrapassou a porta da frente, penetrando na sala principal. Já nos dirigíamos à escada de acesso ao primeiro andar quando, vinda, não se sabe de onde, uma voz tenebrosa pronunciou, claramente, aos nossos ouvidos:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Eu queeeero meus anéeeeeis!</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Senti o meu sangue gelar naquela hora, principalmente quando olhei para trás e percebi que Vado não mais estava lá. Foi o primeiro a correr, gritando desesperadamente. A exemplo dele, todos sumiram em alta velocidade. Eu, particularmente, não sei como saltei com tamanha rapidez e agilidade o alto muro que há pouco havia me oferecido tanta dificuldade em transpô-lo. Aquela correria desenfreada só teria fim na pracinha do final da rua, onde nos encontramos e, sem fôlego, não conseguíamos sequer falar. Todos afirmavam ter ouvido, claramente, aquela voz que dizia querer seus anéis. Porém, ninguém tinha a mínima idéia de que anéis se tratava. Mal tínhamos nos refeito do susto, quando Dumbo, quase sem voz, deixou-nos preocupados ao perguntar:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Onde está Aluado?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Nesse momento, demo-nos conta de que nenhum de nós viu Aluado pular aquele muro de volta para a rua. Teria ficado dentro da casa? A preocupação aumentava pois sabíamos que algo precisava ser feito. Tive então a idéia de irmos perguntar à tia dele. Talvez ele tivesse corrido para casa. Ninguém concordou, achando que seria muito suspeita essa atitude, já que nunca procuramos por ele antes. A maioria resolveu que o melhor era ficarmos calados e aguardar o aparecimento de Aluado. Como já estava ficando tarde, decidimos retornar para nossas casas. O remorso tomava conta de mim. Sentia-me responsável pela ida do Aluado àquela casa e, conseqüentemente, sentia-me responsável por ele. Meu remorso transformou-se em angústia quando, pela janela do meu quarto, percebi que a tia velha do Aluado ganhava a rua a gritar pelo seu sobrinho:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">— Vitor, onde você está?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Subia e descia a rua desesperada a ponto de chamar a atenção de todos. Algumas pessoas, solidárias àquela senhora, reuniram-se em coro a chamar pelo Vitor e nada do Aluado aparecer. Meu sentimento de culpa aumentava a cada minuto. Como poderia, sabendo de toda a verdade, esconder daquela senhora, já em prantos, o paradeiro do seu sobrinho? Em contrapartida, como poderia contar o que sabia sem denunciar a invasão realizada por mim e meus amigos àquele antigo sobrado? Era doloroso ouvir os gritos desesperados daquela senhora, mas, definitivamente, não poderia trair o pacto de silêncio da turma e muito menos expor minha própria pele às surras de cinto da minha mãe. Porém, tinha consciência de que algo deveria ser feito. Pensando assim foi que resolvi escrever um bilhete anônimo, relatando o suposto paradeiro do Aluado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">No silêncio da noite, quando todos já haviam se recolhido, saltei a janela do quarto e, cuidando para fazer o mínimo de barulho possível, caminhei até a "Toca dos Aluados". Lá chegando, fiz passar o bilhete por baixo da porta. Cheguei a ouvir os soluços daquela senhora a sofrer dentro da casa. Voltei para o meu quarto apressado, no entanto, tive o cuidado de, antes de entrar em casa, jogar uma pequena pedra no telhado da tia do Vitor no intuito de chamar sua atenção. Até esse momento, tudo funcionava exatamente como planejei. Apaguei a lâmpada do quarto e fiquei de vigília. A ansiedade tomava conta de mim quando, de súbito, percebi que a luz interna da casa se acendera para, logo em seguida, ver a tia Aluada abrir a porta e sair em direção a casa mal assombrada. Portava em uma das mãos uma folha de papel que deduzi ser o meu bilhete. Na outra mão, levava um objeto que parecia ser uma pequena caixa. Estranhamente, ela não mais gritava pelo nome do sobrinho. Contrariamente a momentos atrás, parecia fazer questão do silêncio, como se não quisesse ser notada. Olhava desconfiada para todos os lados, atravessando a rua sorrateiramente. Parou em frente ao portão da casa 666 e, ignorando o meu olhar perplexo, tirou de um dos bolsos um molho de chaves e passou a experimentá-las na enferrujada fechadura. É claro que ela não vai conseguir, pensei comigo mesmo. Como ela poderia ter uma chave que abrisse aquele portão? A possibilidade, pelos meus cálculos, era uma em milhões. Porém, a minha perplexidade chegou ao extremo ao ver, boquiaberto, pela primeira vez em minha vida, aquele portão ser descerrado. Lentamente, a tia Aluada puxava aquela imensa estrutura que, parecendo querer denunciá-la, fazia ecoar um triste rangido metálico no silêncio da noite. Admirado com a coragem daquela mulher, vi quando adentrou àquele lugar assustador. Fiquei na expectativa de vê-la sair correndo, a exemplo do que acontecera comigo e meus amigos. Os minutos que se seguiram foram angustiantes para mim. Um silêncio ensurdecedor ofendia meus ouvidos. Esperei o que me pareceu uma eternidade para, em lugar de uma fuga alucinada, testemunhar o tranqüilo retorno daquela senhora. Tamanha foi a minha felicidade ao perceber que, conduzido pela mão, trazia seu sobrinho Aluado. Ver aqueles dois atravessarem a rua, abraçados, foi como tirar um imenso fardo das minhas costas. Porém, na minha cabeça curiosa, nem tudo estava resolvido. O que teria acontecido lá dentro? O que era aquele objeto que a tia Aluada levou para o sobrado e não mais portava quando da sua saída? Só mesmo o sono, altas horas da madrugada, veio a encerrar meus questionamentos. Adormeci remoendo planos: amanhã irei investigar. Vou descobrir tudo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Acordei pela manhã mais cedo que de costume. Cheguei a deixar minha mãe desconfia.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">—O que você andou aprontando ou pretende aprontar?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Minha querida mãe, com toda a razão, sempre desconfiada; era capaz de perceber, em meus olhos de menino traquinas, a iminência de uma travessura. Na verdade, a vontade que eu tinha era de correr até a casa do Aluado e perguntar sobre o acontecido na noite anterior. Mas como fazer isso sem levantar suspeita? Decidi então que esperaria a oportunidade de encontrá-lo na rua. Reuni a turma e comuniquei o retorno do Aluado. Contei-lhes que vi quando ele voltou para casa em companhia da tia. Omiti, porém, tê-la flagrado entrando na casa 666, temendo passar por mentiroso. Reconhecia que era uma estória difícil de acreditar. Passei o resto do dia em frente à "Toca dos Aluados" na esperança de ver o Vitor e esclarecer minhas dúvidas. Quando anoiteceu, vi surgir, no fim da rua, uma enorme lua cheia. Sinal de que o Aluado passaria os próximos dias sem botar a cara na rua. A minha presença constante à frente daquela casa chamou a atenção da tia do Vitor que, sentindo-se incomodada, foi reclamar com a minha mãe que eu estava a observá-la. Levei nova surra de cinto e, para completar, fui colocado 15 dias de castigo, sem sair de casa. Não sei como consegui passar todo aquele tempo em companhia de tanta curiosidade. Quando, finalmente, acabou o meu período de reclusão, um novo acontecimento me pegou de surpresa: os moradores da "Toca dos Aluados" mudaram-se da rua; sumiram sem deixar pistas. Ouvi comentários de que teriam partido às escuras. Senti-me condenado, portanto, a passar o resto da vida sem saber o que havia acontecido durante o resgate do Aluado pela sua tia, na noite em que entramos na casa mal assombrada. Algumas semanas depois, o velho casarão foi demolido e, em seu lugar, construíram uma igreja evangélica. A casa em que o Aluado morava, a exemplo do velho sobrado, também foi vendida e transformada em uma escola. Causou-me estranheza o fato de a tal escola pertencer à igreja que ocupou o terreno da antiga casa 666. Com a destruição daquele velho imóvel, a minha esperança de desvendar a morte da senhora Margot também pereceu.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Com o passar do tempo, minha alma de criança perguntadora acalmou-se. Tornei-me adulto e acreditava ter exorcizado, para sempre, meu espírito infantil. Eis que justamente hoje, no meu 42º aniversário, ganho, de presente, os fantasmas da infância embrulhados na revelação do mistério sobre a morte da senhora Margot. Minha mãe contou-me que a dona Margot era uma senhora que, apesar da idade avançada e seus muitos quilos, trazia no rosto traços de uma mulher muito bonita. Muito vaidosa, adorava andar bem vestida e coberta de jóias. Parecia ter preferência por anéis, já que sempre trazia os gordos dedos repletos deles. Eram todos muito caros, feitos de ouro e cravejados com pedras preciosas. Com o falecimento do seu marido, sentiu a necessidade de arranjar companhia. Resolveu alojar, em sua casa, um menino que afirmava ser seu sobrinho. A criança aparentava uns 9 anos e, proibida por dona Margot, quase nunca saía de casa. Só era vista na rua quando, sob ordens, ia comprar alguma coisa na mercearia da esquina, voltando rapidamente para casa. Apesar de ser um menino obediente, dona Margot costumava castigá-lo ou, até mesmo, aplicar-lhe pesadas sovas. Nessas ocasiões, seus berros podiam ser ouvidos por toda a vizinhança. Trazia em seu rosto muitas marcas, que os vizinhos especulavam serem causadas pela pesada mão da viúva repleta de anéis. Toda a rua ficou horrorizada quando, numa manhã, ouvindo gritos de socorro vindos da casa 666, alguns moradores a invadiram e se depararam com uma cena horrível: dona Margot caída ao pé da escada, totalmente ensangüentada. Seus braços e pernas apresentavam fraturas expostas. E, em suas mãos, ausência total dos dedos. Todos foram decepados e levados, juntamente com seus preciosos anéis. A viúva deixava a todos perplexos pelo fato de, com tantos e tão sérios ferimentos, não demonstrar preocupação com o seu estado gravíssimo. Repetia exaustivamente uma única frase: "eu quero meus anéis". Os médicos foram chamados e dona Margot, depois de sedada, foi conduzida ao hospital, onde passou por várias cirurgias. Após poucos dias, não suportando o sofrimento, veio a falecer. Nas investigações policiais, o pequeno sobrinho figurava como principal suspeito, já que sumira por ocasião do ocorrido. Após 15 dias de busca, a polícia conseguiu encontrá-lo, esmolando pelas ruas do centro da cidade. As suspeitas tornaram-se fato quando o menino confessou ter matado a tia. Não ficaram dúvidas da sua culpa, pois o mesmo levou a polícia até o local onde escondera a arma do crime: um pequeno machado com o qual executara o brutal ataque. Em seus depoimentos, somente um fato ficou sem ser esclarecido: onde teriam ido parar os dedos e anéis da senhora Margot? Quando questionado, simplesmente respondia que os havia perdido. Considerado insano, foi conduzido para tratamento psicológico em um manicômio, de onde teria conseguido fugir para nunca mais ser encontrado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Ouvindo o relato desses acontecimentos foi que consegui entender e concordar com as palavras ditas pela minha mãe há trinta anos: "é uma história muito triste para se contar a uma criança". Os adultos partilhavam a opinião de que um crime tão bárbaro, praticado por uma criança, deveria ficar em segredo. Tinham medo que, de certa forma, fôssemos afetados ou influenciados por ele. Foi preciso passar todo esse tempo para, finalmente, conseguir resolver um velho mistério. Porém, nesse exato momento, pego-me pensativo e convicto de que tal revelação não passa da ponta do fio de um grande novelo que, novamente instigado pelo meu espírito juvenil e curioso, sinto necessidade de desenrolar. Com as palavras da minha mãe, depois de tantos anos esquecidos, inúmeros detalhes voltam à minha mente: a frase ouvida no casarão, a chave do portão, a pequena caixa conduzida para a casa 666 pela tia do Aluado, a mudança súbita no meio da noite, a aquisição dos dois imóveis pelo mesmo comprador. Sinto que preciso passar naquela igreja e, quem sabe, fazer algumas perguntas. Acho que, aos 42 anos, não corro mais o risco de ser surrado pela minha mãe.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Autor: Elenildo Pereira</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Fonte: </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/10/o-fantasma-da-casa-666.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-87616666764911624912017-03-07T06:45:00.005-03:002017-03-07T06:45:55.674-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Diabo e o Relojoeiro</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-1213388481829101089" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Vivia na paróquia de St. Bennet Funk, perto do Royal Exchange, uma honesta e pobre viúva que, depois de morto o marido, passou a aceitar sublocatários em sua casa. Ou seja, locou alguns de seus quartos a fim de reduzir os custos com o aluguel. Entre outros, cedeu sua mansarda a um artesão que fazia engrenagens para relógios, e que trabalhava para relojoarias, conforme era o costume nessa atividade.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Certa feita, um homem e uma mulher subiram para falar com o relojoeiro sobre algum assunto relacionado ao seu mister. E quando estavam próximos dos últimos degraus, viram, pela porta escancarada da água-furtada, que o homem – relojoeiro ou fabricante de engrenagens - havia-se enforcado numa viga que se prolongava pouco abaixo do teto. Atônita com aquele cenário, a mulher parou e gritou ao homem, que lhe seguia, para que corresse e cortasse a corda que sustentava o infeliz.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span><div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Neste mesmo instante, doutro rincão do quarto, cuja visão não era possível a partir das escadas, correu velozmente outro homem, a trazer um banquinho nas mãos. Com ares de quem se encontra com grande pressa, colocou o escabelo sob o desventurado e, subindo rapidamente, sacou do bolso uma faca. Segurando a corda com uma das mãos, fez sinal com a cabeça para a mulher e o homem, a advertindo-os para se detivessem e não subissem, ao mesmo tempo em que exibia a faca na outra mão, como se estivesse prestes a cortar a corda e soltar o enforcado.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Nisto, a mulher se deteve por um momento, mas o homem sobre o banquinho continuava a segurar a faca - como se permanecesse confuso com o nó -, sem, contudo, cortá-la. Por esta razão, a mulher gritou novamente ao seu acompanhante, que, supondo que algo impedia a ação do outro homem, disse à mulher:</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Sobe e ajuda o homem do banquinho.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Mas o homem no banquinho novamente acenou para que ficassem quietos e não entrassem, qual se lhes dissesse: "Cortarei a corda imediatamente".</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Então, desferiu dois golpes com a faca na corda, à guisa de cortá-la, mas parou novamente. O desgraçado seguia dependurado e, portanto, a morrer.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Porque o fato se repetia, a mulher gritou, da escada:</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- O que está acontecendo? Por que não soltas o pobre homem?</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">E o homem que a seguia, já exaurido de paciência, afastou-a e lhe disse:</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">- Deixe-me passar. Eu te asseguro que a cortarei.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Dizendo isso, invadiu o quarto. Mas, quando chegou... Deus! O pobre relojoeiro continuava enforcado, mas não havia homem com uma faca, nem banquinho, e nenhuma outra coisa ou outro ser era visto e escutado. Tudo havia sido uma ilusão, urdida por criaturas espectrais, enviadas sem dúvida para deixar que o pobre infeliz se enfocasse e expirasse.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O visitante estava tão aterrorizado e surpreso que, apesar de toda a coragem que demonstrara, caiu ao chão como se estivesse morto. E a mulher, por fim, vendo-se na obrigação de baixar o homem, teve que cortar a corda com um par de tesouras, o que lhe redeu um grande trabalho.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Como não me cabe pôr em dúvida a veracidade desta história, que me foi contada por pessoas em cuja honestidade eu deposito a minha confiança, creio que não me dará trabalho convencer-vos de quem devia ser o homem do banquinho: era o diabo, que estava no quarto com o objetivo de pôr cobro ao assassínio de um homem a quem, conforme o seu costume, havia tentado, e antes convencido a que fosse, de si mesmo, o verdugo. Demais disso, este fato criminoso corresponde tão bem à natureza do demônio e ao seu ofício – qual seja, a de um assassino – que nunca o pus em dúvida. E nem posso crer que estaremos difamando o diabo quando a ele atribuímos a prática de tal malefício.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Nota: Não posso ter certeza quanto ao final desta história. Assim, não sei se o relojoeiro foi liberado com rapidez suficiente, a tempo de recuperar-se, ou se o diabo alcançou os seus propósitos, mantendo o homem e a mulher afastados, na escada, até que fosse demasiadamente tarde. Mas, seja como for, é certo que ele executou o seu mister demoníaco e permaneceu na água-furtada até que foi compelido a evadir-se.</span></span></div>
<div class="body-text" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fonte:</span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2014/01/o-diabo-e-o-relojoeiro.html</span></span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-892122619912712486.post-40698811677225186372017-03-06T10:08:00.003-03:002017-03-06T10:08:53.110-03:00<h2 style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;">
<span style="background-color: black; color: #999999; font-size: large;">O Diabo e o Pedreiro</span></h2>
<div class="post-header" style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 1.6; margin: 0px 0px 1em;">
<div class="post-header-line-1">
</div>
</div>
<div class="post-body entry-content" id="post-body-5983701241716509412" itemprop="description articleBody" style="line-height: 1.4; position: relative; width: 616px;">
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Havia em Santiago de Compostela, em tempos imemoriais, uma viela na qual os antigos puseram o singular nome de “Travessa do Cego e do Caolho”. Tal minúsculo logradouro, não mais que uma passagem curtíssima entre duas ruas de mediana expressão, abrigava apenas duas casas pequenas, uma de cada lado, cujas janelas e portas se entreolhavam preguiçosamente. Embora estreita a viela – mal podiam passar pelo escaninho duas pessoas magras lado a lado –, muitíssimos transitavam por ela, apesar da perene escuridão que lhe tornava limosas as pedras desgastadas, porque era uma via que encurtava abençoadamente o caminho dos romeiros, já tão cansados, que rumavam à Catedral. E o excêntrico nome da minúscula rua atraía a curiosidade dos viajantes, que estavam sempre a indagar sobre a sua origem. Mas os de Compostela não gostavam de saciar o desejo dos transeuntes. Ficavam eles quase sempre sem resposta, visto como teriam de ouvir falar do Diabo, e isto não era apetecível a uma cidade sagrada, cujo solo servia de repouso eterno ao Apóstolo do Senhor.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="color: #999999;"><span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span></div>
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif;"><a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></span><br /></span><div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Hoje, a ruela não existe mais. Mas é possível que ainda permaneça na memória de alguns dos anciãos o fato que deu origem a um nome tão singular. Rico em anos, a vós contarei a história, conforme ouvi de meus antepassados, infelizmente mortos há mais de meio século.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Muito antes de tombarem os castelos aos rudes golpes dos Irmandinhos, já existia a rua de nossas preocupações. Nela morava, com mulher e filha, um homem sem dúvida esforçado, trabalhador incansável e pedreiro de profissão, mas não bem aquinhoado pelo Destino como seria de justiça e de mister.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Após um dia de árdua faina, resolveu Anselmo Carvalho – assim ele se chamava – gastar um pouco do que ganhara entornando uns bons copos de vinho numa das muitas tabernas que abriam as portas ao cair da noite.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Tendo entrado numa bodega, a dedo escolhida, porque o vinho não era batizado, e custava o que de fato valia, desceu uma escada em caracol e recolheu-se a uma mesa no porão, à frente do corredor abaulado que levava à adega embolorada.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O nosso homem, que não era de muita conversa, e vivia sempre carrancudo, sentia-se bem quando sozinho, porque assim podia padecer sossegado a própria amargura, saboreada a cada gole e juntamente com o azedume do vinho. Sacou do bolso um par de dados e ficou a jogar consigo mesmo, entediado.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">De cima vieram os acordes de um alaúde. A voz que o acompanhava tirou-o, sim, da melancolia, mas o lançou num profundo aborrecimento. Reconheceu aquela voz repugnante. Era a do execrável Francisco Carreira, seu vizinho de porta, a quem odiava secretamente, por ser ele justamente a origem de toda sua infelicidade.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Anselmo ouviu os passos que vinham do cerne entenebrecido da adega e supôs que era o taberneiro retornando, como sempre trôpego. Mas, cabisbaixo, nem notou que alguém se sentara suavemente à mesma mesa. Apenas ouviu o comentário:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Quem joga só, brinca com o Diabo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O jogador estava prestes a enxotar o intruso, mas as palavras se imobilizaram na pontinha dos lábios, que se abriram num sorriso satisfeito, quando o recém-chegado prosseguiu:</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Francisco Carreira é mesmo um pedante. Vejo, pela sua reação, ao ouvir a voz tão desagradável, que vossa mercê também não gosta dele, e com justas razões.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">–É verdade –respondeu Anselmo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Pois lhe digo que, apesar da indolência, ele tem muita sorte na vida. Órfão de um pai vagabundo e abandonado por uma mãe rameira, encontrou abrigo num mosteiro onde, em troca de uns serviços leves, teve esmerada educação. Depois, casou-se com uma bela mulher e fez-se feliz com ela e com os dois filhos pequenos. Trabalha leve e ganha muito.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">–Muito mais sorte do que ele merece, tenho dito – concordou Anselmo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">–Acho que Deus quase nunca é justo – afirmou o outro, muito convicto do que dizia.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">–Eu também – resignou-se Anselmo a dizer.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Veja bem – prosseguiu o desconhecido. – Enquanto vossa mercê dá duro preparando a argamassa e assentando pedras pesadas, uma após outra, sob a fúria do Sol, ele, seu vizinho folgado, apenas por ter aprendido a ler e a escrever com os malditos monges cistercienses de Monte de Ramo, passa o dia todo na moleza, a garatujar cartas nas feiras, à sombra de uma tenda confortável e arejada. E, com esse trabalho suave e alegre, ganha ele, num só dia, porque cobra dos incultos os olhos da cara, o que vossa mercê, pingando de suor, leva uma semana inteira para ganhar. Não é justo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Isto mesmo. Não é justo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Enquanto ele tem uma linda mulher, uma morena de corpo voluptuoso, capaz de pôr em tentação até mesmo o santo arcebispo de Braga, a sua esposa engordou como uma porca, e é motivo de mofa até para os mendigos que se acumulam e infestam as escadas da Catedral. Vossa mercê sabia que todos a chamam, às escondidas, de leitoa?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Sabia. Pura verdade. Onde está a justiça de Deus?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Enquanto ele tem dois filhos varões, assegurando que se perpetue o nefasto nome de família, vossa mercê tem apenas uma mocinha tola, que come como um javali, e está fadada a enfear, ainda bem cedo, assim como a mãe. Decerto que, de tão gorda, não arranjará marido.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Verdade absoluta. Como eu odeio esse homem! Se não temesse o cárcere, já o teria matado. E o pior é que, por morarmos frente a frente, tenho que suportar todos os dias a visão de sua vitória fácil e amargar a minha derrota sofrida. Acho que Deus é cego, porque não vê o meu merecimento. E é surdo, porque não ouve as minhas preces.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">–Não, não é cego. Nem surdo. Ele vê e ouve tudo. Ele é apenas injusto. Mas podemos amenizar um pouco essa inconveniência.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Como? Só se tu fores tão poderoso quanto Deus.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Bem, não chego a tanto – disse humildemente o homem, embora o sarcasmo modulasse o seu tom de voz . – Mas tenho cá os meus poderes.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– És o Diabo? O Demo? O Dianho?</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Vossa mercê o diz.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Se é a minha alma o que queres, não farei nenhum acordo contigo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">–Ora, ora... A sua alma não me interessa. Não posso fazê-lo feliz, mas posso, ao menos, fazer de vossa mercê um homem rico ou poderoso.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Qual é o trato? Coisa boa não pode vir de ti.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">–Peça-me vossa mercê o que quiser. O que lhe aprouver. Realizarei o seu desejo prontamente. Mas o que eu lhe der, darei em dobro ao seu inimigo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">Anselmo sorriu com a astúcia do Diabo. Se pedisse cinquenta mil moedas de ouro, cem mil reais tilintariam nos alforjes dourados do inimigo; se exigisse uma mão repleta de diamantes, o Diabo encher-lhe-ia as duas com grandes pedras cintilantes, de magnífico e dobrado valor; se pedisse um condado, o rival teria todo um reino para explorar. E, malgrado rico, malgrado poderoso, a sua amarga inveja seria ainda maior, mais intensa e insuportável, porque o rival gozaria o dobro da riqueza, do poder e do intolerável e ofuscante esplendor. Mas Anselmo vislumbrou, num lampejo, uma oportunidade de, sobrepujando o demônio em argúcia, vingar-se plena e definitivamente do desafeto, atirando-o à miséria irremissível. E pouco lhe importava o enorme – portentoso – preço da escolha. O brilho inefável da própria astúcia e o desejo nefando de uma vingança crua e desalmada falavam mais alto.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– O que ganharei, ele ganhará em dobro...</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">–Isto mesmo.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">– Então te peço, solenemente, que me fures um olho.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;">O Diabo, embora surpreso com o estratagema do pedreiro, cumpriu a promessa. Eis o porquê do nome que foi dado à outrora famosa e útil travessa de Compostela.</span></span></div>
<div style="font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;">
<span style="background-color: black; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="color: #999999;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: black; color: #999999;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fonte:</span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/10/o-diabo-e-o-pedreiro.html</span></span></div>
</div>
João P. Modestohttp://www.blogger.com/profile/10162936630695069649noreply@blogger.com0