domingo, 20 de novembro de 2016

A qualquer hora que se acordasse havia uma porta se fechando. De aposento em aposento, lá iam eles, de mãos dadas, erguendo aqui, abrindo ali, certificando-se – um par espectral.
“Nós o deixamos aqui”, ela disse. E ele acrescentou: “Oh, mas aqui também!” “Está no andar de cima, murmurou ela”. “E no jardim”, sussurrou ele. “Em silencio”, disseram, “para não acordá-los”.
Mas não era que vocês nos acordassem. Oh, não. “Procurem-no; estão puxando a cortina”, alguém poderia dizer, e depois continuar lendo uma ou duas páginas. “Agora o encontraram”, diria com certeza, parando o lápis a margem. Então, cansado da leitura, poderia levantar-se para ver com os próprios olhos, a casa toda vazia, as portas abertas, apenas os pombos silvestres arrulhando contentes e o zumbido da debulhadora ressoando na herdade. “Para que vim até aqui?”  “À procura de quê?” Minhas mãos estavam vazias. “Quem sabe no andar de cima?” As maçãs estavam no sótão. E então descia de novo, o jardim tranquilo como sempre, somente o livro havia escorregado em direção à grama.
Mas encontraram-no na sala de estar. Não que alguma vez se pudesse vê-los. As vidraças das janelas refletiam maçãs, refletiam rosas; todas as folhas no vidro eram verdes. Se entrassem na sala, a maçã voltaria apenas seu lado amarelo. Todavia, um instante depois, caso a porta se abrisse, espalhado no assoalho, suspenso junto à parede, pendente no teto – o que? Minhas mãos estavam vazias. A sombra de um tordo cruzou o tapete; dos mais profundos poços de silencio o pombo extraiu o som do seu arrulho. “Salvo, salvo, salvo”, bateu lentamente o pulso da casa. “O tesouro sepulto; o quarto…” — parou de súbito o pulso. Oh, era aquilo o tesouro sepulto?
Um instante mais tarde a luz desmaiou. No jardim, então? Mas as árvores teceram a escuridão para um raio de sol errante. Tão belo, tão raro, friamente imerso na superfície, o raio que eu buscava sempre ardeu atrás da vidraça. Morte era a vidraça; a morte estava entre nós; viera primeiro à mulher, há centena de anos, deixando a casa, lacrando todas as janelas; os aposentos em penumbra. Ele deixara a casa, deixara-a, fora para o norte, para o leste, vira as estrelas arqueadas no céu do sul; procurou a casa, encontrou-a em abandono sob os Downs. “Salvo, salvo, salvo”, bateu satisfeito o pulso da casa. “É seu o tesouro”.
O vento ruge alameda acima. As árvores curvam-se e recurvam-se aqui e ali. Raios de luar chapinham e se espalham impetuosamente com a chuva. Mas o raio de luz do lampião incide reto através da janela. A vela queima direita e imóvel. Vagando pela casa, abrindo as janelas, sussurrando para não nos acordar, o par espectral procura o prazer.
“Aqui dormimos”, ela diz. E ele acrescenta: “Beijos sem conta”. “Acordando de manhãzinha” — “Prata entre as árvores”  “No andar de cima”  “No jardim” — “Quando vinha o verão” “Quando nevava no inverno”. — As portas vão se fechando remotas, batendo suavemente como o pulsar de um coração.
Aproxima-se mais; param à porta. O vento amaina, a chuva desliza prateada pelo vidro. Nossos olhos se turvam; não ouvimos passo algum perto de nós; não vemos dama alguma estender seu manto espectral. As mãos dele resguardam a lanterna: “Olhe”, sussurra. “Parecem dormir. Há amor nos seus lábios”.
Inclinando-se, sustendo sobre nós a lâmpada de prata, olham por longo tempo, e profundamente. Por longo tempo imóveis. O vento segue seu curso; a chama hesita levemente. Raios impetuosos de luar cruzam o assoalho e a parede, e, encontrando-os, mancham os rostos inclinados; os rostos que meditam; os rostos que sondam os que dormem e buscam o prazer oculto.
“Salvo, salvo, salvo”, bate com orgulho o coração da casa. “Longos anos”, suspira ele. “De novo me encontraram”. “Aqui”, murmura ela, “dormindo; no jardim lendo; sorrindo, rolando maçãs no sótão. Aqui deixamos o nosso tesouro”. Baixando, a luz levanta-me as pálpebras. “Salvo! Salvo! Salvo!” Bate com ímpeto o pulso da casa. Despertando, exclamo: “Então é este o seu tesouro sepulto? A luz no coração!”

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