quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Os Gêmeos



Não sei o que dizer ao relatar algo assim, simplesmente o medo ainda me mantém paralisado e sem reações definidas as quais eu deveria tomar uma atitude e rápido, porém, até então não tenho muita escolha além de continuar com a vida normal que um dia eu tive... Quando eu ainda lembrava meu nome.

Para falar a verdade minha vida nunca foi normal como a de qualquer outro garoto de 16 anos deveria ser, mesmo assim sempre tentei ignorar pequenos detalhes que hoje viraram o problema que assombra meu presente. Detalhes que eu sempre denominei como o meu casal de irmãos gêmeos mais novos.

Claro que todo mundo tem seus problemas comuns de família, pequenas brigas alheias entre irmãos e tudo mais, porém, o meu caso é diferente. Eu não tenho essas brigas entre irmãos nem nada, pelo contrário, eu bem que queria ter, tornaria minha vida mais normal e menos preocupante. Pode parecer estranho da minha parte, mas eu acho ainda mais estranho ter um casal de irmãos gêmeos, praticamente idênticos (se não fossem de sexos opostos, seria impossível identificar) que não tem o menor contato comigo. Mesmo estando debaixo do mesmo teto que eu!

Bem... Fora esses pequenos fatos quase inúteis, o que irei retratar agora é o que realmente importa. Como devo dizer...

Meus irmãos sempre foram estranhos e eu aprendi a me acostumar com isso, porém, esse ano a menos de três meses, quando eles fizeram sete anos tudo ficou mais tenso dês de então. Notei que os lindos olhos azuis de Lucy e Luck adquiriram um tom negro e profundo para Luck, como se ele estivesse sugando sua alma, e um vermelho vivo e sombrio para Lucy, como se ela agarrasse sua vida e simplesmente tirasse toda sua esperança de viver. O mais estranho é que parece que apenas eu consigo reparar isso. Como se eles escolhessem sua presa antes de possui-la ou mata-la, antes de torturarem ela sem piedade, como os olhos da morte...

Outra coisa que andei reparando é que a boneca de pano que Lucy sempre carrega parece estar sempre me olhando, me vigiando, quase como os olhos de Lucy, me deixando igualmente desconfortável. E como se não bastasse toda noite eu encontro o carrinho de mão do Luck ao lado da minha cama com seus faróis acesos em minha direção, como pequenos olhos que me vigiam enquanto durmo sugando meus sonhos e pensamentos para que seus pequenos círculos de luz continuem brilhando e meus pesadelos permaneçam.

Porém, isso tudo acaba aqui... A mais ou menos uma semana tenho ouvido as vozes de meus irmãos em meus sonhos, pesadelos e me seguindo durante o dia, em todos os lugares, como se eles estivessem escondidos em algum lugar próximo apenas me observando e aguardando a hora certa de agir. Ouço pequenos risos de Luck, que vão ficando cada vez mais altos e frenéticos conforme me aproximo do local de onde se originam. Também escuto uma pequena música sem fim, uma espécie de “la la la” sendo cantarolada pela Lucy em um ritmo suave, sarcástico e sombrio, como se ela estivesse zombando do meu estado nervoso e neurótico. O pior nisso tudo é que esses tais acontecimentos ficam cada vez mais frequentes e piores, estão me levando à loucura. Não sei até quando conseguirei suportar, pois garanto, não sou mais o de antes dês de então e imagino que só devo piorar.

A cada dia sinto que chego mais perto do fim dessa grande tortura. A cada dia sinto mais medo. A cada dia sinto que tudo fica pior e mais sombrio... Até que, o que eu achava ser o fim estava só começando. Após acordar de um terrível pesadelo me deparo com os meus irmãos, apenas lá, parados ao lado da minha cama me encarando, Lucy com sua boneca de pano e Luck com a cordinha que puxava seu carrinho. Olhos sombrios, me sugando, me fazendo esquecer quem realmente sou. Eu me sentia um pouco tonto, fora de foco, porém, consegui reconhecer um grande sorriso em suas faces sombrias sob a luz da lua que entrava pela janela. Um sorriso e então... Sangue! Muito, mas muito sangue saindo de suas bocas sorridentes e olhos profundos. E antes que eu percebesse as vozes deles voltaram a me perseguir, Luck ria mais alto e freneticamente que nunca e Lucy não parava de cantarolar a “música da morte”.

Eu não aguentava mais, estava no meu limite, eu já havia esquecido tudo que poderia um dia me identificar como o garoto que já fui um dia. Aqueles olhos cheios de sangue não apenas me observavam, estavam levando minha alma para o abismo do esquecimento, apenas me arrastando até lá, apenas me torturando até aquele momento, o momento certo para terminar de sugar minha alma e levar tudo àquilo que um dia chamei de vida...

Lucy soltou a mão de sua metade e se aproximou de mim tirando de trás de sua boneca um punhal ainda sujo se sangue, porém reluzente. Sorrindo ela parou de cantarolar e disse:

- Não se preocupe logo você terá esquecido tudo isso...

A última coisa que vi e ouvi antes de empurrar Lucy e sair correndo do meu quarto até o quarto dos meus pais foi Luck rindo loucamente, o riso que não parava de me perseguir e ecoar em minha mente.

Após atravessar todo o corredor e entrar correndo e mais desesperado que nunca no quarto dos meus pais, não podia me deparar com coisa pior... Meus pais estavam banhados em sangue, minha mãe pendurada pelos cabelos no ventilador que ainda girava lentamente e meu pai preso na parede por pregos nas mãos, nos pés e um bem no meio de sua testa. O quarto era uma poça de sangue e eu ainda conseguia ver, mesmo sob a escuridão, os órgãos e tripas dos meus pais espalhados por toda parte.

Eu não aguentei, vomitei ali mesmo no chão cheio de sangue. Sentia as lágrimas e meu coração mais acelerado que nunca, podia jurar que ia ter um infarto ali mesmo. Mas não podia continuar assim, no final do corredor os gêmeos se aproximavam da mesma forma de sempre, rindo loucamente e cantarolando sombriamente. Com minhas últimas forças levantei, desci as escadas quase caindo por causa da tontura e fui até a porta da frente na esperança de fugir... Mas de tudo que já tinha acontecido essa era a última coisa que eu esperava acontecer... Ao abrir a porta, em vez de ver a rua, casas, pessoas, talvez um mendigo ou outro, eu acabei me deparando com o nada, com a escuridão, apenas um vazio negro e sombrio, simplesmente o nada...

- Assustado, irmãozinho?! – disse Lucy que já estava atrás de mim apenas esperando a hora certa.

Ela continuava com o punhal, calma, obscura, e murmurando a “música da morte” entre os lábios.

- Parece que você esqueceu até onde morava, irmãozinho. Não se preocupe você se esquecerá disso também...

E essas foram às últimas palavras que ouvi antes de esquecer tudo e todos... Porém os risos e a música da morte assombrarão todos que esqueceram e todos que esquecerão...


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